Simonetti e o segundo tempo   Migalhas
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Simonetti e o segundo tempo – Migalhas

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Disse certa vez o escritor C. S. Lewis que a “simples mudança não é sinônimo de crescimento. Crescimento é a síntese de mudança mais continuidade, e onde não há continuidade, não há crescimento”.

A frase do autor britânico esquadrinha talvez com rara precisão reflexiva, arrisco dizer que igualmente sem o pendor da arrogância, o personagem consequencial e o líder determinado e construtor de pontes de diálogo que é o amazonense Beto Simonetti, Presidente reeleito em chapa única para o comando da OAB.

Antes que se maldiga sobre o instituto da reeleição, como que tende a produzir líderes acomodados, vale o exame de lupa sobre a qualidade do histórico desse líder classista em particular, no contexto dinâmico em que se situa e dos desafios que tem enfrentado.

De saída, parece-me significativo lembrar que, ao redor do mundo, não há país desenvolvido que proíba a reeleição dos seus políticos. O que sinaliza que os problemas reais em um cenário de reforma política não estão exatamente no instituto em comento.

O mérito da fórmula, para os seus estudiosos, consiste em permitir a seleção dos melhores nomes para um determinado cargo. A performance passada ajuda a ter uma ideia de como deverá ser o desempenho futuro. E mais: a possibilidade amplifica o planejamento do gestor. A principal crítica é a de que os políticos incumbentes dispõem da máquina a seu favor, o que tornaria a concorrência desleal.

Não é o bastante para dizimar do mapa o mecanismo. Prefiro concordar que, quando os cidadãos têm acesso à informação adequada sobre os gastos públicos e a qualidade dos serviços estatais, torna-se mais difícil para quem está no poder sucumbir à  manipulação das percepções alheias.

À luz de tal premissa, voltando à realidade da OAB, dentro da consumada reeleição do seu hoje batonier, chego inevitavelmente à conclusão, com esteio em resultados objetivos, de que é absolutamente legítimo um segundo tempo para o Presidente Beto Simonetti.

Exemplifico. No seu primeiro tempo, e só no ano de 2023, Simonetti viabilizou avanços jurisprudenciais notáveis, como quando o STF decidiu que a OAB não é obrigada a prestar contas ao TCU. Em que pese aquele órgão auxiliar do Legislativo haja julgado de outra maneira, a Ordem não arrecada tributos, nem aufere verbas orçamentárias. Ademais, inserem-se na gênese da entidade as características da independência e da autonomia, o que se diluiria no ar se submetida viesse a ser ao TC. Simonetti deu voz e rosto perante a Corte Excelsa aos esforços para a construção desse convencimento acima de tudo justo.

Foi ainda no primeiro tempo de Simonetti que entraram em vigor regras de superlativo relevo (mas por alguns vistas como retrocesso oportunista e até como “cota masculina”) que determinam a composição de ao menos 50% de mulheres e de 30% de negros (pretos ou pardos) em todas as instâncias decisórias da entidade e nas suas chapas.

Paridade (= equidade) e ação afirmativa inclusiva (= resgate de dívida ancestral), dentro das singularidades que definem a Casa da Cidadania. Parâmetro copiado em todos, todos sem exceção, os certames internos da Ordem, como nas listas sêxtuplas, certo que a entidade se autogoverna (e não por meio de hipotético controle externo do Poder Público). A primeira diretoria liderada por Simonetti foi a estreante desse novo modelo.

Também sob a liderança do Presidente Beto Simonetti, foi articulada a bem sucedida aprovação da lei 14.365, maior conjunto de atualizações no Estatuto da OAB desde a sua sanção, em 1994, fortalecendo a inviolabilidade dos escritórios e o sigilo das comunicações profissionais. Foi apresentada ao Congresso uma PEC objetivando à inclusão da garantia da sustentação oral. Foi conquistado o direito ao cálculo correto dos honorários.

Foi iniciado um movimento em defesa dos Projetos de Lei 212/24 e 5.154/23 (aquele, a tipificar o homicídio qualificado contra advogados; este, a prever medidas protetivas aos advogados ameaçados ou vítimas de violência e coerção). A autoridade moral da advocacia, via Simonetti, também se ergueu contra aumentos exorbitantes de custas judiciais. Não ser subserviente, no entanto, não é o mesmo que ser beligerante.

Com muita honra, trago comigo no coração duas portarias assinadas pelo Presidente, inclusive para o inédito cargo de Consultor do seu Gabinete. A outra portaria me reconduziu à condição de membro da CNDRD – Comissão de Defesa da República e da Democracia, onde fui liderado pelo farol Aldo Arantes. Foi ainda das mãos de Simonetti – à época Secretário Geral do Conselho Federal – que recebi o diploma de Conselheiro Federal em 2021. Nossos caminhos, portanto, se cruzaram há um bom tempo e nunca mais deixaram de estar entrelaçados. Alegria minha.

Por isso faço votos de sucesso, Presidente Simonetti. Que V. Exa. siga fiel à cartilha dos maiores estadistas da nossa Ordem e da história, inspirado nos paradigmas éticos de seus antecessores, agarrado à máxima de Luther King: “Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito”. Boa sorte.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire

Advogado, ex-Conselheiro Federal da OAB. Conselheiro Decano da OAB/PE. Consultor da Presidência do CF/OAB. Membro da Comissão Nacional de Defesa da República e da Democracia.

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