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Se um processo tem uma complexidade objetiva, com uma cumulação de pedidos ou litisconsórcio em algum dos polos do processo, a decisão que encerra a fase de conhecimento e a prestação jurisdicional cognitiva é uma sentença, contudo, o CPC possibilita que haja uma decisão no meio do processo, a chamada decisão parcial.
Essa decisão parcial pode encerrar parcela da jurisdição, tanto com o julgamento de parcela do mérito, como o art. 356 do CPC preconiza, quanto uma extinção parcial sem mérito, com base no art. 354, parágrafo único do CPC. Todavia, para que seja possível julgar parcela do processo, este deve ter uma complexidade objetiva, com mais de uma relação jurídica a ser julgada, como dois ou mais pedidos ou como duas ou mais relações, a partir do litisconsórcio.
A clareza dessa positivação trouxe uma possibilidade de fracionamento decisório, com uma decisão no meio do processo sobre parcela da jurisdição e a postergação do restante para a prolação da sentença.
Apesar da pouca utilização no cotidiano jurídico, ao menos da decisão parcial de mérito, o STJ já decidiu sobre a viabilidade da própria decisão parcial, porém a dúvida que o ordenamento não positivou de maneira clara versa sobre os custos do processo e a estipulação de honorários advocatícios na decisão parcial.
Quando há uma decisão parcial – com ou sem resolução do mérito, o juízo deve mencionar versar sobre os honorários advocatícios nessa decisão ou somente na decisão final, na sentença, sobre todo o processo? A resposta correta está na primeira opção, uma vez que há o fracionamento decisório, cada parcela da demanda guardará a sua própria relação sobre os custos do processo, inclusive com o trabalho a ser remunerado e o ônus de pagamento dos honorários advocatícios.
Se a decisão parcial teve a autonomia e independência possível de desmembrar-se da demanda, evidentemente que detém os mesmos critérios para apurar-se o trabalho realizado pelos advogados das partes e, em eventual condenação, já versar sobre essa parcela da demanda decidida parcialmente, com a estipulação dos honorários advocatícios1 desde logo.
Não há sentido que os honorários advocatícios da matéria da decisão parcial sejam dispostos somente na sentença posterior2, uma vez que cada análise do trabalho realizado será nos limites do que foi feito referente a parcela da demanda que puder ser julgada e a sucumbência de cada decisão.
Apesar de nada dispor o CPC/15 sobre a cisão dos custos do processo pela decisão parcial de maneira clara, nem no capítulo de custos/honorários advocatícios, nem na autorização da prolação da decisão parcial, é pertinente que se entenda e perceba que os custos do processo são vinculados a cada parcela da demanda3, mediante o valor pleiteado em cada pedido.
Se há bipartição de pedidos ao se julgar parcela da demanda4, de igual maneira deve operar-se em todos os custos do processo5-6, seja nas custas, seja nas despesas, seja nos honorários advocatícios.
Sobre essa dúvida, a 3ª turma julgou o REsp 20989347 sobre a decisão parcial sem mérito e os honorários advocatícios a serem prolatados. No caso em questão, a decisão parcial versou sobre a exclusão de litisconsorte, com a retirada pelo juízo de um dos autores do polo ativo do processo e o prosseguimento da lide entre o autor remanescente e o réu, porém se o juízo deliberar sobre honorários advocatícios.
No julgado citado, a ministra Nancy Andrighi afirmou que em decisão sobre a exclusão de litisconsórcio é devida a condenação aos honorários advocatícios, com a definição sobre a relação existente entre a decisão parcial e o custo do processo, ainda que esta decisão seja uma interlocutória.
Esse posicionamento da 3ª turma é uma confirmação do entendimento e da jurisprudência do próprio STJ, ao menos sobre exclusão de litisconsorte (exemplo nos seguintes julgados: REsp 879.393/RS, 1ª turma, DJe 19/3/07 e REsp 824.702/RS, 1ª turma, DJe 8/3/07; AgInt nos EDcl no AgInt no REsp 1.363.211/SP, 3ª turma, DJe 9/10/17), mas com a ampliação pertinente sobre a decisão parcial, seja com mérito, seja sem mérito por outras hipóteses além da exclusão do litisconsorte.
É uma consolidação do entendimento do STJ e que deve ser seguido pelos juízos de 1º grau e os Tribunais de 2ª instância, porém se a matéria continua a chegar no STJ, ainda não é aplicada em todas as decisões parciais, com negativas infundadas tornando uma questão Federal reiterada a ser julgada no mesmo sentido, sem dispersão jurisprudencial.
Outro ponto interessante do REsp 2.098.934 julgado pela 3ª turma foi em um segundo momento decisório posterior à deliberação sobre o cabimento dos honorarios advocatícios na decisão parcial sem mérito, versando sobre a quantificação destes.
O julgamento permite que no caso de decisão parcial sem mérito, dependendo do vício que ensejou a extinção parcial pelo art. 354, parágrafo único do CPC, os honorários advocatícios podem ser fixados em montante inferior à base legal dos 10% do valor da causa, sendo uma exceção ao art. 85, § 2º do CPC8.
A base desse entendimento – e o acerto deste – está na limitação dos honorários advocatícios sobre a causa como um todo, o que impõe uma relação entre a decisão parcial, honorários advocatícios e o que ainda será fixado na eventual sentença posterior, numa relação que não se deve ultrapassar a totalidade do percentual como um todo (20%), o que possibilita, diante da decisão prolatada – com ou sem mérito – que se vincule o percentual somente sobre a parcela da demanda que foi decidida e, assim, com um percentual vinculado ao valor fracionado da causa, não o completo.
Se o normal seria uma decisão de 10% de R$ 10 mil, por exemplo, que seria o valor da causa, se for prolatada uma decisão parcial sobre metade da demanda, como um dano material de R$ 5 mil, o percentual deve ser sobre este valor julgado, o que ensejará um percentual menor do que este sobre o valor da causa em si.
Concluindo, o REsp 2.098.934 reafirma corretamente do entendimento sobre o cabimento de honorários advocatícios em decisão parcial e a possibilidade de fixação em percentual menor do que 10% do valor da causa, excepcionalmente.
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1 No mesmo sentido do nosso posicionamento, contudo esclarecimento somente sobre a decisão parcial de mérito, contudo pertinente que seja de ambas as espécies: “Nada impede que as condenações em honorários e ressarcimento de despesas aconteçam por decisões interlocutórias parciais de mérito. Se elas podem ser proferidas e também podem transitar em julgado de maneira independente em relação à sentença, elas guardam conteúdo próprio a autorizar definição sobre despesas reembolsáveis a quem as antecipou e honorários devidos por quem sucumbiu no pedido parcialmente examinado.” YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti J.; RODRIGUES, Viviane Siqueira. Comentários ao novo código de processo civil: artigos 334 ao 368. Coords: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. 1ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 273.
2 Em sentido de que toda a sucumbência deve ser na sentença, ao menos se imaginado no ordenamento anterior: “Portanto, em linha de princípio, pode-se dizer que a deliberação quanto ao custo financeiro do processo deve aguardar a integral solução do objeto litigioso, por meio da sentença final, não devendo ser realizada por etapas ou escalas. A relação de dependência recomenda que o acessório só se decida depois da integral definição do principal.” AMBRIZZI, Tiago Ravazzi. Julgamento fracionado do mérito no processo civil brasileiro. São Paulo, SP, 2014. 231 p. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Direito. p. 161.
3 Enunciado no. 5 da JDPC: Ao proferir decisão parcial de mérito ou decisão parcial fundada no art. 485 do CPC, condenar-se-á proporcionalmente o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, nos termos do art. 85 do CPC.
4 Mesmo que seja sem mérito a decisão parcial: “Sendo parcial a desistência, a renúncia ou o reconhecimento, a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será proporcional à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu, bem como, em havendo transação e nada tendo as partes disposto quanto às despesas, estas serão divididas igualmente (art. 90, caput e §§ 2º e 3º, do CPC).” THAMAY, Rennan Faria Kruger. Manual de Direito Processual Civil. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 171.
5 Excepcionalmente, entendemos que na decisão parcial sobre cumulação impróprio – subsidiário ou alternativo – pela lógica da prestação jurisdicional ser somente una, mesmo que seja parcial a decisão, não há uma cisão no mesmo molde das outras, sem a condenação, ainda, sobre os custos do processo.
6 Como a sentença de indeferimento da inicial não terá a condenação em honorários, igualmente a parcela da decisão parcial de indeferimento. “A distinção é importante, pois o regramento do art. 331 do CPC somente se aplica à decisão que indefira a petição inicial, bem como, sendo liminar a sentença, não se condenará o autor ao pagamento de honorários advocatícios em favor do réu ainda não citado.” DIDIER JR., Fredie. Comentário ao art. 485. CABRAL, Passo, A. D., CRAMER, (orgs.), R. Comentários ao Novo Código de Processo Civil, 2ª edição. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530971441/
7 “Diante de decisão interlocutória que determina a exclusão de litisconsorte por ilegitimidade ad causam, é devida a condenação da contraparte ao pagamento de honorários advocatícios proporcionais” (…)(STJ – REsp: 2098934 RO 2023/0130985-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 05/03/2024, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/03/2024)
8 “podendo ser fixados em quantum inferior ao percentual mínimo previsto pelo art. 85, § 2º, do CPC/15.”(.) (STJ – REsp: 2098934 RO 2023/0130985-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 05/03/2024, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/03/2024)
Vinicius Silva Lemos
Pós-Doutor em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto UFAC. Conselheiro Federal pela OAB Rondônia. Advogado.