O sagrado direito do advogado à sustentação oral   Migalhas
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O sagrado direito do advogado à sustentação oral – Migalhas

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O CNJ virou legislador. Como assim? Inventou um novo CPC, com a resolução 591, a qual atribui ao relator, no tribunal, o poder discricionário de manter o processo no plenário virtual.

Pois bem. Mas eu e você, leitor, e as pedras da rua sabemos que o CNJ não pode legislar. Somente regulamentar. Senão, vai usurpar, sim, uma competência que não é sua.

O CNJ é muito importante. Mas, não é dono do mundo. Tem que causar as sandálias da humildade.

Vejamos os arts. 2º e 9º, da resolução 591:  

“Todos os processos jurisdicionais e administrativos em trâmite em órgãos colegiados poderão, a critério do relator, ser submetidos a julgamento eletrônico”

“Nas hipóteses de cabimento de sustentação oral, fica facultado aos advogados e demais habilitados nos autos encaminhar as respectivas sustentações por meio eletrônico após a publicação da pauta e até 48 (quarenta e oito) horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual ou prazo inferior que venha a ser definido em ato da Presidência do Tribunal.”

A resolução começa com o “famoso” considerando que a celeridade e a eficiência no trâmite processual são fundamentais para a efetividade da Justiça.   

Ora, a pretexto de celeridade não pode jamais atropelar direitos constitucionais

Só faltou dizer: considerando que a sustentação oral ou por videoconferência atrapalha a celeridade e eficiência do processo… O devido processo legal não pode ser relativizado sob desculpa de celeridade.

O nome disso é: arbítrio judicial! Compromete, sim, o exercício da advocacia. Incrível: o Direito é o que o CNJ acha que é. A CF e as leis não valem.

Vale lembrar que o advogado é uma figura central no sistema judiciário. 

O relator será o César, Imperador?

Fica bem claro que pela resolução 591, nos termos do art. 2º, dá ao relator todos os poderes de decidir se o julgamento será no plenário presencial ou virtual.

Aí que mora o perigo: O inferno está cheio de boas intenções…

É muito poder discricionário, não é? Aliás, a discricionariedade à brasileira é sinônimo de arbitrariedade!

O notável professor Gustavo Binenbojm1, titular de Direito Administrativo da Uerj – Universidade do Estado do Rio de Janeiro ensina que:

“A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos 16 a 18, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto. Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que se confundia-se integralmente com a administração pública, a sintonia entre discricionariedade e arbitrariedade era total.”

Pois é. A discricionariedade já nasce com o DNA da arbitrariedade. O Direito vem para confrontar o arbítrio!

Pergunta de um milhão de dólares: a quem recorrer da decisão do relator que negar a sustentação oral presencial?

O plenário virtual é um faz-de-conta

No plenário virtual, a sustentação oral será feita por gravação de vídeo. É uma faz-de-conta. Uma ficção. Vídeo gravado não é sustentação oral! Não, mesmo! É só para fingir que está respeitando as prerrogativas da advocacia.

Há, sim, uma diferença astronômica a realização de uma sustentação oral na presença física do magistrado ou de todos os julgadores.

A sustentação oral presencial é olho no olho com o julgador permitindo, por óbvio, possibilidade de correção de alguma questão.

Não obstante, a resolução acaba com interação direta entre causídico e julgador; o que é imprescindível na dialética processual a fim de fazer o convencimento da tese.

Porém, meu vizinho Tavinho acredita em tudo que os tribunais falam. Aliás, diz que dois meses de férias é pouco para os magistrados. 

Ele acha que os juízes, desembargadores e ministros vão, atentamente, ver a “sustentação oral” gravada.

Só Jesus na causa

O advogado tem de rezar para o “robô magistrado” observar a sua sustentação oral gravada.

A propósito, reza a lenda de que nos cartórios de Pindorama, mais de 90% dos despachos, decisões, sentenças e acórdãos são feitos pelos estagiários e assessores, e que, inclusive, existe conclusão minutada.

É que, somente, quando é caso de grande repercussão é que há a atuação direta dos juízes.

Será verdade?

Além de tudo, a votação por “sessão virtual” tem uma “pegadinha”. Explico: Só os espíritos sabem o que está ocorrendo. Não há participação do advogado e das partes. 

Ou seja, não existe a sagrada sustentação oral presencial ou por videoconferência! 

Tudo isso, é uma forma, sim, de calar a voz da advocacia! Esse é o mundo real, duro e cruel para os causídicos!

Ora, um filósofo já disse: cada um no seu quadrado. Assim, como as prerrogativas da magistratura têm que ser preservadas. As prerrogativas da Advocacia, é claro, também!

Funciona, desse jeito, no Estado democrático de Direito!

É impressionante como questão fundamental sobre o devido processo legal continua sendo violado. Estamos discutindo o óbvio. Que retrocesso!

Que tempos virtuais

A sustentação oral é virtual. A amizade e namoro são virtuais. O beijo e o abraço são virtuais. As oligarquias tecnológicas, hoje, dominam e controlam todo esse processo.

São os bilionários: Elon Musk (Tesla), Mark Zuckerberg (Meta) Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google), Tim Cook (Apple) e Sam Altman (OpenAI).

Pior: ainda querem ensinar aos Estados nacionais o que seja liberdade de expressão. Na verdade, com isso há uma expansão territorial virtual. Perda da soberania.                  

Não se pode ser contra determinados aspectos da tecnologia da Terceira Revolução Industrial ou Revolução Técnico-Cientifica Informacional.

O problema é que a tecnologia não entende de humanos. De direitos fundamentais. De direito à ampla defesa. Devido processo legal..

Em consequência, querer a robotização da Justiça sob o pretexto de celeridade vai, sim, acabar gerando injustiça. Por sinal, já está ocasionando…

Mas, o que importa para os tribunais é a estatística…

Se não precisa de sustentação oral presencial, também não precisa de juiz, não é?

Deixa que o robô magistrado faça tudo!

Vem da Grécia, a frase atribuída ao filósofo Sócrates: Há quatro características que um juiz deve possuir: escutar com cortesia, responder sabiamente, ponderar com prudência e decidir.

Contexto legal: O que diz a CF, o CPC/15 e Estatuto da Advocacia

O advogado é indispensável à administração da justiça (art.133, CF). É de uma obviedade óbvia de que resolução, sim, debilita a advocacia como função essencial à justiça.

Ou só é essencial o Ministério Público, Advocacia Pública e Defensoria Pública?

Na verdade, sem advogado não há justiça! Será uma farsa. Um teatro.

Dispõe o art. 937 do CPC/15 que na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente e ao recorrido, (…) pelo prazo improrrogável de 15 minutos para cada um, a fim de apresentarem suas razões.

É isso mesmo que você está lendo. Na dúvida, pode ler de novo…

Por outras palavras, há o sagrado direito à sustentação oral presencial. Além do que, o Estatuto da Advocacia, prevê no art. 7, X e XII, que:

usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, órgão de deliberação coletiva da administração pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão”     

falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo”

Com efeito, substituir a sustentação oral presencial por um modelo assíncrono, vale dizer, não acontece ou não se efetiva ao mesmo tempo, enfraquece o contraditório e o direito à ampla defesa, que não é apenas formal, mas material. 

Logo, restringir o direito de sustentar um recurso oralmente é violar frontalmente prerrogativa da advocacia.

Da inconstitucionalidade da resolução 591 do CNJ

A resolução 591/24 do CNJ atropelou os seus limites ao criar regras que afetam direitos fundamentais de 212,6 milhões de brasileiros como: a ampla defesa e o devido processo legal.

Pois então. É atribuição do CNJ o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, consoante art. 103-B, da CF:

“Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura”.

Ao querer que os julgamentos sejam virtuais, com sustentação oral gravada, o CNJ não apenas viola princípios constitucionais, mas também exerce uma função que não lhe cabe – legislar.

Logo, não há dúvidas de que a resolução 591 do CNJ é inconstitucional.

Conclusão

Causídicos, uni-vos! Somos mais de 1 milhão entre advogadas e advogados. Faço um convite à resistência. Uma chamada à ação.

Querem calar a nossa voz! É um absurdo o CNJ que tem funções administrativas meter a colher nas prerrogativas da advocacia. Regulamentar não é legislar!

Temos, sim, o direito à sustentação oral presencial! Exigimos respeito as prerrogativas da advocacia!

___________

1 BINENBOJM, Gustavo, Uma Teoria do Direito Administrativo (Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização, 2014, 3ª ed. p.207).

Renato Ferraz

Renato Ferraz

Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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