A (in)segurança jurídica na distribuição desproporcional de lucros   Migalhas
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A (in)segurança jurídica na distribuição desproporcional de lucros – Migalhas

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O tema “distribuição desproporcional” de lucros parece ter ganhado novos contornos e tem gerado acalorados debates na comunidade jurídica, especialmente em razão do recente acórdão proferido pelo TJ/SP, nos autos do processo 1089011-58.2023.8.26.0053, publicado em 28/1/25.

Isto porque o Tribunal paulista validou o entendimento do Fisco estadual que equipara tal distribuição à doação sujeita ao ITCMD – Imposto sobre Doação, inaugurando um precedente judicial que ameaça desestabilizar práticas societárias e sucessórias consolidadas, e, de consequência, gerando profunda insegurança jurídica no meio empresarial.

Este marco jurisprudencial, que surge em um momento de fiscalização cada vez mais rigorosa das operações empresariais e familiares, representa uma mudança significativa no entendimento que vinha sendo aplicado. Esta alteração pode impactar severamente tanto o planejamento societário das empresas quanto o planejamento sucessório das famílias empresárias, demandando urgente reavaliação por parte de empresários e seus consultores jurídicos.

Alguns pontos da decisão chamam a atenção, sendo o primeiro deles, a expressa consignação no acórdão quanto à desconsideração de atos jurídicos lícitos para fins de incidência do ITCMD, não obstante tais atos estejam devidamente formalizados por meio da documentação societária pertinente, incluindo as atas assembleares que deliberaram pela distribuição desproporcional dos lucros.

Ademais, merece especial atenção, também, o fato de que a decisão estabelece, como requisito adicional à desproporcionalidade, a necessidade de comprovação do propósito negocial subjacente à distribuição desproporcional dos lucros, evidenciando uma expansão significativa dos critérios de validação de operações societárias regularmente constituídas.

É dizer, em suma, denota-se que o acórdão em comento se fundamenta no disposto no parágrafo único do art. 116 do CTN como alicerce jurídico para descaracterizar a licitude da operação societária e, por via de consequência, exigir o Imposto sobre Doação.

Com efeito, a interpretação fiscal referendada pelo TJ/SP aparenta estar em manifesta incompatibilidade com o arcabouço jurídico-societário brasileiro, especialmente quando confrontada aos art. 997, VII, 1.007, 1.056, parágrafo único e art. 1.054, todos do CC.

Ademais, a interpretação adotada pelo Tribunal paulista aparenta colidir frontalmente não apenas com a parte final do parágrafo único do art. 116 do CTN, que exige, como pressuposto normativo inafastável, a edição de lei ordinária específica para disciplinar os procedimentos de desconsideração de atos ou negócios jurídicos pelas autoridades fazendárias nas esferas Federal, estadual, distrital e municipal.

Não obstante isso, o acórdão aparenta colidir, ainda, com o entendimento consolidado pelo STF no julgamento da ADIn 2.446, ocasião em que foram estabelecidos parâmetros hermenêuticos vinculantes quanto à aplicabilidade e alcance do referido dispositivo legal no ordenamento jurídico pátrio.

Isto porque naquela ocasião, ainda que a corte constitucional tenha reputado constitucional o parágrafo único do art. 116 do CTN, a suprema corte consignou que “a plena eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer procedimentos a serem seguidos”, de maneira que “enquanto esta não for editada as autoridades fazendárias estarão impedidas de efetuar a desconsideração do ato ou do negócio que entenderem inquinados de simulação.”.

Não fosse isso suficiente, vale salientar que sob a perspectiva do planejamento tributário, ainda que o parágrafo único do art. 116 do CTN estivesse apto a produzir efeitos, a ministra Cármen Lúcia, relatora da mencionada ADIn é enfática ao afirmar que “[…] A norma não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada.”.

Estas questões exigem atenção especial e são preocupantes, principalmente quando analisamos a decisão do TJ/SP, que apresenta uma clara contradição em seu raciocínio jurídico.

Isto porque, não obstante o Tribunal reconheça expressamente a legitimidade do instituto da distribuição desproporcional de lucros – prerrogativa esta inequivocamente amparada pelo sistema normativo civilista e que representa a autonomia privada dos sócios – paradoxalmente, procede à sua desconsideração para fins tributários.

Esta contradição torna-se ainda mais evidente quando comparada com o entendimento estabelecido pela Suprema Corte. Afinal, além do fato de que o parágrafo único do art. 116 do CTN ainda precisa ser regulamentado, a distribuição desproporcional de lucros é um instrumento legítimo, previsto na legislação brasileira, o que demonstra que a autuação do fisco paulista também não deveria ser mantida neste ponto.

 À luz das questões suscitadas, evidencia-se que o posicionamento adotado pelo TJ/SP representa significativo fator de instabilidade jurídica no âmbito empresarial, especialmente no que concerne à autonomia privada e ao planejamento societário e sucessório, demandando especial cautela por parte dos agentes econômicos na estruturação de suas operações empresariais e familiares.

Neste contexto, afigura-se imprescindível que as sociedades empresárias procedam à constante reavaliação de suas estruturas societárias, sucessórias, bem como de seus mecanismos de governança corporativa, com particular ênfase nos critérios atinentes à distribuição de lucros, mediante assessoramento técnico-jurídico especializado, com vistas à implementação de salvaguardas documentais e procedimentais, mitigando, assim, eventuais questionamentos por parte das autoridades fazendárias.

Dailson Santos

Dailson Santos

Advogado tributarista | Sócio na Limiro, Saliba & Lôbo Advogados | Planejamento Tributário e Contencioso Fiscal | Pós-graduando em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo-USP | Escritor.

Diogo Rios

Diogo Rios

Advogado Tributarista – OAB/GO 64.100 | Sócio na Limiro, Saliba e Lôbo Advogados | Especialista em Direito Tributário | Societário | Planejamento Patrimonial e Sucessório | Tributário aplicado à Saúde

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