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Há ilegalidade na negativa de cobertura de tratamentos e procedimentos pelos planos de saúde com a justificativa de que o evento pretendido pelo beneficiário e solicitado pelo médico assistente, não se encontra no rol da ANS.
Muitos beneficiários de planos de saúde enfrentam um problema comum: ao solicitar a autorização de um procedimento, recebem a resposta de que ele “não está no rol da ANS”. Contudo, esta não é – isoladamente – uma justificativa válida e legal, entender isso pode fazer toda a diferença para garantir os direitos dos beneficiários.
O que é o rol da ANS e como ele funciona
A ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar é o órgão responsável por regular os planos de saúde no Brasil, criada pela lei 9.656/98. Uma de suas funções é editar uma lista – o chamado rol de procedimentos e eventos em saúde – que define quais tratamentos têm cobertura obrigatória.
Esta lista, entretanto, não é um limite absoluto. Ela serve como um guia para orientar os planos de saúde, mas não exclui a obrigação de custear outros tratamentos, desde que atendam a critérios legais.
Atualmente o rol de eventos em saúde encontra-se encartado na RN 465 de 24/2/211, cuja última alteração ocorreu em 19/12/24.
O rol da ANS não limita tratamentos de saúde
Durante anos, havia uma grande discussão: o rol da ANS é “taxativo” (restrito ao que está listado) ou “exemplificativo” (uma referência aberta a outras possibilidades)?
Em 2022, o Congresso Nacional trouxe uma resposta definitiva ao alterar a lei 9.656/982: o rol é exemplificativo, e os planos de saúde são obrigados a cobrir tratamentos que não estejam nele, desde que preencham critérios técnicos específicos.
A alteração, que foi determinante para esclarecer a natureza jurídica exemplificativa do rol de eventos em saúde da ANS, consistiu em acrescentar o parágrafo 13 no art. 10 da lei 9.656/98, vejamos:
§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I – exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II – existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
Essa mudança foi um marco na luta pelos direitos dos consumidores, garantindo que nenhum beneficiário fique desamparado por depender de um procedimento inovador ou ainda não incorporado à lista oficial.
Necessário ainda destacar que o aclaramento legislativo vem ao encontro do que prevê o CDC – lei 8.078/90, especificamente em seu art. 4º que impõe que a política nacional de consumo deve observar, em relação ao consumidor, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo.
Os direitos dos beneficiários estão na lei
O art. 10 da lei 9.656/98 estabelece que tratamentos fora do rol da ANS devem ser cobertos, desde que:
É importante destacar que essas condições não são cumulativas. Basta atender a uma delas para que o plano seja obrigado a autorizar o procedimento. Negar cobertura com base apenas na ausência de previsão no rol é, portanto, ilegal.
O que fazer diante de uma negativa?
Se o plano de saúde se recusar a custear um tratamento necessário, alegando que ele não está no rol da ANS, a negativa deve ser enfrentada no âmbito judicial.
O beneficiário deve obter junto ao médico assistente o relatório fundamentado do tratamento prescrito, preferencialmente com as referências técnicas na literatura médica – referências a artigos e publicações em geral que tragam o estudo positivo sobre o uso do procedimento prescrito para caso semelhantes, deve ainda ter em mãos a carta negativa emitida pela operadora, onde estará justificado o motivo de negar a cobertura do evento.
É prática unânime das operadoras de saúde a imposição de negativa de cobertura de tratamentos de saúde com a justificativa de que o evento não consta no rol, ignorando completamente a lei de regência.
Os tribunais pátrios têm aplicado estritamente a prescrição legislativa e qualquer animosidade dos planos de saúde contra a conduta legalista deve ser enfrentada em âmbito legislativo, não em apelos judiciais.
Cabe a ressalva que o STJ, em um julgamento histórico3, que envolvia a interpretação jurídica sobre a natureza do rol da ANS – antes da alteração legislativa – já havia entendido que o rol da ANS é “taxativo mitigado”, prescrevendo as hipóteses nas quais a taxatividade era relativizada.
Após a alteração da lei 9.656/98 ocorrida em 2022, a questão foi suplantada na esfera legislativa.
Portanto, a lei deve ser aplicada em benefício daqueles para quem foi criada, resgatando dignidade, restabelecendo o direito e homenageando a justiça.
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1 https://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=NDAzMw==
2 Lei nº 14.454, de 2022.
3 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/08062022-Rol-da-ANS-e-taxativo–com-possibilidades-de-cobertura-de-procedimentos-nao-previstos-na-lista.aspx
4 EREsp 1886929
5 EREsp 1889704
Jaqueline Proença Larréa
Advogada, formada pela UFMT em 2009. Atua na área do Direito da Saúde desde 2010. Sócia fundadora do escritório Larréa, Larréa & Menezes, sede em Cuiabá-MT, atuação em todo o Brasil.