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O cargo de administrador de uma sociedade, que na maioria das empresas brasileiras se confunde com a pessoa do sócio controlador, traz consigo diversos deveres e responsabilidades denominados fiduciários. Tais deveres, derivados da fidúcia, possuem como elemento central a confiança entre a sociedade e a pessoa que exerce as atividades.1
Percebe-se, então, que os sócios de uma determinada sociedade, ao elegerem uma pessoa para administrar o negócio, depositam elevada confiança2. Estes compreendem que a atuação do administrador será pautada em conformidade com os interesses da empresa e não em interesses próprios ou dos sócios. É importante relembrar que não se deve confundir o interesse da pessoa do sócio com o interesse da sociedade em si. A empresa é uma pessoa distinta dos sócios, inclusive o patrimônio da empresa e do sócio são distintos e não deveriam se confundir.
Dessa forma, é em razão da confiança depositada pelos sócios de uma determinada sociedade que o administrador dirige interesses patrimoniais sem ser proprietário dos bens que administra. Isso quer dizer que o administrador não é proprietário dos bens sociais, mas mero gestor, e deve pautar-se na proteção dos interesses da sociedade e dos seus sócios, ou seja, não deve visar benefícios próprios.
O administrador, portanto, deve atuar com lealdade, diligência e agir dentro dos melhores esforços e interesses da sociedade. Isso não significa que o administrador não possa errar, que a empresa não possa ter prejuízo e, inclusive, vir a quebrar. E, a importância dessa delimitação dos deveres é tão grande que tanto o Código Civil brasileiro no seu artigo 1.0113 prescreve regras, como a lei das sociedades por ações (lei 6.404/76) prescreve, com maiores detalhes, em seu art. 1554.
Nota-se que o objetivo da norma é defender uma atuação proba, em que os atos praticados sejam em benefício da sociedade, proibindo um gerenciamento a partir de interesses próprios e prevenindo a prática de atos abusivos.
Contudo, não são raros os casos em que o administrador deixa de cumprir com seus deveres fiduciários, agindo de forma que prejudique a sociedade ou, pior, colocando seus interesses à frente dos interesses da empresa. Nesses casos, quando comprovado o descumprimento dos deveres fiduciários por ato doloso ou culposo, o CC e a lei das sociedades por ações prevêem a responsabilidade civil dos administradores pelos danos causados à sociedade e aos sócios.
Entretanto, a responsabilidade e, consequentemente, a obrigação de ressarcir só poderá ser decretada pelo Judiciário ou por arbitragem, quando existirem provas que comprovem o dano e a conexão deste com os atos praticados pelo administrador. Esse é um tema de grande relevância no Direito Societário, devendo os sócios da sociedade fiscalizar, com frequência, se o administrador não está agindo contra os interesses da sociedade ou em detrimento/prejuízo dos minoritários.
1 CORDEIRO, António Manuel da Rocha. Da Boa Fé no Direito Civil. Coimbra: Edições Almedina S.A. 5ª reimpressão, 2022, p.53.
2 “Nos sistemas societários, em geral, é o administrador que tem os seus deveres qualificados como fiduciários. É que ele administra o patrimônio alheio, assumindo, portanto, funções semelhantes à do credor fiduciário nos negócios fiduciários. Daí porque ser assemelhado, em especial nos sistemas de common law, ao trustee.” SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário: Eficácia e sustentabilidade. 5ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 298.
3 Art. 1.011 do Código Civil: “O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”.
4 Art. 115: O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios”, proibindo-o de: “I – usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; II – omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia”.
Renan Boccacio
Sócio do Boccacio Oliveira Advogados. Mestrando em Direito Empresarial pela UFRGS.