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Recentemente conclui uma pós em Transição Energética e Novos Negócios pela PUC-PR. Saindo da zona de conforto, quis aprender sobre um tema que é fundamental para o debate nacional e a transição energética.
Assim, quando as recentes quedas de energia atingiram muitos consumidores revi algumas questões.
O Brasil tem uma gigantesca malha energética conectada, mas a falta de manutenção e investimentos nos leva a situação atual.
Energia elétrica e malha energética velha: Captura do setor regulado, falta de investimentos e falência do modelo de concessão.
O Brasil possui um dos maiores sistemas de transmissão de energia elétrica do planeta. Praticamente todo o território nacional está interligado pelo ONS – Operador Nacional do Sistema.
Esse sistema não foi viabilizado por investimentos privados, mas sim por um extenso e significativo investimento público, que remonta à década de 1940.
A partir do ressurgimento do liberalismo econômico, ou neoliberalismo, ocorreu a privatização da rede de transmissão e a estruturação de um complexo e abrangente modelo de leilões de energia. A primeira empresa pública de eletricidade do Brasil foi a CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, criada em 1948. A CHESF aproveitava o potencial hidrelétrico da cachoeira de Paulo Afonso, no rio São Francisco, para fornecer energia ao Nordeste.
Já a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu começou em 1975 e foi concluída em 1984, sendo inaugurada em 5/5/84. A Itaipu Binacional é a maior hidrelétrica do mundo em geração de energia acumulada. No entanto, em capacidade de geração, ocupa o terceiro lugar no ranking mundial.
A partir da década de 1990, e principalmente no século XXI, o uso de eletrodomésticos e a eletrificação se tornaram cada vez mais exigentes. Para a próxima década, projeta-se também o aumento do uso de eletricidade para alimentar carros elétricos. Mas como atender a essa demanda em um sistema tão vasto? Essa é a questão mais urgente.
Em um estudo publicado pelo IPEA em 2008, já se fazia um alerta. Segundo os pesquisadores do IPEA, o estudo apresenta dois cenários no contexto do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, que abrange o período de 2007 a 2010. Um dos cenários considera um crescimento do PIB de 4,8% em 2007 e 5% nos anos subsequentes. Com uma elasticidade-renda da demanda estimada em 1,3, projeta-se que a demanda cresceria a 6,5% ao ano. Como a capacidade instalada é de 100 mil megawatts (MW) no Brasil, isso significa um aumento de 6,5 mil MW na demanda por ano, totalizando 26 mil MW ao longo de quatro anos. Todos os investimentos previstos no PAC, com previsão de entrar em operação entre 2007 e 2010, somam um crescimento da oferta de apenas 12,4 mil MW. Assim, com a demanda crescendo 26 mil MW até 2010 e a oferta crescendo 12,4 mil MW, a diferença seria de 13,6 mil MW.
Começamos a perceber que essa discrepância entre oferta e procura, além da falta de investimentos na substituição de cabeamentos e postes que estão operando desde a década de 1980, resulta no que estamos vivenciando atualmente: Quedas de energia e apagões.
Em uma audiência pública realizada recentemente (13/12/24) na Câmara dos Deputados, as empresas concessionárias foram questionadas sobre os investimentos na renovação da malha de fios. O deputado Marangoni (União-SP), um dos proponentes do debate, minimizou os anúncios feitos pelas concessionárias. “Esses investimentos já deveriam ter sido realizados, e a população de São Paulo não teria ficado cinco, sete dias sem energia”, criticou.
Em outubro, cerca de 3,1 milhões de clientes da Enel na Grande São Paulo foram afetados pela queda de energia elétrica após um temporal. Para alguns, a falta de luz e os prejuízos duraram dias. No Rio de Janeiro, os incidentes ocorreram em menor magnitude.
“Ninguém vive sem energia; temos plena noção do transtorno causado aos clientes”, afirmou Guilherme Lencastre. “Estamos melhorando. Não significa que estamos satisfeitos”, continuou o executivo. “Precisamos fazer mais? Sim.” (Fonte: Agência Câmara de Notícias)
A partir da definição desse cenário, conseguimos entender os impactos das privatizações. Toda empresa privada precisa gerar lucro para seus acionistas e, muitas vezes, para alcançar esse objetivo, é necessário reduzir custos e investimentos.
Um dos pontos que devemos analisar é como isso prejudica os consumidores e compromete a transição energética.
Em outra audiência recente (17/10/24), o engenheiro eletricista Ikaro Chaves afirmou que a deterioração da qualidade na prestação de serviços de distribuição de energia elétrica, como observada em São Paulo, evidencia a falência do modelo do setor elétrico brasileiro, que se baseia na privatização e na regulação estatal.
“Ano que vem, completamos 30 anos desde que a primeira distribuidora foi privatizada, a do Espírito Santo. Esse tempo é suficiente para fazermos uma avaliação desse modelo e verificarmos se deu certo ou não. E eu acho que está mais do que provado que ele não tem funcionado”, destacou Chaves.
Recentemente, terminei a pós-graduação em Transição Energética e Novos Negócios pela PUC-PR, o que me permitiu me aprofundar no tema. Como egressa do doutorado em Direito da UFPE, e tendo cursado a disciplina ministrada na época pelo professor Francisco Queiroz sobre agências reguladoras, pude compreender que muitas das regulações em setores econômicos são frequentemente prejudicadas pela privatização, e que há, de fato, uma significativa captura econômica do setor regulado.
Constantemente ouvimos nos noticiários ou enfrentamos prejuízos devido a quedas de energia ou instabilidades nas linhas de transmissão envelhecidas.
As causas dessas quedas não são claramente explicadas aos consumidores: A energia cai porque a malha não acompanhou o crescimento do consumo, e as empresas concessionárias precisam distribuir rendimentos entre acionistas e investidores.
O desenvolvimento econômico do país e a transição energética exigem que governantes e a sociedade debatam maneiras de solucionar esse problema.
Considero que auditorias nos contratos de concessão devem ser realizadas pelos órgãos competentes e que a sociedade civil exija, com clareza, informações e responsabilidades pelos prejuízos causados à coletividade.
Rosa Maria Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.
