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Recentemente, foi publicada a lei 14.973/24, que, dentre outras alterações, introduziu o art. 6º-A na lei 10.522/02, cujo texto estabelece, expressamente, que a irregularidade no Cadin é fator impeditivo para celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos administrativos e seus respectivos aditamentos.
O texto é flagrantemente inconstitucional.
Primeiro, a Constituição Federal, em seu art. 37, inc. XXI estabelece que para contratar com o Poder Público somente se permitirá “as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações“. Exigir do contratado a inexistência de registro negativo no Cadin, por óbvio, não se enquadra nesse conceito.
Segundo, o mesmo diploma constitucional foi expresso quanto à restrição para contratar com o Poder Público decorrente de eventual dívida do particular. A regra está esculpida no art. 195, §3º: “A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.
Ou seja, se o constituinte expressamente estabeleceu uma hipótese de restrição à contratação com o Poder Público em decorrência de uma dívida de ordem financeira, extrai-se que qualquer outra hipótese viola o texto constitucional. Mas não é só.
O novo art. 6º-A na lei 10.522/02 converte qualquer inadimplemento com o Poder Público em verdadeira sanção, e das mais graves! Veja-se que a lei Federal 14.133/21 estabelece um rol gradativo de sanções para os particulares, dentre as quais as de maior gravidade são, justamente, a restrição ao direito de participar de processos licitatórios, firmar e prorrogar contratos.
A “lei do Cadin” coloca uma simples multa contratual, ocasionada por uma infração de menor relevância em um contrato, no mesmo patamar daquelas sanções reservadas aos ilícitos contratuais de maior seriedade. Verifica-se, então, gravíssima ofensa ao princípio da proporcionalidade.
Por último, o dispositivo viola o princípio da livre iniciativa e mostra-se absolutamente contrário ao princípio da função social da empresa. Novamente, o Cadin destina-se ao registro de inadimplências de ordem financeira. Se uma empresa está com dificuldades de honrar com seus compromissos financeiros, o remédio mais óbvio é a continuidade de sua atividade econômica, para com a qual o Poder Público deve se comprometer. Impedir que uma empresa em simples débito possa exercer sua atividade econômica representará verdadeiro obstáculo à continuidade da empresa.
E a grande questão que se apresenta, após tantas reflexões, é que não podemos nos curvar à real motivação de uma restrição legal dessa natureza. O dispositivo se traduz em arbitrário mecanismo de coação para cobrança de dívidas pelo Poder Público, a nosso ver, injustificável.
Álvaro Costa
Advogado sênior no escritório Aragão e Tomaz Advogados.