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Como se sabe, a aposentadoria do servidor público é um direito subjetivo constitucional de receber na inatividade os proventos.
O objetivo é prover a sua subsistência e da sua família, quando não estiver mais exercendo cargo público.
Não se pode deixar de destacar a relevância: o direito à aposentadoria é um direito social previdenciário, após décadas de contribuição. Tem natureza jurídica de seguro social.
Por exemplo: no Estado do Rio de Janeiro o servidor contribui, mensalmente, com 14% dos seus rendimentos para previdência.
Ora, se o servidor contribuiu, é evidente que o benefício tem que ser dele. Não pode ser jamais ser subtraído pelo Estado que, aliás, seria: ilegal, imoral e inconstitucional!
Veja-se, servidor paga uma contribuição, que é obrigatória, para garantir o direito à aposentadoria e aos proventos e, ano futuro enfrentar, eventuais, dificuldades.
É um pé-de-meia.
Por isso, a ideia de previdência, vale dizer, de prever o futuro para assegurar ao aposentado e à sua família bem-estar.
Logo, por óbvio, há um grande impacto social na cassação dos proventos do servidor.
Inconstitucionalidade da cassação dos proventos
Registre, porém, e desde logo, que a cassação dos proventos da aposentadoria do servidor público é: inconstitucional.
Para que não tenha nenhuma dúvida: estamos falando da cassação dos proventos!
Por favor: não confunda com cassação da aposentadoria, de constitucionalidade duvidosa, que tem natureza diversa pela falta gravíssima, passível de demissão, cometida pelo servidor e apurada no PAD – Processo Administrativo Disciplinar.
O debate é em torno da cassação dos proventos.
Por que é inconstitucional? Porque com a modificação do regime previdenciário em face as ECs 3/93, 20/98 e 41/03, chamadas de reformas da previdência, foi alterada a natureza da aposentadoria, que antes era considerada um prêmio e financiada totalmente pelo Estado.
Porém, com as emendas citadas, houve a cobrança obrigatória de desconto previdenciário, para todos os servidores. Isto é: o sistema previdenciário passou a ser contributivo e obrigatório.
Por outras palavras, o servidor passa contribuir financeiramente, mês a mês, para o fundo a fim de no futuro ter direito à concessão do benefício.
É extremamente importante lembrar, então, que a natureza contributiva do regime previdenciário, por óbvio, constitui obstáculo à penalidade de cassação dos proventos da aposentadoria, devendo ser preservado o núcleo essencial do Direito fundamental à previdência.
Diante disso, o regime administrativo não se embaralha com o previdenciário. De fato, seria um absurdo o servidor ter cassado os seus proventos, que já vinha recebendo, após décadas de contribuição para o seu seguro social.
Isso tem nome: um verdadeiro confisco o que é vedado pela Constituição!
No mesmo sentido, de que a cassação dos proventos da aposentadoria teria natureza de confisco: Vittorio Emanuelle Orlando, Pieto Virga,Otto Mayer, Marcelo Caetano Guimarães Menegale e Ivan Barbosa Rigolin.
Em consequência, violaria o princípio da proteção à confiança, à segurança jurídica, ao direito adquirido a receber os proventos já incorporados ao seu patrimônio e o ato jurídico perfeito, em desobediência ao art. 5º, XXXVI, da CF/88.
Além do que, não se pode esquecer, que a cassação dos proventos atinge também a sobrevivência dos familiares do servidor no dia a dia, inclusive o direito à pensão em caso de morte.
Com honestidade intelectual: há, sim, uma inconstitucionalidade material na cassação dos proventos da aposentadoria.
Não me venham com discursos moralistas. Senão, com todo respeito, vai ficar parecendo que na sua faculdade não existia à matéria de Direito Constitucional.
Previdência social é um direito constitucional fundamental
Perceba-se, entretanto, que há, sim, o direito à previdência, como prevê o disposto no art. 6 º da CF/88.
Constitui direito fundamental, de 2ª geração ou dimensão, e, uma vez, implementados os pressupostos da sua aquisição, não deve jamais ser afetado pelo bel-prazer dos políticos e “juristas” de plantão.
Vedação ao retrocesso social em relação à previdência social
É preciso, então, recordar aqui que, na teoria geral dos direitos fundamentais, fala-se em vedação ao retrocesso social, onde, aliás, direitos à previdência social, à saúde e educação, podem ser ampliados, jamais suprimidos.
À vista disso, como cassar os proventos da aposentadoria contribuídos pelo servidor?
Enriquecimento ilícito da Administração Pública
Frise-se, aqui, porém que a cassação dos proventos da aposentadoria, também, constitui enriquecimento ilícito do Estado.
Ora, o servidor Tavinho passou toda a sua carreira contribuindo para, posteriormente, usufruir dos seus proventos.
Pois bem: de repente, o servidor e à sua família ficam privados de alimentos!
Quando a Administração Pública subtrai os proventos da inatividade, ocorre, sim, um verdadeiro confisco, vedado pelo ordenamento constitucional (art. 150, IV, da CF/88).
Põe-se, então, a questão de saber: e a moralidade administrativa? É interessante notar que só se fala em moralidade quando é contra o servidor.
Por fim, em relação a tese que o servidor poderia aproveitar o tempo de contribuição no RGPS – Regime Geral da Previdência Social, não deve prosperar.
É que o servidor não desconta a contribuição pelo teto do INSS. Mas, sim, pelos seus vencimentos, o que continuaria existir o enriquecimento ilícito da Administração.
O que se quer dizer com isso? Vamos lá. Explico: o servidor contribui à previdência por um valor maior e receberia como contraprestação um valor menor, causando perdas financeiras.
Fantástico: é o jeitinho inconstitucional brasileiro!
Separação entre as esferas administrativa e previdenciária
É muito frequente ouvir o argumento de que o servidor cometeu falta gravíssima e, ainda recebe os proventos. É uma questão de opinião pública. De moralidade aos olhos da sociedade.
E, por isso, há uma tendência, no imaginário popular, de confundir o direito adquirido previdenciário aos proventos com a reprovação social pela conduta administrativa.
Contudo, o que importa é que o servidor contribuiu para o sistema previdenciário e, portanto, tem direito a receber os proventos, independentemente de ter cometido infração disciplinar.
Em síntese: se o servidor contribuiu, é evidente que o benefício previdenciário tem que ser dele.
Não pode jamais ser cortado!
Todos sabemos que, no limite do limite, temos que sempre preservar o núcleo essencial do direito fundamental à previdência.
Caso concreto
Para enriquecer o debate, aqui, trago um caso em que atuei como causídico. Ocorreu o seguinte: um policial civil, do Estado do RJ, ficou preso um ano por crimes não cometidos. Foi absolvido na 1ª e 2ª instância.
Era inocente!
Através do PAD foi cassada a sua aposentadoria. A delegada relatora disse que: “salvo melhor juízo, o policial estava, à época, na quadrilha”. Salvo melhor juízo? Pode isso? Ou é má-fé, arbitrariedade ou despreparo!
Ora, a presunção de inocência atua também no processo administrativo!
Importante observar que apesar do policial de ter contribuído para previdência social por décadas seus proventos também foram cassados!
Ficou sem eira e nem beira. Em situação de pobreza. Abandonado a própria sorte. Passando necessidades.
A situação agravou. Foi acometido de um câncer. Muito triste. Era a miséria física, moral e social.
Mas, cabe perguntar: é justo o policial deixar de receber os seus proventos exatamente na hora que mais precisava, a despeito de ter contribuído à previdência?!
Porém, uma boa notícia: conseguimos, através da revisão do processo administrativo reintegrar o policial. A comissão revisora foi presidida pela delegada Tércia Amoedo Silveira, tendo como vogais os delegados Marcelo Rodrigues e Alexandre Leite que recomendaram à unanimidade tornar sem efeito o ato que cassou a aposentadoria do policial.
A Administração Policial, na gestão do então secretário de Polícia Civil, Marcus Amim, reconheceu o erro. Anulou o ato de cassação da aposentadoria com efeitos ex-tunc, isto é, desde então.
Vale, por fim, registrar que não teve caça às bruxas. Os delegados julgadores atuaram como verdadeiros juristas. Com muita técnica e imparcialidade.
Nada de salvo melhor juízo…
Dignidade da pessoa humana
Deve-se ter claro, porém, que o servidor jamais poderá ficar sem uma proteção social com a cassação dos proventos da aposentadoria. Ele tem, sim, direito à seguridade social. Tem direito um mínimo existencial, pois contribuiu a vida toda para o seguro previdenciário.
Caso contrário, será arbítrio, perversidade e crueldade do Estado: Uma maldade jurídica!
Como, na prática, o servidor idoso, às vezes, com doenças, vai fazer outro concurso e se aposentar em cargo diverso?
O que gera caráter perpétuo da penalidade administrativa.
É, pois, essencial dizer uma obviedade óbvia: a cassação dos proventos do servidor atropela, sim, o princípio fundamental da República, vale dizer, a dignidade da pessoa humana. (art. 1º, III, CF)
Conclusão
É necessário dar uma solução jurídica e justa à questão. A resposta tem que ter o DNA da CF, reforçando sempre a proteção do direito fundamental à previdência, após anos de contribuição do servidor.
É inconstitucional a cassação dos proventos da aposentadoria.
Renato Otávio da Gama Ferraz
Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras