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Introdução
Os honorários configuram uma prerrogativa indispensável da advocacia, constituindo direito autônomo do advogado, de natureza alimentar e essencial para garantir uma remuneração justa, com previsão no EOAB – Estatuto da OAB e no CPC/15.
Os honorários advocatícios são devidos pela prestação dos serviços jurídicos e se dividem, basicamente, em duas categorias:
- Honorários contratuais: Estabelecidos na relação advogado e cliente;
- Honorários sucumbenciais: Devidos pela parte vencida ao advogado da parte vencedora.
Este artigo analisa a nova perspectiva dogmática1 dos honorários de sucumbência positivado no CPC/15, bem como a reiterada violação dessa prerrogativa pelo Poder Judiciário. Tal violação envolve questões históricas e uma crença equivocada de que a advocacia não faz jus a uma remuneração superior em comparação a outras carreiras jurídicas.
Embora algumas disposições do CPC/15 possam demandar aprimoramento, nada justifica o contorcionismo judicial que leva à incorreta aplicação dos honorários de sucumbência.
Diferença entre honorários contratuais e sucumbenciais
Os honorários convencionais decorrem do contrato firmado entre advogado e seu cliente. Trata-se de negócio jurídico bilateral e consensual, regido pelo EOAB e respectivo Código de Ética, não sendo aplicável o CDC2.
É fundamental que o advogado cobre honorários contratuais iniciais, pois sua obrigação é de meio, e não de resultado. Vincular o recebimento de honorários contratuais ao êxito no processo reforça a equivocada percepção de que a advocacia estaria sujeita a uma obrigação de resultado, deturpando sua verdadeira natureza jurídica.
O Conselho Federal da OAB deveria revisitar as disposições do Código de Ética para coibir o uso excessivo da contratação exclusiva pela cláusula quota litis (remuneração baseada no resultado).
Os honorários sucumbenciais, objeto principal deste artigo, são fixados judicialmente em favor do advogado da parte vencedora e pagos pela parte vencida, cumuláveis com os honorários contratuais e previstos nos arts. 22 e seguintes do EOAB, e no CPC/15, basicamente, no art. 85.
Perspectiva histórica dos honorários sucumbenciais
Conforme registra Rogério Licastro3, historicamente os CPCs brasileiros dispunham dos honorários sucumbenciais como forma de ressarcimento das despesas da parte vencedora no processo. Essa lógica esteve presente no CPC/1939 e no CPC/1973, o que levava à interpretação de que os honorários sucumbenciais pertenciam à parte e não ao advogado.
A exposição de motivos do CPC/73, no item 17, demonstra esta pretensão do código revogado:
“O projeto adota o princípio do sucumbimento, pelo qual o vencido responde por custas e honorários advocatícios em benefício do vencedor (art. 23). ‘O fundamento desta condenação’, como escreveu Chiovenda, ‘é o fato objetivo da derrota; e a justificação deste instituto está em que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva; por ser interesse do Estado que o emprego do processo não se resolva em prejuízo de quem tem razão e por ser, de outro turno, que os direitos tenham um valor tanto quanto possível nítido e constante'”.
Nesta perspectiva, os honorários de sucumbência eram tratados pelo CPC/1973 como uma espécie do gênero “despesas processuais”, tanto é que a principal regra sobre honorários advocatícios estava prevista no art. 20 do CPC/1973, na Seção III “Das Despesas e das Multas”.
Apesar da tradição dos diplomas processuais, o art. 23 do EOAB é expresso sobre a titularidade dos honorários de sucumbência e, embora houvesse discussões sobre o tema, prevaleceu o entendimento de que os honorários de sucumbência são do advogado.
Atualmente, o art. 85 do CPC/15 e o EOAB estão alinhados sobre a titularidade dos honorários sucumbenciais.
Infelizmente, apesar de o CPC/15 inaugurar novo marco dogmático sobre os honorários de sucumbência, com regras objetivas para sua fixação, reiteradamente o tema é objeto de contorcionismo judicial para tentar justificar a violação desta prerrogativa.
Inovações do CPC/15
O CPC/15 representou um marco para a advocacia ao consolidar os honorários de sucumbência como um direito autônomo e dispondo de regras objetivas para sua fixação.
O art. 85 está inserido da Seção III, que trata “Das Despesas, dos Honorários Advocatícios e das Multas”. Esta redação evidencia a distinção entre honorários (direito do advogado) e despesas processuais (direito da parte vencedor à reparação).
Por exemplo, no caso de sucumbência parcial as despesas processuais serão repartidas de forma proporcional entre as partes (art. 86, caput, CPC); já os honorários sucumbenciais deverão ser calculados a partir do benefício econômico que cada advogado obteve para seu cliente (art. 85, §§2º e 3º, CPC), ou seja, critério distinto em relação a divisão das despesas processuais.
Em relação as regras objetivas e prioritárias para a fixação dos honorários, há os §§ 2º, 3º, 6º e 6º-A do art. 85 do CPC/15, já enfrentados pelos tribunais, inclusive pelo STJ:
Tema 1.076, STJ4
i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.
ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo”.
AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.878.862/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 30/8/2022: “[…], a fixação dos honorários de sucumbência, sob a égide do CPC/2015, sujeita-se à ‘seguinte ordem de preferência: (i) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (ii) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II. a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II. b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (iii) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º).’ (REsp n. 1.746.072/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para Acórdão Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 13/2/2019, DJe de 29/3/2019). Precedentes. […], honorários devidos pelos autores deverão ter como base de cálculo o proveito econômico obtido pelos réus, consistente no que os autores decaíram do pedido, em observância à prioridade desse critério em detrimento do valor da causa, nos termos do §2º do art. 85 do CPC/2015. […]”.
Assim, o art. 85 trouxe inovações relevantes que alteraram substancialmente a compreensão dos honorários sucumbenciais, fortalecendo a advocacia, garantindo uma remuneração adequada e segurança jurídica em sua aplicação.
Conclusão
A reformulação dos honorários sucumbenciais no CPC/15 representou uma conquista histórica e essencial para a advocacia, fortalecendo a profissão e garantindo a justa remuneração dos advogados.
No entanto, ainda há resistência de parte do Poder Judiciário na adequada aplicação do diploma processual, impondo desafios à efetivação dessa prerrogativa. O enfrentamento dessas violações exige conhecimento técnico, engajamento e atuação estratégica por parte da classe.
Somente por meio desse esforço será possível consolidar a valorização da profissão e, consequentemente, fortalecer a indispensabilidade da advocacia na administração da justiça e ao próprio fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
___________
1 Reformulação dos fundamentos jurídicos, regras e princípios que definem a aplicação, cálculo e titularidade dos honorários sucumbenciais, agora mais alinhados à valorização da advocacia.
2 “[…] RELAÇÃO ENTRE ADVOGADO E CLIENTE. APLICAÇÃO DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. REGIME PRÓPRIO. ESTATUTO DA OAB. PRECEDENTES. SÚMULA N° 83/STJ. […], jurisprudência do STJ não se aplica o Código de Defesa do Consumidor à relação contratual entre advogados e clientes, a qual é regida por norma específica – Lei n. 8.906/94. Precedentes. […]” – AgRg no AgRg no AREsp n. 773.476/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, DJe de 1/8/2018.
3 MELLO, Rogério Licastro Torre de. Honorários advocatícios (livro eletrônico): sucumbenciais e por arbitramento – 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
4 Pendente em relação à Fazenda Pública, Tema 1.255, STF.
Felipe Caputti Teixeira
Advogado especialista em Direito Público pela Unesa/RJ, bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes (Centro/RJ), Vice-Presidente da Comissão Nacional de Direito à Saúde – ABA.