Perda de oportunidade em reintegração tardia   Migalhas
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Perda de oportunidade em reintegração tardia – Migalhas

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É fato notório que o Judiciário ainda não conseguiu implementar as garantias processuais da celeridade e da eficiência, insculpidas no art. 5º, LXXVIII, da CF. Houve louváveis avanços, mas uma parcela significativa do jurisdicionados ainda sofre com as danosas consequências dos prolongados processos.

Neste artigo, o objetivo é refletir sobre os casos em que trabalhadores são dispensados de forma ilegal e a prestação jurisdicional demanda vários anos, designadamente os casos em que o Judiciário determina a reintegração de empregados públicos.

Em sendo, ilegalmente, demitido por justa causa um empregado do BB – Banco do Brasil S/A, do Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS -, das Centrais Elétricas Brasileiras S/A – ELETROBRÁS – ou de qualquer outra sociedade de economia mista, deverá o Judiciário anular a dispensa e condenar o empregador a “[…] readmiti-lo no serviço e a pagar-lhe os salários a que teria direito no período da suspensão”, consoante teor do art. 496 da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho.

Ao dispensar um empregado por justa causa, o empregador assume o ônus de comprovar a existência e a autoria do ato faltoso imputado ao empregado. Não se desincumbindo desse ônus, a demissão deverá ser anulada.

De tal sorte, “[…] o empregado será reintegrado no serviço na mesma função que ocupava anteriormente.”1 Se o empregado exercia o cargo de escrituário e a função de gerente geral, assim deverá ser ele reintegrado.

Quanto à indenização, o empregador deverá pagar não só todos os salários devidos durante o período em que o empregado foi impedido de desempenhar suas atividades laborais, mas também assegurar todas as vantagens usufruídas pela categoria profissional, ex vi do art. 471 da CLT.

Por salários, compreenda-se toda e qualquer verba de natureza salarial: salário-base, adicional de insalubridade, gratificação por função de confiança etc.

E por vantagens obtidas pela categoria profissional: auxílio-alimentação, licença-prêmio, PLR – Participação nos Lucros e Resultados etc.

O empregado demitido por ato ilegal deverá retornar, portanto, ao status quo ante, como se nunca houvesse sido do labor afastado. A propósito, vejamos o seguinte julgado:

Em assim, considerando que o julgado exequendo reconhecera a nulidade da demissão e determinara a reintegração da empregada com o pagamento das verbas devidas durante o afastamento, tem-se o retorno ao status quo ante, ou seja é como se não tivesse existido qualquer interstício no contrato de trabalho, como se jamais a ora exequente dali tivesse se afastado. Logo, extrai-se daquele julgado que restam devidas todas as verbas a que teria direito como se trabalhando estivesse, inclusive auxílio-alimentação, cesta-alimentação, participação nos lucros e resultados, APIP e licença-prêmio.

(TRT-7 – AP 0001174-29.2016.5.07.0013, Relatora: Desembargadora FERNANDA MARIA UCHOA DE ALBUQUERQUE, Data de Julgamento 25/07/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: 01/08/2023)

Todavia, como o empregado passa, na maioria dos casos, anos apartado do trabalho até ser reintegrado, o retorno aos status quo ante pode se revelar insuficiente à integral tutela de seus direitos.

Pensemos na hipótese de um empregado do BB – com 5 anos de tempo de serviço e que exercia a função de gerente de negócios na agência situada no município de Delmiro Gouveia/AL, com população estimada em 51.319 pessoas.2

Em mais 10 anos de serviço, é mais que plausível projetar a carreira do empregado para gerente geral na agência localizada no município de Delmiro Gouveia/AL ou gerente geral em agência no município de Arapiraca/AL, com 234.696 habitantes3, ou, ainda, gerente geral em agência na capital, Maceió/AL, com 957.916 habitantes.4

Não é factível imaginar que o empregado estaria, salvo por vontade própria, estagnado na carreira, renunciando oportunidades de ser transferido para locais com melhor (segurança, saúde, educação, lazer, cultura) qualidade de vida para si e sua família.

É nesse cenário em que surgiu a inquietante reflexão acerca da insuficiência do retorno ao status quo ante para fins de tutela dos direitos do empregado afastado do trabalho por longo período.

No sentir deste articulista, a reintegração e o pagamento retroativo dos salários não eximem o empregador de responder por perda de oportunidade de progressão na carreira profissional durante os anos em que o empregado esteve, ilicitamente, banido do ambiente de trabalho.

A aplicação da teoria da perda de uma chance pressupõe a existência de justa expectativa por parte de alguém em granjear vantagem (seja patrimonial, seja extrapatrimonial) ou evitar prejuízo.

Digno de nota que a mera expectativa, derivada de eventualidade, suposição ou desejo, não atrai responsabilidade civil, sob pena de oportunismos serem premiados, em vez de oportunidades concretas, séria e reais, conforme adverte Sérgio Cavalieri Filho.5

Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto sugerem a análise do tema em questão a partir de estáticas.6

Seguindo no exemplo do empregado do BB, lotado na agência situada no município de Delmiro Gouveia (AL), dever-se-ia investigar a média de tempo em que os empregados permanecem no referido local e a média de tempo para serem transferidos para o Município de Arapiraca (AL) e para a capital, Maceió (AL).

Nessa linha de raciocínio, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região já decidiu que o empregado impossibilitado (por ilegal afastamento do trabalho) de participar de processos de avaliação para fins de promoção de nível salarial faz jus a indenização a título perda de oportunidade quando o índice de aprovação nesses processos é elevado.

[…] a questão principal é saber se, acaso o reclamante tivesse trabalhado regularmente durante o período em que esteve indevidamente afastado, ele teria alcançado as promoções para os níveis “III” e “IV” do cargo de Gestor de Trânsito ou, pelo menos, se as chances eram reais e se a probabilidade de êxito era patente a ponto de ser indenizável.

E a resposta obtida dos autos é que a probabilidade de ascensão na carreira era grande, dada a razão entre o universo de gestores de trânsito e a quantidade de vagas preenchidas no período. Quer dizer, a alegação de que quase todos aqueles empregados ativos na época da dispensa foram promovidos no período em que o autor permaneceu afastado dá guarida à teoria da perda de uma chance.

(TRT-2 – RO 1001402-54.2018.5.02.0013, Relatora: Juíza Convocada RAQUEL GABBAI DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 01/10/2020, 14ª Turma, Data de Publicação: 10/10/2020)

Retomando o exemplo do empregado do BB reintegrado 10 anos após a sua ilegal demissão, se 75% dos empregados lotados no município de Delmiro Gouveia (AL) são transferidos para o município de Arapiraca (AL) após 10 anos de trabalho, a probabilidade de transferência do empregado reintegrado seria altíssima, considerando que ele já contava com 5 anos de trabalho no município de Delmiro Gouveia (AL).

O histórico das avaliações de desempenho também seria elemento muito útil para o prognóstico da carreira profissional do multicitado empregado. Como era a performance (excelente, mediana ou deficitária) no trabalho? Quantos cursos de capacitação foram concluídos? Ele substituía o gerente geral nas férias?

Ademais, eventual recalcitrância por parte do BB em proceder com a reintegração caracterizaria a culpa inerente à responsabilidade civil na modalidade subjetiva, sobretudo se fosse constatada a prática de litigância de má-fé pela interposição de recurso protelatório.

Configurada a perda da oportunidade de o empregado ser promovido para a função de gerente geral, impende esclarecer que ele não deverá ser indenizado como se tal função tivesse sido exercida. O dano deverá ser arbitrado igualmente a partir de estáticas, uma vez que “[…] não se indeniza o valor integral referente à perda de um pretenso resultado favorável, até porque o resultado esperado se baseia numa mera probabilidade de que haveria ganho.”7

Desafortunadamente, não existem muito julgados sobre a matéria em discussão neste artigo.

Logo, cabe a nós, advogados, indispensáveis (CF, art. 133) à concretização da tão almejada Justiça, requerer a condenação dos empregadores ao pagamento de indenização (talvez compensação) em prol dos empregados que foram demitidos por ato ilegal e que, por isso, ficaram impedidos de progredir na carreira profissional.

Sucede que a sobredita pretensão não poderá ser deduzida em conjunto com os pedidos de anulação de dispensa por justa causa e de reintegração, pois estará condicionada a evento futuro, incerto e indeterminado, qual seja, o prolongamento do processo sobre a demissão, o que é não autorizado pelo ordenamento jurídico, vide art. 492, parágrafo único, do CPC.

Por esse motivo, o pedido de indenização a título de perda de oportunidade deverá ser requerido em nova ação trabalhista, subsequentemente ao processo através do qual o empregado obteve – em descompasso com as garantias processuais da celeridade e da eficiência – a sua reintegração. Em virtude do princípio da actio nata, não haverá prescrição.

__________

1 MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. – 21. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, pág. 644.

2 https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/al/olho-dagua-das-flores.html (Acessado em 15 de janeiro de 2025, às 15:11)

3 https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/al/arapiraca.html (Acesso em 15 de janeiro de 2025, às 15:13)

4 https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/al/maceio.html (Acessado em 15 de janeiro de 2015, às 15:17)

5 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. – 10. ed. – São Paulo: Altas, 2012, págs. 81-82.

6 FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil – v. 3 – Responsabilidade Civil / Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto – 10. – ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodvim, 2023, pág. 307.

7 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. – 4. ed. – São Paulo: LTr, 2010, pág. 227.

Raphael Wendell de Barros Guimarães

Raphael Wendell de Barros Guimarães

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste. Advogado atuante.

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