CompartilharComentarSiga-nos no A A
“O magistrado não está obrigado a responder a todas as alegações das partes, nem a rebater todos os seus argumentos, desde que tenha encontrado motivos suficientes para embasar a decisão.”
Embora não se deva julgar a regra pela exceção, a frase acima – ou similar – é repetida, com alguma frequência, na prática forense.
Segundo o inciso IX do art. 93 da CF, toda decisão judicial deve ser fundamentada, sob pena de nulidade.
Já o CPC/15, além de repetir o texto da Constituição (art. 11), procurou estabelecer, de forma exemplificativa, quando uma decisão judicial não se considera fundamentada (§ 1º do art. 489).
Numa dessas hipóteses, prescreve o Código que não se considera fundamentada a decisão judicial que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador” (inciso IV do § 1º do art. 489).
Portanto, o julgador tem o dever de analisar, de maneira pormenorizada, todo e qualquer argumento, de fato ou de direito, objetivamente capaz de alterar o resultado do julgamento, infirmando a conclusão adotada pelo julgador, ainda que seja improcedente ou que discorde dele, vale dizer, não pode o magistrado escolher livremente os argumentos que deseja analisar, sob a justificativa de que eles são suficientes para embasar a sua decisão.
Exemplifico: imagine que, numa ação de cobrança, o réu alegue a prescrição e o pagamento. Se o juiz acolher a alegação da prescrição, não precisará analisar a alegação do pagamento; por sua vez, se o juiz julgar o pedido do autor procedente, precisará examinar as alegações de prescrição e de pagamento.
Fundamentar, em essência, é dizer a quem perdeu precisamente porque perdeu.
O inciso IV do § 1° do art. 489 é uma decorrência natural do contraditório substancial, caracterizado pelo binômio influência e não surpresa, especialmente da regra prevista no art. 9° do CPC, que concretiza o princípio: do que adianta dizer que juiz tem o dever de ouvir a parte antes de decidir contra ela, se ele não tem o dever de apreciar seus argumentos?
Evidentemente, excluem-se dessa análise os argumentos objetivamente irrelevantes ou impertinentes.
O juiz também não precisa enfrentar os fundamentos deduzidos pela parte quando a apreciação deles ficar impedida ou prejudicada em razão da resolução de alguma questão prévia ou, ainda, quando esses fundamentos já foram enfrentados na formação de precedente aplicável ao caso.
Certamente não é tarefa fácil decidir milhares de processos com a celeridade exigida – interna e externamente – e a atenção devida aos argumentos, às provas e às circunstâncias particulares de cada caso.
Pior ainda quando o magistrado se depara com petições prolixas ou confusas.
Mas uma fundamentação analítica ou racional, ainda que objetiva ou sucinta, é dever fundamental do Estado-juiz numa democracia, que não se faz apenas pelo voto.
“O sapo não pula por boniteza, pula por precisão” (Guimarães Rosa).
Para encerrar, uma historinha familiar deliciosa:
“Vamos brincar de pedra, papel e tesoura?”, disse Clarice, 4 anos. Começa o jogo. Na minha mão, pedra, e na dela, tesoura. Ela: “ganhei, porque mão fechada é papel amassado.”
Claricinha, esperta, encontrou motivo suficiente para embasar sua decisão – para a alegria do tio -, mas fundamentar é outro papo.
Rodrigo da Cunha Lima Freire
Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Professor de Direito Processual Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogado e Parecerista. youtube e Instagram @ProfRodrigoDaCunha