Tutela provisória na sentença e a contratutela recursal   Migalhas
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Tutela provisória na sentença e a contratutela recursal – Migalhas

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Visando enfrentar o tema proposto, é importante partir de uma premissa: o caput do art. 1.012, do CPC/15 manteve o regramento de que a apelação tem efeito suspensivo ope legis. Contudo, a tutela provisória (de urgência e evidência) serve como um importante instrumento para a eficácia imediata das decisões de 1º grau, com o afastamento da norma contida neste dispositivo.

O legislador processual adotou um regramento uniforme para três situações distintas: confirmação, concessão ou revogação da tutela provisória na sentença gera a eficácia imediata do comando sentencial.

Uma afirmação deve ser feita visando a correta análise do art. 1012, §1º, IV, do CPC/15: a apelação, apesar de interposta em 1º grau, tem seus efeitos analisados em 2º. A tutela provisória, portanto, deve ser formulada mediante incidente processual, com a prevenção do relator (arts. 932, II c.c 1012, §§3º e 4º, do CPC/15).

Vejamos algumas variáveis que podem ocorrer no dia-a-dia forense: a) dois pedidos cumulados, sendo um deles objeto de tutela provisória. Posteriormente, há sentença de improcedência com revogação da ordem anterior; b) um só pedido, com concessão de tutela provisória na sentença; c) dois ou mais pedidos cumulados, com tutela provisória concedida em relação a um deles. Posteriormente, é proferida sentença de improcedência do capítulo que foi concedida a tutela provisória, com revogação da medida, e de procedência dos demais pedidos; d) dois ou mais pedidos cumulados, com sentença de procedência em relação a todos os pedidos, mas com expressa revogação da tutela provisória anteriormente concedida, sob o argumento de que não estão presentes os requisitos excepcionais para a sua concessão; e) dois ou mais pedidos cumulados, com sentença de parcial procedência e expressa revogação da tutela antecipada anteriormente concedida em relação a um dos capítulos; f) improcedência sem que o juízo do feito tenha se manifestado sobre a tutela provisória anteriormente concedida.

Uma coisa é certa: considerando a concentração e a unirrecorribilidade, o recurso de apelação é o instrumento para a irresignação em qualquer hipótese envolvendo tutela provisória apreciada como um capítulo da sentença (art. 1013, §5º, do CPC/15). Este entendimento, aliás, já vinha sendo adotado também no CPC/73.

Em relação aos itens em questão, estas são as conclusões que devem ser apresentadas. Quanto ao a, a sentença de improcedência afasta, como consequência natural, a eficácia da tutela provisória em relação a um dos pedidos. Eventual recurso de apelação não terá efeito suspensivo para afastar a exequibilidade da sentença e manter os efeitos da tutela provisória anteriormente concedida. Nada impede que seja requerido o efeito suspensivo autônomo (art. 1012, §3º, do CPC/15), diretamente ao TJE – Tribunal de Justiça Estadual ou TRF – Tribunal Regional Federal, visando a manutenção da tutela provisória anteriormente concedida. Trata-se, neste caso, de tutela provisória recursal incidental à apelação, para a continuidade dos efeitos da tutela provisória concedida e, posteriormente, revogada ou cassada.

A mesma conclusão (possibilidade de apresentação do incidente do art. 1012, §3º, do CPC, junto ao Tribunal), deve ser apresentada em relação ao item b.

Aliás, a única diferença entre os itens a e b gira em torno da sucumbência, eis que, enquanto no primeiro caso o recurso deve ser interposto pelo autor, com pedido de efeito suspensivo judicial para, ao afastar a exequibilidade imediata da sentença de improcedência e a manutenção da tutela provisória concedida anteriormente; no segundo, a apelação deve ser interposta pelo réu, com a apresentação da tutela provisória mediante incidente no Tribunal, visando obstar o cumprimento provisório do capítulo objeto de tutela provisória concedida na sentença.

Nestas hipóteses, o poder geral de tutela provisória é do próprio Tribunal local, nos termos do art. 932, II, do CPC. É dever esclarecer que não há a inauguração da competência do STJ ou STF enquanto tramita o recurso de apelação na instância local, como se observa nestes julgados:

“2. No caso, o requerente ajuizou na origem ação ordinária contra a BB Tecnologia de Cobrança S.A., objetivando a manutenção ou sua reintegração em emprego público. O Juiz julgou improcedente o pedido inicial, declarando extinto o feito, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC/2015. Contra a decisão, o autor interpôs recurso de apelação, o qual encontra-se concluso ao Desembargador relator.

3. Assim, evidencia-se que a competência desta Corte Superior para o exame do pedido não foi inaugurada, porquanto não exauridas, na origem, as medidas cabíveis à obtenção do pretendido efeito suspensivo”. AgInt na TutCautAnt 677 / SP – 2ª T/STJ – Rel. Min. Benedito Gonçalves – J. 18/11/2024 – DJe 26/11/2024.

“O pedido de tutela de urgência está vinculado a processo pendente do julgamento do recurso de apelação, não havendo, portanto, o esgotamento das instâncias ordinárias. Ou seja, a via eleita pela parte requerente é inadequada, configurando supressão de instância, nos termos do art. 105 da Constituição Federal”. AgInt na Pet 16938 / MG – 1ª T/STJ – Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues – J. 21/10/2024 – DJe 28/10/2024.

Em relação ao item c das variáveis acima indicadas, vale aduzir que o efeito suspensivo legal do art. 1012, do CPC, apenas pode ser afastado se o caso concreto se enquadrar em uma das hipóteses previstas em seu parágrafo 1º. Assim, a sentença não tem exequibilidade imediata em caso de procedência, exceto se o juiz conceder tutela de evidência ou de urgência em relação aos capítulos que estão sendo julgados procedentes, ou se tratar das demais hipóteses previstas no art. 1012, §1º, do CPC. Caberá ao interessado formular pedido de tutela de urgência ou evidência recursal (efeito ativo), visando a obtenção dos efeitos práticos dos pedidos que foram julgados procedentes. Por outro lado, em relação ao capítulo julgado improcedente e que foi concedida a tutela provisória anterior, a sentença terá efeito imediato (art. 1012, §1º, V, do CPC). Caberá ao recorrente, outrossim, adotar a providência prevista no art. 1012, §3º para, com a concessão do efeito suspensivo judicial, que possa manter os benefícios práticos decorrentes da tutela provisória anteriormente concedida, à semelhança do que foi tratado nos itens anteriores.

Quanto ao item d: mesmo sendo vencedor, o autor poderá manejar apelação apenas para discutir a continuidade de eficácia da tutela provisória (com pedido de tutela provisória recursal de urgência ou evidência). É possível a interposição de duas apelações: a do autor, impugnando tão somente o afastamento da eficácia da tutela provisória, sendo recebida só no efeito devolutivo mas admitindo a tutela provisória recursal (art. 932, II, do CPC), e do réu, em face da sentença que, apesar de contrária aos seus interesses, não tem eficácia imediata (art. 1.012, do CPC), tendo em vista que foi revogada a tutela provisória anteriormente concedida.

Em relação ao item e: há a necessidade de divisão da apelação em capítulos, sendo suspensos em parte os efeitos da sentença. Assim, os recursos possuem efeitos devolutivo e suspensivo, exceto no que respeita ao capítulo que foi objeto da revogação da tutela antecipada. O sucumbente em relação a este capítulo poderá utilizar o incidente visando à manutenção da tutela provisória anterior, diretamente ao Tribunal – provocando o poder geral de cautela do relator (arts. 932, II e 1012, §§3º e 4º, do CPC/15).

O enunciado 217 do Fórum Permanente de Processualistas Civis consagra que: “(arts. 1.012, § 1º, V, 311) A apelação contra o capítulo da sentença que concede, confirma ou revoga a tutela antecipada da evidência ou de urgência não terá efeito suspensivo automático.”

Nada impede que um dos sucumbentes opte pelo recurso adesivo (art. 997, §§1º e 2º, do CPC/15), que também terá efeitos diferenciados – parte no duplo efeito e outra parte, apenas no devolutivo.

No que respeita ao último item, parece claro que a parte deve manejar embargos de declaração, para que o juízo do feito expressamente se manifeste pela manutenção ou não da tutela provisória (art. 1022, do CPC/15). Por outro lado, em caso de não oposição dos aclaratórios, a apelação não terá efeito suspensivo, considerando os efeitos imediatos da sentença que julgou o pedido improcedente.

José Henrique Mouta

José Henrique Mouta

Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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