Eugenia digital: Uso de IA para manipulação genética   Migalhas
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Eugenia digital: Uso de IA para manipulação genética – Migalhas

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A IA – Inteligência Artificial e a edição genética, especialmente com tecnologias como CRISPR, têm revolucionado a medicina e a biotecnologia, oferecendo possibilidades antes impensáveis, como a previsão e manipulação de características genéticas humanas. No entanto, o uso dessas tecnologias para fins eugênicos – a seleção ou aprimoramento de traços genéticos – levanta questões éticas, jurídicas e sociais profundas. A eugenia digital, que combina IA, análise de dados e edição genética, pode resultar em discriminação, violação de privacidade e ameaças aos direitos humanos fundamentais.

Em 2023, um estudo publicado na revista Nature alertou para o risco de algoritmos de IA exacerbarem desigualdades sociais ao prever características genéticas que podem ser usadas para discriminar indivíduos com base em sua predisposição a doenças ou traços físicos1. Este artigo propõe uma análise crítica dos riscos e benefícios do uso de IA para prever e manipular características genéticas, explorando as implicações éticas e jurídicas dessa prática e sugerindo caminhos para uma regulamentação equilibrada.

Eugenia digital: Definição e contexto

A eugenia digital refere-se ao uso de tecnologias como IA e edição genética para selecionar ou modificar características genéticas humanas, seja para prevenir doenças, aprimorar traços físicos ou cognitivos, ou até mesmo para fins discriminatórios. Essa prática levanta preocupações éticas significativas, especialmente em relação à autonomia individual, à justiça social e à privacidade.

Segundo o filósofo Michael Sandel, em The Case against Perfection (2007), a eugenia digital pode levar a uma sociedade onde a desigualdade é amplificada, com indivíduos geneticamente “melhorados” tendo vantagens injustas sobre aqueles que não têm acesso a essas tecnologias2.

Riscos éticos e jurídicos da eugenia digital

O uso de IA para prever e manipular características genéticas apresenta diversos riscos éticos e jurídicos:

  • Discriminação genética: A previsão de características genéticas pode ser usada para discriminar indivíduos com base em sua predisposição a doenças ou traços físicos. Em 2021, um caso nos Estados Unidos trouxe à tona a questão da discriminação genética no local de trabalho, onde um funcionário foi demitido após a empresa descobrir, por meio de testes genéticos, que ele tinha uma predisposição a uma doença degenerativa3.
  • Violação da privacidade: A coleta e análise de dados genéticos por sistemas de IA representam uma ameaça significativa à privacidade. A LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil oferece uma base para a proteção de dados pessoais, mas é insuficiente para abordar a complexidade dos dados genéticos, que podem revelar informações sensíveis sobre indivíduos e suas famílias (Art. 5º, LGPD)4.
  • Autonomia e consentimento: A manipulação genética levanta questões sobre a autonomia individual e o consentimento informado. Em 2022, o caso de um casal na China que editou geneticamente embriões para resistir ao HIV gerou controvérsia internacional, destacando a necessidade de normas claras sobre o uso ético da edição genética5.

Benefícios potenciais da IA na genética

Apesar dos riscos, o uso de IA na genética também oferece benefícios significativos:

  • Medicina personalizada: A IA pode ajudar a prever doenças genéticas e desenvolver tratamentos personalizados, melhorando a eficácia dos cuidados médicos. Em 2023, um estudo publicado na Science demonstrou que algoritmos de IA podem prever o risco de câncer de mama com maior precisão do que métodos tradicionais6.
  • Prevenção de doenças: A edição genética, combinada com IA, pode prevenir doenças hereditárias, como a fibrose cística e a anemia falciforme, antes mesmo do nascimento.

Regulamentação e soluções práticas

Para mitigar os riscos da eugenia digital, é essencial desenvolver frameworks legais que promovam a transparência, a responsabilidade e a proteção dos direitos humanos. O PL 2338/23, aprovado pelo Senado, oferece uma base para a regulamentação da IA no Brasil, mas é necessário avançar na criação de normas específicas para a manipulação genética.

Como soluções práticas, propõe-se:

  • Proteção contra discriminação genética: Criar leis específicas que proíbam a discriminação com base em características genéticas, tanto no setor público quanto no privado.
  • Transparência e consentimento: Exigir que empresas e instituições de saúde obtenham consentimento informado antes de coletar ou analisar dados genéticos, garantindo que os indivíduos compreendam os riscos e benefícios envolvidos.
  • Fiscalização e responsabilização: Designar uma autoridade competente para fiscalizar o uso de IA e edição genética, com poderes para aplicar sanções em caso de violações.

Conclusão

A eugenia digital, impulsionada pela IA e pela edição genética, representa uma fronteira ética e jurídica complexa. Embora ofereça benefícios significativos, como a medicina personalizada e a prevenção de doenças, também apresenta riscos graves, como a discriminação genética e a violação da privacidade.

Como soluções práticas, propõe-se a criação de normas específicas para a proteção contra a discriminação genética, a promoção da transparência e do consentimento informado, e a designação de uma autoridade competente para fiscalizar o uso dessas tecnologias. O futuro da regulamentação da eugenia digital dependerá de nossa capacidade de equilibrar a inovação tecnológica com a proteção dos direitos humanos fundamentais.

__________

1 Nature. Risks of Algorithmic Bias in Genetic Predictions. 2023.

2 SANDEL, Michael. The Case against Perfection. Harvard University Press, 2007.

3 Caso de Discriminação Genética nos EUA. Journal of Law and Medicine, 2021.

4 BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018).

5 Caso de Edição Genética na China. International Journal of Bioethics, 2022.

6 Science. AI Predicts Breast Cancer Risk with High Accuracy. 2023.

Jamille Porto Rodrigues

Jamille Porto Rodrigues

Advogada e Professora de Direito Digital, Inteligência Artificial e Novas tecnologias aplicada ao Direito e Marketing Jurídico.

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