O arbitramento e a imunidade do ITBI sobre a integralização do capital   Migalhas
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O ITBI não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, conforme dispõe o art. 156, § 2º, I, da CF/88.

Essa regra tem gerado divergências interpretativas sobre a viabilidade de aplicar a imunidade sobre o valor do imóvel integralmente destinado à formação do capital social.

Em agosto de 2020, o STF firmou a tese de que a imunidade do ITBI “não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado” (Tema repercussão geral 796/ RE 796.376/SC).

Pela ótica do STF, “revelaria interpretação extensiva a exegese que pretendesse albergar, sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não fossem destinados à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo – como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital.”

Em tal julgado, o STF apreciou a específica hipótese em que os imóveis foram integralizados pelo valor superior ao das cotas subscritas. A parcela do valor dos imóveis que excedeu o valor nominal das cotas representou ágio e, por isso, foi contabilizada na conta de reserva de capital e não na de capital social.

Parece-nos que houve uma redução semântica do texto constitucional. Do ponto de vista societário, o imóvel incorporado ao patrimônio em “realização de capital” também representa os aportes contabilizados na conta de reserva de capital, que, assim como o capital social, integra o patrimônio líquido, tal como constou do voto vencido apresentado pelo ministro Marco Aurélio no RE 796.376/SC.1

Como essa posição não foi adotada, é necessário afastar a tentativa dos municípios de expandir a amplitude desse precedente, que tem reduzido ainda mais a eficácia da regra de imunidade.

É comum que os municípios instaurem processo de arbitramento para aferir o valor de mercado do imóvel integralizado, de modo a fazer incidir o ITBI sobre o valor que superar a parcela do capital social integralizada.

Em transações ordinárias, como a compra e venda de imóveis, os municípios têm a prerrogativa de buscar o valor de mercado do bem, conforme decidiu o STJ no Tema repetitivo 1.113. Com isso, evita-se a erosão da base de cálculo do ITBI, tributo concebido para gravar a transmissão onerosa de imóveis.

Porém, na transferência de imóveis a título de integralização de capital, os municípios não possuem margem para questionar o valor integralizado ao capital social, ainda que pelo valor histórico do bem.

Primeiro, em razão da literalidade do art. 156, § 2º, I, da CF/88, segundo a qual não devem ser tributados os imóveis “incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”.

Segundo, porque a essência do precedente do STF revela a interpretação de que “a imunidade está voltada ao valor destinado à integralização do capital social, que é feita quando os sócios quitam as quotas subscritas”, conforme consta do voto vencedor daquele acórdão (RE 796.376/SC).

Terceiro, porque a legislação Federal faculta a transferência, a título de integralização de capital, de imóveis pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado, conforme caput do art. 23 da lei 9.249/95. A coerência do ordenamento demanda a admissibilidade da integralização pelo valor histórico do bem, sem que isso desnature a imunidade do ITBI.

Quarto, porque a integralização a valor de mercado não gera prejuízo aos municípios. Afinal, nessa hipótese, o capital social é formado pelo valor de mercado de imóvel, e não há ágio a ser contabilizado na conta de reserva de capital, atraindo a imunidade constitucional, conforme precedente do STF. Se a integralização a valor de mercado não gera o ITBI, não há lógica que justifique a incidência do ITBI na hipótese de o imóvel ser integralizado pelo seu valor histórico.

Quinto, porque condicionar a imunidade do ITBI à integralização do bem pelo valor de mercado representaria ofensa aos objetivos da regra constitucional, que tem “por finalidade incentivar a livre iniciativa, estimular o empreendedorismo, promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas”, conforme consta do voto vencedor do acórdão do STF (RE 796.376/SC). A integralização pelo valor de mercado representa a antecipação da tributação do ganho de capital, conforme § 2º do art. 23 da lei 9.249/95, o que inibirá a capitalização de empresas via imóveis.

Por esses motivos, acreditamos que o precedente do STF (RE 796.376/SC) não legitima a postura dos municípios destinada a arbitrar o valor de mercado dos imóveis integralizados no capital social, diante da ofensa à regra constitucional da imunidade, o que demanda do STF o dever de enfrentar essa específica controvérsia.

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1 “O ágio na subscrição de cotas ou ações representa investimento direto em sociedade empresária, tanto quanto a integralização de capital pura e simples, devendo receber idêntico tratamento. É consagrada a noção: onde houver o mesmo fundamento, aplica-se o mesmo direito.”

Aurélio Longo Guerzoni

Aurélio Longo Guerzoni

Sócio do Guerzoni Advogados, com atuação em direito tributário desde 2008. É especialista (2013) e mestre (2020) em direito tributário pela FGV/SP.

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