CompartilharComentarSiga-nos no A A
O STJ, em recente oportunidade (REsp 2.165.529/PR, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª turma, julgado em 8/10/24, DJe de 10/10/24), julgou matéria pertinente ao direito aplicado ao agronegócio. A questão colocada sub judice diz respeito à incidência do CDC em favor do produtor rural em caso de quebra de safra decorrente de intempéries climáticas.
Nesse sentido, sopesado que o produto adquirido pelo produtor rural não é considerado como incremento à sua atividade, mas sim como proteção do seu patrimônio, o CDC deve ser utilizado em favor dele, com a consequente inversão do ônus probatório, na forma como preconiza o seu art. 6°.
Nesses dizeres, foi o voto da ministra Nancy Andrighi: “(…) no âmbito da contratação securitária, a segurada será destinatária final do seguro e, consequentemente, consumidora, quando o seguro for contratado para a proteção do seu próprio patrimônio, mesmo que vise resguardar insumos utilizados em sua atividade produtiva”.
Assim, dentro de uma análise objetiva, a questão parece bastante lógica, seja porque é inegável que o seguro agrícola não é parte integrante do processo de produção, mas tão somente serve como proteção do crédito/patrimônio em caso de perda de safra do produtor rural. Contudo, a incidência ou não do CDC para esse tipo de situação deveria ser questão completamente dispensável, já que, dentro do próprio ordenamento jurídico, há normas que convergem em favor do produtor rural inserido nesse contexto.
A título de exemplo, a própria CF/88 dispõe, no seu art. 187, inciso V, que “a política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente, o seguro agrícola”.
De igual modo, o Estatuto da Terra, no seu art. 73, inciso X, ao tratar da assistência e proteção à economia rural, alerta que, “dentro das diretrizes fixadas para a política de desenvolvimento rural, com o fim de prestar assistência social, técnica e fomentista e de estimular a produção agropecuária, de forma a que ela atenda não só ao consumo nacional, mas também à possibilidade de obtenção de excedentes exportáveis, serão mobilizados, entre outros, os seguintes meios: seguro agrícola”.
Portanto, denota-se que a própria CF/88 e normas infraconstitucionais já preveem que o seguro agrícola deve atender a uma finalidade social de proteção da atividade agrícola, e, por assim ser, consequentemente deve ser caracterizado em favor do produtor rural enquanto agente econômico.
O seguro rural atende, inclusive, aos objetivos estipulados pela ONU – Organização das Nações Unidas, no sentindo de vivenciarmos em mundo mais igualitário e sustentável, no qual a segurança alimentar e a erradicação da fome ocupam posição de destaque.
Dessa feita, a crítica ao julgamento não se opera quanto à incidência do CDC na hipótese de seguro agrícola contratado pelo produtor rural e seus reflexos dali derivados, mas sim à necessidade de a jurisprudência e as Cortes Superiores analisarem a viabilidade da proteção da atividade rural dentro de uma sistemática mais ampla e coerente, pois, como denunciado no início, o ordenamento jurídico viabiliza uma gama de normas que – em tese – deveriam tutelar a atividade agrária e, por conseguinte, o próprio produtor rural, fomentando para que o setor mais pujante do país – o agronegócio – seja visto como plano de Estado.
A crítica se estende, ainda, à necessidade dos Poderes, como um todo, enxergarem, de fato, a relevância do setor na economia do país, além do destaque também no auxílio a objetivos nobres e globais, como o combate à fome.
__________
DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE SEGURO AGRÍCOLA. NATUREZA CONSUMERISTA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE.
1. Ação de cobrança ajuizada em 9/3/2023, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 14/5/2024 e concluso ao gabinete em 5/9/2024.
2. O propósito recursal é decidir (i) se houve negativa de prestação jurisdicional; (ii) se o contrato de seguro agrícola se submete às regras do Código de Defesa do Consumidor; e (iii) se estão preenchidos os requisitos para inverter o ônus da prova.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 1.022 do CPC/15.
4. No âmbito da contratação securitária, a segurada será destinatária final do seguro e, consequentemente, consumidora, quando o seguro for contratado para a proteção do seu próprio patrimônio, mesmo que vise resguardar insumos utilizados em sua atividade produtiva.
5. O art. 6º, VIII, do CDC prevê ser um direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, quando, alternativamente, for verossímil a sua alegação ou for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
6. No recurso sob julgamento, (i) não houve negativa de prestação jurisdicional; (ii) o segurado é destinatário final, aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor; e (iii) deve ser invertido o ônus da prova, seja diante da hipossuficiência do consumidor, seja diante da verossimilhança de suas alegações.
7. Recurso conhecido e não provido. Agravo interno prejudicado. (REsp n. 2.165.529/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/10/2024, DJe de 10/10/2024.)
Marcus Vinícius Ferreira de Jesus
Advogado civilista, com ênfase em demandas envolvendo o agronegócio e direito empresarial. Possui especialização em Direito Aplicado ao Agronegócio e Direito Empresarial.
Marina Xavir M. Sobreira
Advogada tributarista, especialista em Direito Empresarial, Tributário e Agronegócio e membro da Comissão de Recuperação Judicial e Falência da 12 Subseção da OAB-SP