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No contexto jurídico brasileiro contemporâneo, a figura da mãe solteira, assim como do pai que assume a responsabilidade pela criação do filho, tem se tornado cada vez mais prevalente. Embora o discurso do empoderamento parental tenha adquirido expressivo destaque, é imprescindível que se observe, em conformidade com os princípios constitucionais e infraconstitucionais, que a criança e o adolescente são sujeitos plenos de direitos, sendo fundamental priorizar a proteção integral de seus interesses. Nesse sentido, verifica-se que, em muitos casos, a busca pela guarda unilateral da criança, motivada por animosidade ou desacordo entre os genitores, acaba por prejudicar o direito fundamental da criança à convivência familiar, em conformidade com o disposto no art. 227 da CF/88 e ao acesso a suas necessidades essenciais, como alimentação, saúde, moradia e educação.
Pensão alimentícia: Direito da criança e não do guardião
A pensão alimentícia é, indiscutivelmente, um direito da criança e do adolescente e não do guardião que detém a guarda. Tal prerrogativa está expressamente garantida pela CF/88, que, em seu art. 227, assegura a primazia do direito da criança à convivência familiar e comunitária, bem como ao pleno acesso a condições mínimas de vida digna, que envolvem a educação, saúde, alimentação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade e respeito. Nesse contexto, a pensão alimentícia, conforme estabelecido nos arts. 1.694 e 1.695 do CC brasileiro, tem como objetivo fundamental garantir que o genitor não guardião contribua para o custeio das necessidades materiais e imateriais do filho, sendo uma obrigação legal e não um favor.
Com a constante elevação dos preços de bens essenciais e serviços, é relevante enfatizar que a pensão alimentícia não se configura como uma liberalidade, mas sim como uma obrigação legalmente estabelecida, que visa assegurar as condições mínimas necessárias à sobrevivência e ao desenvolvimento do alimentando. O STJ, em reiteradas decisões, tem reforçado que a fixação da pensão alimentícia deve ser realizada com base em um juízo de ponderação, considerando as necessidades do alimentando, as possibilidades do alimentante e os princípios da dignidade humana e da proteção integral da criança e do adolescente.
Pensão alimentícia até a maioridade: Implicações e cumprimento
A obrigação alimentar não se extingue automaticamente com a maioridade, principalmente no caso de filhos que estejam regularmente matriculados e frequentando curso de nível superior, conforme disposto no art. 1.701 do CC brasileiro. Nessa linha, a pensão alimentícia pode ser devida até a conclusão da formação profissional do alimentando, uma vez que se configura como um dever dos pais de garantir ao filho condições adequadas para o seu pleno desenvolvimento acadêmico e profissional.
A fixação do valor da pensão alimentícia, assim como sua revisão, pode ser determinada por meio da ação judicial, sendo assegurado ao genitor que não detém a guarda da criança o direito de recorrer ao Judiciário para garantir o cumprimento da obrigação alimentar. Em caso de inadimplemento, a legislação brasileira prevê a aplicação de medidas coercitivas, como o bloqueio de contas bancárias, penhora de bens e, em casos extremos, a prisão civil do devedor, conforme autoriza o art. 5º, inciso LXXVII da CF/88, que garante a celeridade na efetivação dos direitos fundamentais.
Necessidade de divulgação e ação pública
É imperativo que a sociedade, por meio dos meios de comunicação e da educação jurídica, seja amplamente informada acerca das implicações jurídicas e sociais da obrigação alimentar, bem como dos efeitos da separação dos pais na vida das crianças e adolescentes. Estudos especializados, como os realizados pelo psicólogo Sérgio Pinto, corroboram que a ausência de convivência e afeto por parte de um dos genitores tem repercussões diretas no desenvolvimento emocional e psicológico da criança, podendo resultar em danos irreparáveis se não forem adequadamente tratados. Portanto, a atuação do operador do direito é causa sine qua non para garantir que os direitos fundamentais da criança à convivência familiar e ao pleno desenvolvimento sejam efetivamente resguardados, conforme preconizado pela Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU e pela legislação infraconstitucional brasileira.
Além disso, o Estado deve implementar e reforçar políticas públicas que garantam apoio jurídico e social às famílias em situação de vulnerabilidade, assegurando o pleno exercício dos direitos das crianças e adolescentes, independentemente da classe social a que pertençam. A atuação do Estado, como intermediário entre o Judiciário e a sociedade, é de suma importância para a efetivação de uma justiça mais igualitária e acessível.
Priorizar o interesse da criança
Em síntese, é de fundamental importância que se compreenda que a pensão alimentícia não deve ser encarada como uma favorabilidade ou exceção, mas como uma necessidade jurídica imprescindível para garantir a dignidade da criança e do adolescente. As disputas parentais devem ser resolvidas com um enfoque prioritário no interesse superior do menor, evitando-se conflitos que retardem ou dificultem a efetivação dos direitos fundamentais da criança. O empoderamento parental deve, portanto, ser norteado por uma consciência crítica sobre o impacto das decisões no desenvolvimento da criança, visando a proteção integral e a garantia de um futuro digno e equilibrado para o menor.
Jurisprudência sobre o aumento de pensão alimentícia devido ao abandono afetivo
A jurisprudência dos tribunais superiores tem reconhecido a possibilidade de revisão do valor da pensão alimentícia em virtude de abandono afetivo, considerando que a negligência emocional do genitor pode prejudicar, substancialmente, o desenvolvimento psíquico e emocional da criança. O STJ tem consolidado a ideia de que a omissão no dever de convivência familiar, além de ser uma falha no cumprimento dos deveres parentais, pode justificar o aumento da pensão alimentícia, como uma forma de compensação pelos danos sofridos pela criança.
Em decisão proferida no REsp 1.202.060/SP, de 14/2/17, o STJ entendeu que o abandono afetivo deve ser levado em consideração na revisão da pensão alimentícia, já que a negligência no vínculo afetivo tem impacto direto no desenvolvimento emocional da criança, configurando-se como um elemento relevante na análise da obrigação alimentar. Nesse julgamento, a Corte destacou a necessidade de se buscar uma reparação integral, levando em conta não apenas as necessidades materiais da criança, mas também os danos afetivos causados pela ausência do genitor.
No julgamento do REsp 1.455.266/SP, de 19/9/16, o STJ também assentou a ideia de que o abandono afetivo pode justificar a revisão da pensão alimentícia, uma vez que a ausência de afeto e a falha no dever de convivência familiar são elementos que devem ser considerados, pois têm reflexos diretos no potencial do menor.
Ainda, no REsp 1.520.823/SP, de 24/10/17, o STJ reafirmou que o abandono afetivo é fator relevante na análise da pensão alimentícia, justificando, inclusive, a revisão do valor alimentício em situações em que a omissão do genitor contribui para a violação dos direitos fundamentais da criança, sendo, portanto, possível aumentar a pensão como uma forma de reparação.
Esses julgados corroboram a tese de que a reparação pelos danos afetivos, causados pelo abandono de um dos “pais/mães”, pode ser um fator determinante na fixação ou revisão do valor da pensão alimentícia, considerando a necessidade de assegurar o bem-estar integral da criança, conforme disposto nas normas infraconstitucionais e nos princípios da proteção integral do menor.
José de Ribamar da Cruz Neto
Advogado (OAB-MA 29371), Contador (CRC-MA 012900/O-3) e Jornalista (DRT-MA 1792).