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A revolução digital trouxe transformações disruptivas ao setor de saúde, sendo a IA – inteligência artificial uma das protagonistas desse avanço. Recentemente, o Estado da Califórnia sancionou leis pioneiras que regulam o uso de IA e a proteção de dados neurais, como a AB 3030 e o SB 1223. Essas medidas levantam questões cruciais sobre a privacidade e o uso ético de informações ultrassensíveis, que podem impactar profundamente a relação entre tecnologia e Direito. No Brasil, onde a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados ainda caminha para amadurecer em relação às tecnologias emergentes, é essencial refletir sobre as melhores práticas internacionais e os desafios para regulamentar dados neurais. Este artigo analisa a experiência internacional, suas implicações éticas e legais, e propõe caminhos para o Brasil.
O contexto da proteção de dados neurais
Os avanços tecnológicos permitiram a coleta e utilização de dados neurais por meio de dispositivos capazes de medir a atividade do sistema nervoso central e periférico. Tais dados possuem aplicações promissoras na saúde, como diagnósticos mais precisos e tratamentos personalizados, mas também levantam preocupações quanto à privacidade e o consentimento informado. A regulamentação da Califórnia inaugura uma discussão necessária ao classificar dados neurais como informações pessoais confidenciais. Essa abordagem contrasta com a LGPD brasileira, que ainda não inclui disposições específicas para tais dados.
Análise crítica das regulamentações da Califórnia
A AB 3030 exige que pacientes sejam informados quando comunicações clínicas forem geradas por IA, promovendo a transparência e a autonomia dos indivíduos. Contudo, a exclusão de revisões feitas por profissionais de saúde licenciados limita o alcance dessa proteção. Já o SB 1223 amplia o conceito de privacidade ao reconhecer dados neurais como sensíveis, abordando questões éticas relacionadas ao consentimento, armazenamento e uso secundário das informações. Essas medidas podem servir de modelo para o Brasil, mas exigem adaptações para harmonizar-se com os princípios da LGPD.
Impactos éticos e jurídicos no Brasil
A regulamentação de dados neurais no Brasil demanda uma abordagem que equilibre inovação tecnológica e proteção dos direitos fundamentais. Doutrinadores como Ingo Sarlet defendem que a privacidade deve ser compreendida como extensão da dignidade humana, exigindo salvaguardas específicas para dados ultrassensíveis. Ademais, jurisprudências do STJ em matéria de proteção de dados pessoais reforçam a necessidade de interpretações que privilegiem o princípio da boa-fé e do uso responsável da tecnologia.
Exemplos internacionais e recomendações para o Brasil
Experiências como as do Colorado, que também regula dados neurais, mostram a relevância de políticas públicas claras e de fiscalização robusta. Para o Brasil, propõe-se:
- Inclusão de dados neurais na categoria de dados sensíveis da LGPD;
- Exigência de consentimento expresso para coleta e uso de dados neurais;
- Criação de órgãos especializados para fiscalização e formulação de diretrizes éticas;
- Fomento à educação digital sobre os direitos dos titulares de dados.
A regulação de dados neurais é um desafio emergente que exige respostas rápidas e eficazes para proteger a privacidade e garantir o uso ético da IA. O exemplo da Califórnia demonstra a importância de legislações específicas para acompanhar a evolução tecnológica. No Brasil, é essencial que o debate seja ampliado para incluir acadêmicos, legisladores e sociedade civil, assegurando uma regulamentação robusta que promova a inovação responsável. Assim, não apenas acompanharemos o progresso global, mas também nos consolidaremos como referência na proteção de dados em tempos de transformações digitais.
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1 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Proteção da Privacidade. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2020.
2 CALIFÓRNIA. Assembly Bill No. 3030. Disponível em: https://leginfo.legislature.ca.gov/faces/billTextClient.xhtml?bill_id=202320240AB3030. Acesso em: 10 jan. 2025.
3 CALIFÓRNIA. Senate Bill No. 1223. Disponível em: https://leginfo.legislature.ca.gov/faces/billTextClient.xhtml?bill_id=202320240SB1223. Acesso em: 10 jan. 2025.
4 BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 10 jan. 2025.
5 JONES, Kevin et al. Artificial Intelligence in Healthcare: Privacy Challenges and Ethical Implications. Health Law Journal, v. 12, n. 3, 2023.
Jamille Porto Rodrigues
Advogada e Professora de Direito Digital, Inteligência Artificial e Novas tecnologias aplicada ao Direito e Marketing Jurídico.