Lei de cotas: Um passo para inclusão ou oportunidade mal aproveitada?   Migalhas
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Lei de cotas: Um passo para inclusão ou oportunidade mal aproveitada? – Migalhas

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A lei 12.711/12, mais conhecida como lei de cotas, representou uma das iniciativas mais ousadas no cenário educacional brasileiro, no que se refere ao acesso à educação superior para pessoas de diferentes origens sociais e étnicas. No entanto, para muitas pessoas com deficiência, a lei ainda não representa a inclusão efetiva que o Brasil tanto almeja. Esse artigo se debruça sobre a implementação da lei de cotas, analisando suas falhas, sucessos e as implicações dessa legislação no direito de acesso à educação para pessoas com deficiência.

A lei de cotas e sua transformação no cenário da educação brasileira

Desde a sua promulgação, a lei de cotas garantiu que 50% das vagas por curso e turno nas universidades públicas Federais fossem destinadas a alunos que concluíram integralmente o ensino médio em escolas públicas. Esta medida visava promover a inclusão de alunos de baixa renda, negros, pardos e indígenas no ensino superior. Contudo, ao longo dos anos, o escopo dessa lei tem sido questionado, especialmente quanto à inclusão das pessoas com deficiência, um grupo historicamente marginalizado.

O Direito à Educação é um pilar fundamental para a igualdade social. A CF/88, em seu art. 205, estabelece que a educação deve ser “um direito de todos e um dever do Estado”, mas, ainda assim, esse direito é negado a muitas pessoas com deficiência, principalmente por barreiras estruturais, atitudinais e, muitas vezes, invisíveis. As pessoas com deficiência continuam sendo excluídas dos programas de cotas, não apenas nas universidades, mas também nas empresas, na sociedade como um todo.

A inclusão das pessoas com deficiência na lei de cotas: Desafios e conquistas

Em um país onde a desigualdade social e educacional é palpável, a lei de cotas foi um avanço significativo, mas a sua aplicação para as pessoas com deficiência tem sido tímida e negligenciada. Se, por um lado, a inclusão no ambiente educacional para pessoas com deficiência ganhou visibilidade, por outro, a ausência de uma adequação real às necessidades desse público é evidente.

Desafios principais

  • Falta de acessibilidade nos ambientes acadêmicos: A infraestrutura das universidades públicas e privadas, em sua maioria, não está adaptada para garantir a plena participação de estudantes com deficiência.
  • Ausência de suporte acadêmico: A falta de profissionais qualificados para apoiar os alunos com deficiência, como tradutores e intérpretes de Libras, ou softwares assistivos, ainda é um desafio.
  • A falta de sensibilização: Muitas instituições de ensino ainda possuem uma mentalidade excludente e não estão preparadas para lidar com a diversidade.

A própria lei de cotas não menciona explicitamente a destinação de cotas para pessoas com deficiência, o que faz com que essas pessoas sejam tratadas de maneira ambígua, competindo em igualdade de condições com alunos sem deficiência. Em um país com desigualdades tão profundas, isso representa uma falha na aplicação de uma política pública que deveria ser inclusiva.

Cotas em concursos públicos e vagas de emprego: Inclusão além da educação

O direito das pessoas com deficiência à participação plena na sociedade vai muito além da educação superior. A inclusão no mercado de trabalho, tanto em empresas públicas quanto privadas, é um desafio que persiste, apesar das diversas legislações que asseguram a reserva de vagas para esse público.

1. Cotas em concursos públicos

A lei 8.112/90, que rege os concursos públicos para cargos no serviço público Federal, já prevê a reserva de vagas para pessoas com deficiência. A legislação determina que, em concursos públicos, sejam reservados 5% das vagas para candidatos com deficiência, desde que a deficiência não seja incompatível com as funções do cargo. Entretanto, a implementação efetiva dessa medida enfrenta obstáculos, como a falta de adaptação nos ambientes de trabalho e o preconceito social ainda presente em diversas esferas da Administração Pública.

Apesar de garantir essas vagas, muitos concursos não oferecem a infraestrutura necessária para permitir que os candidatos com deficiência participem de maneira plena. Além disso, o processo de seleção não é sempre sensível às necessidades desse público, o que pode resultar em uma marginalização das pessoas com deficiência nas carreiras públicas.

2. Cotas no mercado privado de trabalho

No mercado privado, a lei 8.213/91, também conhecida como a lei de cotas para pessoas com deficiência, exige que empresas com 100 ou mais empregados reservem uma porcentagem de suas vagas para pessoas com deficiência. A cota varia de 2% a 5%, dependendo do tamanho da empresa. No entanto, essa legislação tem sido alvo de críticas por sua baixa efetividade. Muitas empresas ainda buscam maneiras de driblar as cotas, empregando pessoas com deficiência em cargos de baixo escalão ou contratando-os de maneira temporária, sem garantir uma verdadeira inclusão.

Desafios persistentes

  • Adaptação dos locais de trabalho: Muitas empresas não oferecem adaptações adequadas para pessoas com deficiência, como mobiliário adequado, tecnologias assistivas ou ambientes acessíveis.
  • Estigma e preconceito: A falta de sensibilização nas empresas pode levar ao estigma, com profissionais com deficiência sendo vistos como menos capacitados, o que prejudica seu desempenho e crescimento profissional.
  • Falta de investimento em capacitação: O simples cumprimento da cota não garante que a pessoa com deficiência seja efetivamente integrada ao mercado de trabalho. Capacitação profissional, desenvolvimento de habilidades e acompanhamento contínuo são essenciais.

O papel do Estado e da sociedade na implementação eficaz da inclusão

O Estado tem a responsabilidade de garantir que todos os cidadãos, independentemente de suas condições físicas ou mentais, tenham acesso aos direitos fundamentais, como a educação e o emprego. Para que a lei de cotas realmente se efetive para as pessoas com deficiência, é imprescindível que haja uma revisão dessa legislação, com a implementação de reservas específicas de vagas nas universidades, concursos públicos e no mercado de trabalho, adequação de ambientes e acessibilidade, além de um acompanhamento contínuo do processo de inclusão.

Por outro lado, a sociedade civil também precisa fazer a sua parte. O papel dos educadores, gestores acadêmicos e empresários é crucial para sensibilizar e engajar na mudança cultural necessária para a verdadeira inclusão. Como afirma Alexandre Carvalho Baroni, educador social e presidente do CONADE – Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, “A inclusão não é apenas uma questão de acessibilidade física, mas de atitude e compreensão das barreiras sociais que as pessoas com deficiência enfrentam”.

Um desafio a ser superado com compromisso coletivo

O que se espera da lei de cotas, e da própria sociedade, é que o direito à educação e ao trabalho inclusivo deixe de ser uma utopia e se transforme em uma realidade para as pessoas com deficiência. Como apontado por Alexandre Carvalho Baroni, “A verdadeira inclusão só ocorrerá quando a sociedade, de forma ampla, entender que a deficiência não é um fator limitante, mas uma oportunidade de aprendizado coletivo”.

As revistas jurídicas, como a Revista Migalhas, têm o papel de não apenas divulgar, mas também construir um espaço de debate sobre essas questões. Publicar conteúdos que falem da inclusão, da acessibilidade e da defesa dos direitos das pessoas com deficiência, com a seriedade e a profundidade que o tema exige, é um compromisso com a justiça social.

Portanto, é hora de fazermos uma reflexão profunda sobre o papel da lei de cotas na educação superior, concursos públicos e mercado de trabalho. A exclusão das pessoas com deficiência não pode ser mais tolerada em uma sociedade que se diz democrática e inclusiva. O caminho para a transformação está nas mãos de todos nós. Não podemos deixar que a lei de cotas, no seu formato atual, se torne apenas uma promessa não cumprida.

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1 Lei nº 12.711/2012 – Lei de Cotas

2 Lei nº 8.112/1990 – Lei de Cotas para Concursos Públicos

3 Lei nº 8.213/1991 – Lei de Cotas para o Mercado de Trabalho

4 CONADE (2006-2008). Alexandre Carvalho Baroni, Presidente.

5 Figueiredo, S. (2021). Inclusão e Acessibilidade: Avanços e Desafios no Brasil. São Paulo: Editora Jurídica.

6  Constituição Federal Brasileira de 1988.

Karol Pereira

Karol Pereira

Bacharel em Direito pela Fametro-Manaus, atualmente cursando pós-graduação em Privacidade e Proteção de Dados pela Damásio Educacional. Membro da Academia de Letras-ALCAMA cadeira permanente 167

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