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A decisão judicial deve ser completa, com o enfrentamento de todos os pedidos, respondendo a jurisdição como um todo, nos limites propostos pelas partes, conforme o art. 141 do CPC versa, incluindo os pedidos acessórios, como a questão de juros, correção monetária, custos do processo e honorários advocatícios.
Se a sentença, ao ser prolatada, não decidir sobre algum ponto, restará como omissa e, consequentemente, serão cabíveis recursos, tanto embargos de declaração quanto apelação, com o intuito de conseguir sanar a omissão e decidir sobre o que não foi anteriormente decidido.
No entanto, é possível que a parte não interponha o recurso sobre essa sentença e que a omissão permaneça. O que aconteceria com essa parcela não decidida? Coisa julgada? Preclusão? E se essa parcela for sobre pedidos acessórios como honorários advocatícios? Essas são questões que foram enfrentadas pela 3ª turma do STJ no julgado do REsp 2.098.934.
Se uma parcela da sentença não foi julgada e sem a impugnação recursal, anteriormente, a súmula 453 do STJ definia o assunto, ao menos sobre honorários advocatícios omissos: “os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria.”
Ou seja, havia o entendimento sumulado do STJ que o que não está na sentença, mas deveria estar, sem recurso incorreria em coisa julgada.
Um entendimento equivocado.
Sobre esse assunto, quando a citada súmula ainda era válida, Barbosa Moreira tecia críticas a este posicionamento, com a defesa clara que era possível a reiteração do que não foi julgado em nova ação, uma vez que a parcela não julgada não teve decisão, com a possibilidade de reiteração em nova ação.1
Este posicionamento doutrinário em sentido contrário ao conteúdo sumulado impactou o CPC/15, com a inserção do art. 85, § 18 do CPC quando dispõe que “caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.”
Este dispositivo foi positivado para combater exatamente essa súmula e, assim, possibilitar que a decisão que não estipula honorários advocatícios, com uma latente omissão e sem o recurso devido, não impossibilita uma ação posterior específica sobre esse ponto. Ou seja, não há coisa julgada, não ocorreu a preclusão, justamente por ser uma não decisão, o que não está decidido, não forma coisa julgada, com a possibilidade de nova ação.
Dessa maneira, a súmula 453 do STJ está superada2, com a viabilidade de estipulação de honorários advocatícios em ação posterior quando o juízo se esqueceu/omitiu na decisão e sobreveio o trânsito em julgado da decisão, ainda que sem alcançar a coisa julgada específica da parcela não julgada.
Sem o recurso e com a omissão persistente, a proposição da ação autônoma de cobrança de honorários advocatícios é possível3, tanto definida legalmente quanto pelo STJ no julgamento do REsp 2.098.934, quando a 3ª Turma enfrentou o tema.
No caso em questão, uma decisão interlocutória sem mérito não teve a condenação em honorários advocatícios e não houve recurso imediato, com a proposição de ação posterior para estipulação de honorários anteriormente omissos, o que o Tribunal de 2º grau negou, utilizando da súmula 453 do STJ, entendendo que a questão deveria ser impugnada em recurso e não em ação autônoma, declinando que a ação não seria cabível, em clara contrariedade ao art. 85, § 18 do CPC.
O entendimento construído no julgamento do STJ foi no sentido claro dessa possibilidade, dada a literalidade do art. 85, § 18 do CPC ao permitir uma ação posterior, enfrentando a matéria de modo claro para superar4 a súmula 453 e possibilitar claramente a ação de estipulação de honorários advocatícios.
Esse ponto é importante para que os advogados, em defesa de seus direitos, possam desmembrar essa discussão numa ação posterior, sem utilizar-se do recurso no processo da discussão do direito das partes, dada a autonomia do seu direito, como uma estratégia processual válida.
Nesse aspecto, a ação de estipulação de honorários melhora a divisão entre o direito material da ação principal e dos honorários advocatícios dos causídicos vencedores. É um precedente que interpretou pela primeira vez o citado dispositivo do CPC/15 e que serve de base para uma maior utilização da desta ação e desta estratégia processual.
Contudo, há somente um porém sobre a decisão, a qual versa que a súmula estaria somente parcialmente superada, dada a literalidade do art. 85, § 18 do CPC em relação a possibilidade de nova ação que verse sobre honorários advocatícios.5
Uma questão posterior, ainda não enfrentada no referido julgado, dada o recorte da matéria recursal, seria se a parcela omissa fosse sobre um pedido da ação, caberia uma ação posterior reiterada? Nesse julgado, a relatora ministra Nancy Andrighi enfrentou somente a questão omissa dos honorários advocatícios, sem enfrentar se seria o mesmo entendimento de superação caso fosse do pedido principal.
A superação deve ser vista como total, utilizando do art. 85, § 18 do CPC para qualquer pedido omisso6, porém o STJ não enfrentou especificadamente este tema, limitando-se, no referido julgado, a possibilitar a ação para a omissão de honorários advocatícios.
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1 “Nenhuma norma jurídica proíbe a reiteração do pedido não julgado. A ação em curso tem por objeto uma pretensão a cujo respeito ainda não ocorreu prestação jurisdicional de qualquer teor: nem favor da autora, nem contra ela se identifica com a declaração de improcedência.” BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Item do Pedido sobre qual não houve decisão. Possibilidade. Temas de Direito Processual – Segunda Séria. P. 241-252. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 252.
2 Diante de decisão interlocutória que determina a exclusão de litisconsorte por ilegitimidade ad causam, é devida a condenação da contraparte ao pagamento de honorários advocatícios proporcionais, podendo ser fixados em quantum inferior ao percentual mínimo previsto pelo art. 85, § 2º, do CPC/15. Julgados da Terceira (REsp n. 2.098.934/RO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 7/3/2024.)
3 O Enunciado n.º 7 do FPPC versa sobre o mesmo ponto, reiterando que é possível uma ação autônoma de honorários: “O pedido, quando omitido em decisão judicial transitada em julgado, pode ser objeto de ação autônoma.”
4 O Enunciado n.º 8 do FPPC (Fórum Permanente de Processualistas Civis) assim versa: “Fica superado o enunciado 453 da súmula do STJ após a entrada em vigor do CPC (“Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria”).”
5 Na hipótese sob julgamento, embora na vigência do CPC/15, as instâncias ordinárias rejeitaram a pretensão de arbitramento de honorários advocatícios ao recorrente por meio de ação autônoma e aplicaram a Súmula 453/STJ. Todavia, o entendimento está em desconformidade com o art. 85, § 18, do CPC/15 e com a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça. (REsp n. 2.098.934/RO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 7/3/2024.)
6 Sobre a defesa dessa superação total da Súmula 453 do STJ para qualquer pedido omisso: LEMOS, Vinicius Silva. O item omisso na sentença, a sua recorribilidade e o diálogo com a teoria da causa madura a partir de pedido específico: um estudo em homenagem ao prof. Barbosa Moreira. Revista eletrônica de direito processual, v. 23, p. 1310-1345, 2022.
Vinicius Silva Lemos
Pós-Doutor em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto UFAC. Conselheiro Federal pela OAB Rondônia. Advogado.