A urgência de uma visão interdisciplinar da violência policial   Migalhas
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A urgência de uma visão interdisciplinar da violência policial – Migalhas

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A redução da letalidade policial é tema discutido há tempos no Brasil, mas ganha novos contornos pelos massacres e execuções ocorridos nos últimos tempos, além da pauta jurídica em torno dos direitos humanos debatida no STF na ADPF 635.

O tema em discussão não é de agora, nem exclusivo em terras brasileiras. Nos EUA, por exemplo, os gastos são exorbitantes. A violência policial de um lado e os direitos humanos de outro fazem parte de uma dicotomia que permeia os Estados modernos, todavia, situações fáticas ocorridas nos últimos tempos têm aflorado um acalorado debate em torno do tema, como a morte de George Floyd nos Estados Unidos as operações altamente letais do Rio de Janeiro,e o atual caos social das operações policiais de São Paulo (Calcula-se que mais de 50 organizações e movimentos da sociedade civil, grupos periféricos e de defesa dos direitos humanos e grupos familiares de vítimas de violência policial encaminharam um documento à OEA – Organização dos Estados Americanos denunciando o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e seu secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, pelo aumento da violência policial no Estado paulista).

Equalizar os polos não é tarefa fácil, visto que o problema é complexo, interdisciplinar e envolve questões culturais, institucionais, econômicas, sociais e jurídicas. Temas correlatos como pobreza, desigualdade social, militarização e estrutura das policias, organização interna e hierarquia do sistema de segurança pública, prevenção primária, secundária e terciária, somado ao uso seletivo do Direito Penal em um sistema de capital e trabalho promovem uma mistura explosiva, politizada e polarizada com foco em interesses de classe e sobretudo eleitorais, deixando a tecnicidade e operacional resolutiva em segundo plano. Soluções criadas em caixas estanques e pulverizadas em redes sociais por militantes em nada contribuem para a solução do problema, pelo contrário, só acirram a discussão sem qualquer critério técnico e prejudicam o maior aliado para o combate à violência, que é o diálogo. Diálogo que é praticamente inexistente, já que no Brasil a falácia ancorada em um Direito Penal simbólico que supostamente se aplicaria para todos sem distinção é um engodo, pois estamos longe de ter igualdade, ao analisar os “clientes” do sistema do sistema penal e da violência policial.

O Direito Penal e seu processo é em si uma violência, mas uma violência institucionalizada e, ao menos em tese, medida em critérios da racionalidade, uma vez que objetiva equilibrar de um lado o direito a punição do Estado e de outro o direito de liberdade do cidadão. Contudo, na prática, essa racionalidade se esvai, já que a polícia como agência executiva da lei que vem a realizar a primeira etapa de seleção de quem vai para o sistema, promove um processo seletivo por etiquetamento, rotulação e estereótipo,e com a ”ajuda” da militância que se instalou na internet criando no inconsciente coletivo um criminoso modelo.

Esse modelo de criminoso é transformado em inimigo do Estado, que escondido na palavra “guerra” pode fazer tudo para combatê-lo, ou seja, a violência policial recebe uma espécie de ”averbação popular”, uma espécie de discurso oficial de justificação que reverbera no imaginário popular, muitas vezes se transformando em uma bandeira partidária. Na verdade, esse estereótipo do criminoso pobre, negro que mora na periferia como o “elemento” a ser combatido, vez que é o inimigo número um do Estado, a violência policial contra ele praticada é tolerada, escancarada e justificada por uma militarização de uma política de segurança pública que somente se preocupa com a repressão e olvida a prevenção.

Mariana da Silva Cotta

Mariana da Silva Cotta

Graduada em Direito pela Uniprocessus Brasilia-DF. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Paulista de DIreito (SP,2024)

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