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Recentemente, vivenciei uma situação que suscitou reflexões sobre liberdade de expressão, direitos do consumidor e responsabilidades jurídicas.
Enquanto jantava em um restaurante no Rio de Janeiro, observei uma conversa próxima entre uma advogada e seu cliente, proprietário de uma pousada.
O cliente se queixava de críticas publicadas na internet, alegando que prejudicavam a imagem de seu negócio.
Em resposta, a advogada afirmou, de forma categórica, que o autor das críticas havia cometido o crime de difamação, em flagrante equívoco jurídico, uma vez que tal crime só pode ter como vítima uma pessoa natural (art. 139 do CP).
A situação demonstra não apenas a necessidade de aprofundamento técnico por parte dos advogados, mas também o cuidado em abordar temas sensíveis, como os limites entre a liberdade de expressão e o abuso de direito.
Liberdade de expressão e o direito do consumidor
O art. 5º, IV, da CF/88 consagra a liberdade de expressão como direito fundamental, assegurando a todos o direito de manifestar suas opiniões.
No contexto das relações de consumo, o art. 6º, IV, do CDC reforça esse direito, permitindo ao consumidor relatar suas experiências sobre produtos e serviços, inclusive de forma crítica.
Contudo, a liberdade de expressão não é absoluta.
Quando exercida de forma abusiva ou com o intuito de causar prejuízo desproporcional, críticas podem ultrapassar o limite da legalidade, configurando ilícitos civis ou penais.
O papel do art. 937 do CPC nos casos de abuso
Ainda que não configurem difamação, críticas excessivas podem ser enquadradas em outros dispositivos legais.
O art. 937 do CPC, por exemplo, prevê a possibilidade de indenização quando houver abuso de direito, mesmo que o ato seja praticado no exercício de uma prerrogativa legítima.
Esse dispositivo reconhece que o direito, quando exercido de forma desarrazoada ou com abuso, pode acarretar danos, ensejando a responsabilidade civil.
Assim, um consumidor que ultrapasse os limites do direito de expressão – promovendo críticas infundadas, desproporcionais ou ofensivas – pode ser responsabilizado, desde que comprovado o dano à imagem ou reputação da empresa.
A importância da boa orientação jurídica
O episódio relatado evidencia o papel crucial do advogado na orientação de seus clientes.
É indispensável esclarecer que, embora a pessoa jurídica não possa ser vítima de difamação, ela pode buscar reparação por danos causados por abuso de direito ou excesso no exercício da liberdade de expressão.
Por outro lado, é fundamental respeitar o direito do consumidor de criticar produtos e serviços, desde que tais críticas sejam baseadas em fatos verdadeiros e estejam dentro dos limites da razoabilidade.
Conclusão
O caso em análise ilustra o delicado equilíbrio entre a liberdade de expressão, o direito do consumidor e a proteção à reputação de empresas.
Enquanto a liberdade de crítica é essencial para o equilíbrio das relações de consumo, excessos podem gerar consequências jurídicas, como a responsabilização prevista no art. 937 do CPC.
Cabe ao advogado atuar com discernimento e técnica, orientando seus clientes a distinguir entre o legítimo exercício de direitos e os abusos que podem ensejar responsabilidades.
Apenas com esse cuidado será possível garantir a proteção de direitos sem comprometer os pilares do Estado Democrático de Direito.
Marcelo Alves Neves
Advogado focado em conhecimento, eficiência e resultado.