A prova emprestada e o contraditório substancial   Migalhas
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A prova emprestada e o contraditório substancial – Migalhas

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A utilização da prova produzida em outro processo é admitida expressamente pelo CPC de 2015, desde que respeitado o contraditório (art. 372).

Mesmo na vigência do CPC anterior, o STJ já admitia o emprego da prova emprestada, condicionada ao contraditório, ainda que as partes do processo originário e do processo destinatário da prova não fossem rigorosamente as mesmas: “É admissível, assegurado o contraditório, prova emprestada de processo do qual não participaram as partes do processo para o qual a prova será trasladada. A grande valia da prova emprestada reside na economia processual que proporciona, tendo em vista que se evita a repetição desnecessária da produção de prova de idêntico conteúdo. Igualmente, a economia processual decorrente da utilização da prova emprestada importa em incremento de eficiência, na medida em que garante a obtenção do mesmo resultado útil, em menor período de tempo, em consonância com a garantia constitucional da duração razoável do processo, inserida na CF pela EC 45/2004. Assim, é recomendável que a prova emprestada seja utilizada sempre que possível, desde que se mantenha hígida a garantia do contraditório. Porém, a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade sem justificativa razoável para isso. Assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, o empréstimo será válido” (Corte Especial do STJ – EREsp 617.428 – SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/6/2014).

Nessa linha é, por exemplo, o enunciado 30 da jornada de Direito Processual Civil do CJF, produzido na vigência do CPC atual: “É admissível a prova emprestada, ainda que não haja identidade de partes, nos termos do art. 372 do CPC.”

Há, porém, uma dúvida que o modelo de contraditório do CPC de 2015 impõe: o contraditório deve ocorrer no processo de origem ou no processo de destino da prova?

Comumente se afirma que o contraditório é caracterizado pela bilateralidade da audiência ou pelo binômio “informação e reação”: ciência da demanda e de todos os atos processuais e possibilidade de se manifestar sobre eles e de impugná-los.

Trata-se de uma visão estática ou formal do contraditório.

Porém, no atual estágio do pensamento jurídico, o contraditório ganhou outra dimensão, amplamente abraçada pelo CPC de 2015 (arts. 9°, 10, 493, 933, entre outros), que pode ser traduzida pelo binômio “influência e não surpresa”: poder das partes de influenciarem o resultado do processo e dever do juiz de ouvir previamente as partes a respeito dos fundamentos decisórios.

Apresenta-se aqui uma visão substancial ou dinâmica do contraditório (a respeito, consulte-se, entre outros, Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes, Alexandre Melo Franco Bahia e Flávio Quinaud Pedron).

Dito isso, penso que a admissão da prova emprestada depende da participação da parte desfavorecida pela prova no processo de origem (nesse sentido, inclusive, já decidiu o STJ : AgRg no HC 289.078/PB) – exceto se a prova não puder ser repetida -, porque o contraditório do art. 372 do CPC é o substancial (binômio influência e não surpresa), não o formal (binômio informação e reação).

Exemplifico: no processo que tem como partes “A” x “B,” a prova foi produzida com amplo contraditório em desfavor de “B”. Assim, no processo que tem como partes “C” x “B”, o “C” poderá se valer da prova emprestada contra o “B,” porque este pôde exercer o contraditório na origem; entretanto, no processo que tem como partes “A” x “C”, o “A” não poderá se valer da prova emprestada contra o “C”, porque este não teve a oportunidade de influenciar a sua produção no processo de origem.

Note que é muito diferente contraditar a prova já produzida que exercer o contraditório na produção da prova.

Imagine, por exemplo, uma prova pericial produzida num processo e levada para outro processo como prova emprestada. Uma coisa é contraditar a prova já produzida e agora documentada (contraditório formal), outra coisa é poder formular quesitos, apresentar parecer de assistente técnico e questionar o perito no processo de origem (contraditório substancial).

Portanto, não é necessário que as partes dos processos de origem e de destino sejam as mesmas para a admissão da prova emprestada, desde que a parte desfavorecida pela prova tenha participado do processo em que ela foi produzida, com a oportunidade de exercer o contraditório.

Rodrigo da Cunha Lima Freire

Rodrigo da Cunha Lima Freire

Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Professor de Direito Processual Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogado e Parecerista. youtube e Instagram @ProfRodrigoDaCunha

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