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A ação de alimentos, disciplinada pela lei 5.478/68 e pelo Código Civil, constitui-se como um dos instrumentos jurídicos mais importantes para a efetivação do direito fundamental à subsistência.
Este artigo tem como objetivo examinar a natureza dúplice dessa ação e a consequente desnecessidade de reconvenção por parte do demandado, aspecto que confere maior celeridade e efetividade ao processo.
1. Conceito e fundamentação legal
A natureza dúplice da ação de alimentos refere-se à possibilidade de um dos co-obrigados, sem necessidade de chamamento ou reconvenção, perseguir a renda, e, portanto, a contribuição do outro co-obrigado no mesmo processo.
Essa característica decorre do próprio objeto da lide, que envolve relação jurídica de co-obrigação entre os provedores e a prole comum.
O art. 226, § 5º, da CF/88 estabelece que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher“.
Já o art. 227 determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, entre outros.
Ao amparo, o art. 229, determina que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores“.
No âmbito infraconstitucional, o art. 1.568 do Código Civil impõe aos cônjuges a obrigação de concorrer, na proporção de seus bens e rendimentos, para o sustento da família.
Ademais, o art. 1.694, § 1º, do mesmo diploma estabelece que “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada“.
Ainda, o art. 1.703 que “para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos“.
Quanto a supervisão, o art. 1.583, § 5º, estabelece que “A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos“.
Já a lei 5.478/68, em seu art. 4º, prioriza a celeridade do processo ao prever procedimento especial para o manejo da ação de alimentos.
2. Natureza dúplice e seus efeitos no processo
A jurisprudência consolidada reconhece que, na ação de alimentos, ambos os genitores estão co-obrigados a responsabilidade parental de prover os alimentos a prole segundo a capacidade contributiva individual, sendo dispensado a reconvenção e/ou chamamento ao processo daquele que constou do polo passivo (requerido) em face daquele que constou como representante do polo ativo (requerente), sendo de todo necessário que a renda de ambos seja objeto de análise e parâmetro de fixação da obrigação alimentar.
Essa compreensão decorre da peculiaridade da lide alimentar, que exige solução ampla e imediata para atender às necessidades da prole.
A desnecessidade de reconvenção e/ou chamamento ao processo simplifica o procedimento, permitindo que o magistrado aprecie todas as pretensões em uma única decisão, evitando a proliferação de litígios e assegurando maior economia processual.
Ademais, repita-se, é fundamental considerar que ambos os genitores são igualmente responsáveis pelo sustento da prole.
Nesse sentido, os rendimentos do guardião, geralmente aquele que representa o alimentado, devem ser analisados no contexto do binômio necessidade-possibilidade.
Essa abordagem garante que os encargos alimentares sejam proporcionalmente distribuídos, atendendo ao princípio da igualdade material entre os genitores.
A natureza dúplice da ação permite que:
3. Posicionamento doutrinário
A doutrina também é pacífica ao reconhecer a natureza dúplice da ação de alimentos.
Carlos Roberto Gonçalves, em “Direito Civil Brasileiro – Direito de Família” (2021), enfatiza que “a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos é conjunta e proporcional aos rendimentos de cada um, não podendo recair apenas sobre aquele que não detém a guarda”.
Flávio Tartuce, em “Direito Civil – Direito de Família” (2022), ressalta que “o guardião também deve contribuir proporcionalmente para o sustento dos filhos, sendo seus rendimentos igualmente relevantes na fixação da quota alimentar do outro genitor”.
4. Entendimento jurisprudencial
TJ/SP:
Agravo de instrumento. Ação de guarda. Decisão agravada que determinou a autuação da reconvenção em separado. Ação com natureza dúplice. Pedido reconvencional que deve ser interpretado como contraposto. Precedentes do STJ. Decisão reformada. Agravo provido. (TJ/SP – Agravo de Instrumento / Guarda – 2248626-71.2019.8.26.0000, Relator: Des. Alexandre Marcondes, data de julgamento: 22/01/2020, data de publicação: 22/01/2020)
TJ/MG:
Agravos de instrumento – oferta de alimentos – natureza dúplice – reconvenção – desnecessidade – recurso não provido. A oferta a termo de alimentos em contestação amplia os limites objetivos da lide e independe de reconvenção, ante a natureza dúplice da ação. (TJ/MG – AI: 10000211499322002 MG, Relator: Luzia Divina de Paula Peixôto (JD Convocada), data de julgamento: 16/12/2021, Câmaras Cíveis / 3ª Câmara Cível, data de publicação: 17/12/2021)
5. Conclusão
A natureza dúplice da ação de alimentos e a consequente desnecessidade de reconvenção representam avanços relevantes na efetividade do processo civil brasileiro.
Além de promover economia processual, tal característica confere à lide alimentar maior celeridade e adequação às peculiaridades das relações familiares, contribuindo para a concretização do direito fundamental aos alimentos.
A natureza dúplice da ação de alimentos e a consequente desnecessidade de reconvenção representam avanços relevantes na efetividade do processo civil brasileiro.
A avaliação dos rendimentos de ambos os genitores, inclusive do guardião, reforça a justiça distributiva e assegura a aplicação equânime do princípio da solidariedade familiar.
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Direito de Família. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.557.978/DF. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, 03 de novembro de 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.
Marcelo Alves Neves
Advogado focado em conhecimento, eficiência e resultado.