Reforma tributária 6: A importância do letramento digital e cashback   Migalhas
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Reforma tributária 6: A importância do letramento digital e cashback – Migalhas

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1. Pontuações filosóficas

Uma das coisas que considero mais fantásticas nos estudos que realizamos é como o objeto tem vida própria. Chamamos isso de gnosiologia, que é a parte da filosofia do conhecimento que estuda o conhecimento humano, com foco na relação entre sujeito e objeto. Além dessa disciplina, temos também a epistemologia, que investiga as condições de produção do conhecimento, e a ontologia, ou teoria do ser, que investiga a natureza da realidade.

As experiências de mundo e o contexto impactam a forma como percebemos a realidade. Afinal, quando Pedro fala de João, sabemos mais sobre Pedro do que sobre João.

Quando estudamos qualquer objeto, devemos não somente olhá-lo pela nossa lente restrita da realidade, mas considerar meios mais profundos, conjugando a observação técnica com a necessidade de nos desdobrarmos sobre a vida das pessoas e os produtos sociais gerados. O Direito é um exercício de tentativa de moldar a realidade, mas a sociedade tem vida própria e a vivência das normas se sobrepõe à visão do legislador dessa mesma norma. O conjunto normativo que rege a vida de uma sociedade não é um objeto fora dos sujeitos, mas se forja na relação cotidiana que definirá dialogicamente aquilo que a uma sociedade precisa responder para continuar.

A reforma tributária não é nem como os redatores e teóricos conceberam nem o que os parlamentos votaram, ela será a resposta aos desafios que a sociedade vivenciará e será moldada por esses, ao mesmo tempo também a mandam. Um elemento importante para o sistema tributário que se define é a tecnologia da informação, a inteligência artificial e o letramento digital. A tecnologia, que é a base que sustenta a reforma, imporá o forjamento de novos padrões de circulação de bens e serviços e de cidadania fiscal e de interação entre o cidadão e empresa em relação ao Fisco. A primeira medida já vigente em 2025 é a obrigatoriedade da nota fiscal eletrônica.

A reforma tributária iniciada com a EC 132 (promulgada em dezembro do ano passado) conta com a tecnologia para superar dificuldades na arrecadação governamental e de redistribuição da arrecadação. O cidadão saberá quanto paga por cada serviço ou bem já que a tributação é por fora e não-cumulativa.

Além do DTE – Domicílio Tributário Eletrônico, ainda temos o split payment e o cashback. O cashback, que deverá ser utilizado para devolver impostos aos mais pobres. Esse será o primeiro conceito que debatermos, mas teremos outros relativos a relação entre tributação e tecnologia.

2. Letramento digital, bancário/financeiro e fiscal

No entanto, o Brasil ainda está muito distante do letramento básico, quanto mais do letramento digital, fiscal e bancário. Como poderão pessoas de baixa renda, sem informação, acessar esse benefício? De acordo com o Censo Demográfico de 2022, a taxa de analfabetismo no Brasil foi de 7%. Isso significa que 11,4 milhões de pessoas com 15 anos ou mais não sabiam ler nem escrever. Os dados tornam-se ainda mais alarmantes ao considerarmos o analfabetismo funcional: segundo o Pisa, menos de 50% dos alunos atingiram o nível mínimo de aprendizado em matemática e ciências.

Isso significa que, para que as pessoas tenham acesso aos bens básicos da vida, é preciso que existam instrumentos que lhes permitam esse acesso.

É muito bom saber que temos uma reforma sobre o consumo, com os melhores instrumentos de lançamento tributário, fiscalização e efetividade. No entanto, não podemos deixar de observar que esse sistema, que é superior ao usado na OCDE, será aplicado a uma população carente de letramento básico (matemática e português), digital, bancário e fiscal.

3. Cashback

Um elemento importante para viabilizar a reforma é a capacidade dos contribuintes de participar efetivamente dessa mudança. A digitalização total da reforma, com a nota fiscal eletrônica (obrigatória para todos a partir de 1º/1/25), a previsão do DTE – Domicílio Tributário Eletrônico e institutos como o cashback e split payment só são possíveis com a transição para o mundo digital.

O DTE previsto no art. 59 da LC 214/25 prevê “as informações cadastrais terão integração, sincronização, cooperação e compartilhamento obrigatório e tempestivo em ambiente nacional de dados entre as administrações tributárias federal, estaduais, distrital e municipais”.

O cashback é uma possibilidade para contribuintes de baixa renda inscritos no CadÚnico – Cadastro Único receberem a devolução dos tributos do IBS/CBS. Para isso, cada pessoa beneficiada precisa ter um DTE e uma conta bancária. Para que essa devolução seja viável, cashback funcionará da seguinte forma:

  • As famílias inscritas no CadÚnico – Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal terão direito ao cashback;
  • O cashback será calculado com base no consumo familiar;
  • O valor será devolvido por meio de um crédito ou reembolso na conta bancária do contribuinte.

Os itens que terão devolução integral de impostos são: Energia elétrica, água, esgoto, botijão de gás, contas de telefone e internet.

Os demais produtos e serviços terão devolução de 20% da CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços e do IBS – Imposto sobre Bens e Serviços. Os entes federativos (União, Estados e municípios) poderão fixar percentuais maiores de devolução para sua parcela do tributo. 

4. Por enquanto…

Nós, como profissionais, não podemos nos permitir investigar a realidade e nos manter presos a conceitos sofisticados que estejam desconectados das práticas e da vida real.

O cashback e outras vantagens somente serão possíveis se as pessoas tiverem acesso às tecnologias de informação e puderem dominar conceitos de cidadania e letramento digitais.

O sistema pensado é bonito e muito bem desenhado, mas sair do papel e chegar a vida das pessoas exige que nos aprofundemos sobre as bases que os sustentam.

Talvez veja esses temas a partir da realidade do nordeste, porque não vemos o mundo como é, mas como somos. E vejo na realidade multifacetada em que estou inserida alguns percalços para se concretizar a cidadania fiscal.

Rosa Freitas

Rosa Freitas

Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.

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