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A 6ª turma do STJ determinou, por unanimidade, o trancamento de ação penal que imputava o crime de injúria racial contra homem branco. Os ministros entenderam que a conduta era atípica, pois a legislação tem como objetivo a proteção de grupos historicamente discriminados, afastando a possibilidade de reconhecimento do chamado “racismo reverso”.
O caso
O processo teve origem em uma queixa-crime apresentada por um homem branco contra um homem negro, que o teria ofendido por meio de mensagens de WhatsApp, chamando-o de “escravista, cabeça branca europeia”, entre outros termos.
O Ministério Público de Alagoas ofereceu denúncia pelo crime de injúria racial, com base no artigo 140, §3º, do CP, que tipifica a ofensa contra alguém em razão de raça, cor, etnia, religião ou origem.
A defesa do acusado impetrou habeas corpus no STJ, sustentando que a legislação brasileira não reconhece a figura do racismo reverso e que a imputação da injúria qualificada seria indevida.
Os advogados alegaram que a proteção conferida pelo crime de injúria racial tem um contexto histórico e social que não se aplica a pessoas brancas, argumento acolhido pelo Tribunal.
Entendimento do STJ
O relator do caso, ministro Og Fernandes, destacou que a injúria racial, conforme tipificada no artigo 2º-A da lei 7.716/89, deve ser interpretada considerando o contexto histórico e social da discriminação racial.
Segundo o relator, “embora não haja margem a dúvida sobre o limite interpretativo da norma, é necessário reforço argumentativo para rechaçar qualquer concepção tendente a conceber a existência do denominado racismo reverso”.
O ministro explicou o conceito de racismo e o contexto histórico, reforçando seu enraizamento cultural desde a colonização.
Og Fernandes ressaltou ainda que o Brasil incorporou a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial em 1969, estabelecendo diretrizes para o combate efetivo ao racismo.
De acordo com o ministro, a legislação de combate à discriminação racial tem como foco a proteção de grupos historicamente marginalizados e que foram sistematicamente excluídos dos espaços de poder e dos direitos plenos de cidadania.
Em sua argumentação, Og Fernandes também citou o Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial, editado pelo CNJ, que enfatiza que o racismo se manifesta de maneira estrutural e institucional, impactando a vida das pessoas de formas desiguais.
O ministro conclui que “como forma de concretizar essas diretrizes, é fundamental que no presente caso afaste-se qualquer miopia jurídica sobre o objeto de proteção do crime de injúria racial”, reforçando que o tipo penal da injúria racial não se configura no caso de ofensa a pessoa branca baseada na cor da pele.
Og Fernandes destacou que a expressão “grupos minoritários” não se refere apenas à quantidade numérica de indivíduos, mas sim à desigualdade de representação nos espaços públicos e privados, afetando o acesso pleno à cidadania.
Por esse motivo, segundo o relator, não é possível considerar a população branca como grupo minoritário no Brasil, o que impede o enquadramento da conduta no crime de injúria racial. “A injúria racial sempre objetivou tutelar grupos de pessoas que, em razão das características físicas, foram alijadas de todos os benefícios sociais”, afirmou.
Com esse entendimento, os ministros da turma afastaram qualquer interpretação que reconheça a existência de injúria racial contra pessoas brancas.
No entanto, o relator destacou que isso não significa que indivíduos brancos não possam ser protegidos contra ofensas à sua honra. Segundo ele, eventuais insultos podem ser enquadrados no crime de injúria simples, previsto no artigo 140 do CP.
Diante desse contexto, a turma concedeu a ordem de ofício para trancar a ação penal, concluindo que a denúncia apresentada pelo Ministério Público não configurava injúria racial e que o caso deveria ser analisado sob a ótica da injúria comum.
- Processo: HC 929.002