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Precisamos falar dos embargos de declaração. Eles são muito importantes, pois pelo art. 494, II, do CPC/15, por exemplo, podem alterar uma sentença após publicada.
Uma coisa: raramente uma decisão, sentença ou acórdão é modificada por embargos. Os que advogam, nos fóruns da vida, sabem muito bem do que eu estou falando, não é?
Porém, como melhorar essa situação dos embargos de declaração?
Pois então. Os causídicos de todo o Brasil sofrem muito.
E, pior: São opostos embargos de declaração fundamentado nas omissões, contradições e obscuridades. A “decisão” que rejeita vem em duas ou três linhas. Aí, o causídico entra com outro aclaratórios falando das omissões acerca das omissões.
Olhem a resposta:
“Nada a esclarecer. Nada a declarar. Mantenho a decisão por seus próprios fundamentos. A parte está pretendendo rediscutir a prova Os Embargos de Declaração não são a via hábil para a discussão do mérito da matéria impugnada. Não se contempla nenhuma das hipóteses de seu cabimento, insertas nos incisos do art. 1.022 do CPC/15”.
Aliás, o “nada a declarar” me remete a frase do então ministro da Justiça Armando Falcão, do governo Ernesto Geisel, quando se recusava a comentar determinados assuntos com a imprensa.
Triste. O Tribunal fica mudo e omisso. Finge prestou jurisdição. Aliás, infelizmente, à moda é “copiar e colar”. Não há o debate de argumentos. Não há contraditório substancial. Dialeticidade: A tese. Antítese. A síntese.
E o devido processo legal?
Incrível: os advogados, em regra, nunca têm razão nos embargos de declaração. Somente o “tribunal da verdade”.
Alguns magistrados, infelizmente, vêem os embargos de declaração como um chute na canela. Levam para o lado pessoal.
Ocorre que o juiz e o tribunal têm, sim, a obrigação de enfrentar os argumentos das partes, mesmo que seja para dizer que não concorda.
Contexto legal
O juízo faz cara de paisagem: ignora-se o que foi ignorado, atropelando o art. 98, IX, da CF, art.11 c/c 1022 c/c art. 489 do CPC.
Preceitua com muita clareza o art. IX do art. 93 da CF/88:
“todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.
No mesmo sentido, CPC, no art. 11, repete essa premissa constitucional:
“Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.
Examinando a regra do art. 1022 do CPC, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
III – corrigir erro material.
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489 § 1º
Importa destacar que, estabelece o art. 489, § 1º, IV, do CPC, de forma cirúrgica, que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
“não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.
Alguma dúvida?
Enfatiza, a propósito, o mestre e desembargador Alexandre Freitas Câmara1:
“Ora, se a parte apresenta diversos argumentos, e um deles é acolhido, sendo suficiente para justificar uma decisão que a favoreça, evidentemente não há para o órgão jurisdicional qualquer dever de examinar os demais argumentos, que se limitariam a confirmar a decisão proferida.
Pois é, neste, e apenas neste sentido, que se pode examinar como correta a afirmação de que o órgão julgador não está obrigado a examinar todos os argumentos da parte se já encontrou um que sustenta a sua conclusão.
(… ) De outro lado, porém, se a parte deduz vários argumentos e um deles é rejeitado impõe-se o ao órgão julgador o dever de examinar os demais fundamentos que, em tese, poderiam caso acolhidos, levar a conclusão diferente.
É que só é legitimo decidir contrariamente ao interesse de uma das partes se todos os seus argumentos forem rejeitados.”
Desculpem a repetição: o juiz tem, sim, o dever de enfrentar todos os argumentos apresentados pelas partes, ainda que discordem deles.
Além do que, as omissões dos argumentos apresentados pelas partes violam o contraditório e o sagrado direito à ampla defesa.
Logo, é de uma obviedade óbvia de que decisão omissa é nula, nos termos do art. 98, IX, da CF e 489, § 1º, IV, do CPC.
Mas, incrível: até parece que a CF é uma folha de papel e que o Novo CPC não entrou em vigor.
Por isso, é imprescindível dar efetividade ao art. 489, parágrafo 1º, IV, do CPC, e todos os seus demais incisos, garantindo que o juiz enfrente todos os argumentos deduzidos no processo, sob pena de não se considerar fundamentada a decisão, sentença ou acórdão.
Fundamentação das decisões judiciais
Fundamentar uma decisão judicial envolve explicar o porquê, e o porquê não. O que seriam questões relevantes do processo? Quais as questões que não são relevantes?
Vale dizer, a fundamentação da decisão judicial é para evitar o abuso de poder do julgador e permitir o controle da decisão a fim eventual recurso.
À vista disso, a fundamentação das decisões está intimamente ligada ao Estado democrático de Direito.
Todos sabemos da grande quantidade de processos e do direito fundamental a sua duração razoável. É fato. Mas, nada justifica a não-fundamentação das decisões judiciais.
A propósito, Ronald Dworkin2 cunhou o termo “tese do fingimento” sobre a qual os juízes decidem de acordo com suas convicções íntimas a favor do que entendem como mais adequado ao caso em exame.
Em outras palavras, o tribunal finge que discute os argumentos das partes. Decidem em face do que o direito deveria ser e não em face do que o direito é.
Misericórdia!
Aliás, o que é a “resposta adequada” no Direito? Vamos lá. Uma resposta adequada ao Direito é a que tem o DNA da Constituição e da lei.
Pois é. É um faz-de-conta de que as decisões são fundamentadas!
Decido primeiro, fundamento depois
A luta do direito sempre foi contra a arbitrariedade, o subjetivismo e discricionaridade da decisão judicial: “decido primeiro, fundamento depois”, que tem como desculpa o “livre convencimento” para negar direitos fundamentais.
Nesse sentido, chama atenção especial o voto condutor, no agravo em recurso especial 2.184.064/RJ “cabe ao magistrado decidir a questão de acordo com o seu livre convencimento”.
Livre convencimento? Como assim? Pode uma decisão ser “fundamentada” no livre convencimento?
Ora, o Novo CPC, no art.371, como se sabe, retirou a palavra “livremente”.
O art. 131, do CPC/73 dizia: O juiz apreciará livremente a prova. Pior: O STJ está aplicando o art. 131 do CPC/73. Por isso, que acredito em assombração jurídica.
Ainda está aqui o fantasma do CPC/73.
Uma adequada interpretação hermenêutica do art. 93, IX, em combinação com os requisitos do art. 489 § 1º do NCPC, aponta para direção contrária à tese dos tribunais equivocada, isto é, da não obrigatoriedade de enfrentar todos os argumentos das partes.
Decidir de acordo com o livre convencimento não é decidir conforme a Constituição e a lei.
Caso concreto
Um exemplo? Em 14/6/23, na TJ/RJ – Regional da Barra da Tijuca, o juízo de Direito “fundamentou” dizendo: Mantenho a r. decisão de ID 433284478 pelos seus próprios fundamentos.
Fantástico, não é?!
É evidente de que essa decisão é nula!
Outro exemplo? Na apelação civil 0135777-60.2015.4.02.5101, TRF-2, foi desprovido os embargos de declaração com a seguinte fundamentação:
Os exemplos são muitos. Não é um ponto fora da curva.
Conclusão
São minhas considerações para um importante debate. É necessário mudar essa triste realidade do dia a dia forense. Há uma crise no sistema judicial.
Cumpre-me aduzir, por fim, que os embargos de declaração são verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal: direito ao contraditório e à ampla defesa.
Temos que levar o direito a sério. Está escrito na lei o dever de fundamentação das decisões judiciais.
Não é favor!
Por conseguinte, é fundamental que sejam ouvidas uma pluralidades de vozes como: OAB, doutrina, STF, STJ, advogados e juízes com objetivo de reflexão e à ação, e construir uma solução à luz da Constituição e lei sobre a necessidade de mudança do sistema judicial.
Estamos diante de uma tema desafiador. Todos devem assumir. Está em jogo a justiça e democracia.
Importante: Isso do juízo não fundamentar as decisões tem de ser combatido por todos. Tem de ter fim. Os embargos de declaração devem sim ser respeitados como recurso.
Ainda está aqui o arbítrio judicial.
_________
1 CÂMARA, Alexandre Freitas, Manual de Direito Processual Civil, 2ª edição, p.69, Gen/Atlas, 2023
2 DWORKIN, Ronald. O império do direito; tradução Jefferson Luiz Camargo; revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 45-52.
Renato Otávio da Gama Ferraz
Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras