Reurb de parcelamento antigo (Reurb inominada)   Migalhas
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Reurb de parcelamento antigo (Reurb inominada) – Migalhas

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A lei 13.465/17 preservou um procedimento especial de regularização fundiária que já estava previsto no antigo Programa Minha Casa, Minha Vida (lei 11.977/09), isto é, a regularização de parcelamento antigo (Reurb de parcelamento antigo), assim compreendido os loteamentos e desmembramentos, além dos desdobros, condomínios de casas e condomínios de lotes implantados antes de 19/12/1979, data de promulgação da lei 6.766/1979 (lei de parcelamento do solo urbano).

Esse procedimento é conhecido por alguns autores como “Reurb inominada” ou “Reurb-i”. Acontece que o legislador não usou essas denominações. A melhor forma de identificar esse procedimento especial é usando o texto previsto no caput, do art. 69, da lei 13.465/17, para denominá-lo como regularização de “glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19 de dezembro de 1979.”

1. Regularização de “parcelamento do solo”  implantado antes da lei 6.766/1979

No art. 69 da lei 13.465/17 há um “procedimento especial” destinado à regularização de glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19/12/1979. A norma do art. 69 nos apresenta quatro elementos determinantes: a) glebas parceladas para fins urbanos; b) anteriores a 19/12/1979; c) sem registro imobiliário; d) implantado e integrado à cidade.

As glebas parceladas são os loteamentos e desmembramentos, incluindo-se nesse conceito os desdobros, condomínios de casas e condomínios de lotes, resultado da divisão de um terreno (gleba) em diversas unidades imobiliárias, destinadas a ocupação humana e edificação, com finalidade urbana (moradia, comércio, serviços, indústria, recreação, lazer, prédios institucionais). Não estão nesse conceito os terrenos públicos ou particulares objeto de invasão, sem participação ativa do proprietário do terreno na divisão e alienação das unidades imobiliárias.

É necessário que essas glebas parceladas sejam anteriores a 19/12/1979, que é a data de promulgação da lei 6.766/1979 (lei de parcelamento do solo urbano). Para as glebas parceladas e implantadas posteriormente a 19/12/1979, adota-se o procedimento comum às demais regularizações fundiárias, previsto na lei 13.465/17. Desse modo, para os parcelamentos implantados anteriormente a 19/12/1979, aplica-se o procedimento especial de regularização, enquanto para os parcelamentos implantados posteriormente a 19/12/1979 deve ser adotado o procedimento comum.

O parcelamento do solo para admitir a regularização com fundamento no art. 69, da lei 13.465/17 não pode possuir o registro imobiliário no Cartório de Imóveis. Mesmo se estiver aprovado pelo município, mas ainda não registrado, será admitida a regularização. Se já possuir o registro, poderá ser regularizado de outras formas: a) como parcelamento irregular, se não possui os equipamentos urbanos e comunitários; ou b) como Reurb simplificada, se já possui os equipamentos urbanos e comunitários, mas com problemas na titulação dos ocupantes.

O parcelamento implantado e integrado à cidade é aquele que foi estabelecido no ordenamento urbanístico, com a demarcação das unidades imobiliárias, sua alienação e ocupação pelos adquirentes, com a construção de edificações particulares e a execução dos equipamentos urbanos e comunitários, de modo que esteja incorporado ao meio ambiente urbano, impossível de ser desfeito, sob pena de produzir consequências sociais e jurídicas aos seus ocupantes1.

Explica Paola de Castro Ribeiro Macedo que esse procedimento especial é uma via expressa da regularização em que o núcleo será legalizado, em tese, apenas sob o aspecto jurídico, sem qualquer intervenção nas condições urbanísticas e ambientais do local.2 Um dos fundamentos da regularização fundiária urbana é a legalização dos aspectos sociais, ambientais e urbanísticos. No procedimento especial do art. 69 da lei 13.465/17, o objetivo único é a solução fundiária, com a devida especialização do parcelamento, descrevendo tecnicamente o empreendimento e identificando o ocupante titular da unidade imobiliária para a imediata abertura das matrículas individuais dos terrenos particulares e das áreas destinadas ao domínio público.

2. Fundamento legal

As glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19/12/1979 que não possuírem registro poderão ter sua situação jurídica regularizada mediante o registro do parcelamento, desde que esteja implantado e integrado à cidade, podendo, para tanto, utilizar-se dos instrumentos previstos para a regularização fundiária urbana. É isso que estabelece o art. 69 da lei 13.465/17, que autoriza aplicar as normas sobre regularização fundiária nos parcelamentos do solo urbano implantados e consolidados antes da entrada em vigor da lei 6.766/1979. Essa norma simplesmente transcreve a disposição já contida no art. 71 da lei 11.977/09 (o antigo Programa Minha Casa, Minha Vida), revogado pela lei 13.465/17.

Os parcelamentos do solo urbano anteriores à lei 6.766/1979 eram regidos pelo decreto-lei 58/1937, posteriormente complementado pelas normas do decreto-lei 271/1967. Esses atos normativos não estabeleciam a infraestrutura e nem o percentual de áreas públicas, mas exigiam um plano de loteamento, com a indicação das vias de comunicação, espaços livres, áreas para edifícios públicos e equipamentos urbanos.

O legislador contemporâneo entendeu que seria mais eficiente facilitar a regularização desses parcelamentos antigos, fazendo constar, inclusive na lei de registros públicos, que a regularização será independentemente da apresentação de um projeto de regularização fundiária, sendo suficiente uma certidão da prefeitura que declare a sua existência e implantação anterior a 19/12/1979.

Nas urbanizações anteriores à lei 6.766/1979, o município está diante de situações consolidadas (ruas abertas, quadras e lotes, totalmente ocupados), tornando-se impossível, com sua atuação regularizadora, promover o suprimento de qualquer falta material (ruas com largura menor, lotes com áreas mínimas inferiores à legal, áreas de uso público menores que a exigida por lei), a não ser mediante altos custos. Sua atuação cinge-se, portanto, à adoção de medidas para legitimar o existente. A dispensa desse procedimento é consequência de um fato simples: o loteamento ou o desmembramento irregular já foi executado e os lotes, compromissados, de tal forma que não se busca prevenir futuros prejuízos, mas reparar as faltas antes cometidas. A regularização seria inatingível se visasse suprir as falhas deixadas pelo parcelador e atender a tudo o que exige a atual lei do parcelamento do solo urbano.3 Ademais, os parcelamentos do solo implantados antes da lei 6.766/1979 não podem ser submetidos às normas de uma lei que é superveniente a existência desses empreendimentos. Deve-se aplicar apenas a legislação que já existia na época em que foram instalados esses loteamentos, desmembramentos, desdobros, condomínios de casas e condomínios de lotes.

A regularização pode envolver a totalidade ou parcelas da gleba. Tal como estabelece o §2º, do art. 36, da lei 13.465/17, a Reurb pode ser implementada por etapas, abrangendo o núcleo urbano informal de forma total ou parcial. Isso significa que os interessados ou o município podem optar em regularizar o perímetro total do parcelamento do solo ou apenas algumas quadras. Quando o legislador fala em realizar por etapas, significa que poderá regularizar uma parte do empreendimento, para que depois e sucessivamente solucione as demais partes. Grandes empreendimentos envolvem gastos maiores com desenhos, memoriais descritivos e levantamentos de dados sociais dos ocupantes, o que justifica desenvolver a regularização por etapas.

3. Documentação

De acordo com o §1º, do art. 69, da lei 13.465/17, o interessado deverá requerer ao oficial do Cartório de Registro de Imóveis a efetivação do registro do parcelamento, munido dos seguintes documentos:

  • Planta da área em regularização assinada pelo interessado responsável pela regularização e por profissional legalmente habilitado, acompanhada da ART – Anotação de Responsabilidade Técnica no Crea – Conselho Regional de Engenharia e Agronomia ou de RRT – Registro de Responsabilidade Técnica no CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo, contendo o perímetro da área a ser regularizada e as subdivisões das quadras, lotes e áreas públicas, com as dimensões e a numeração dos lotes, logradouros, espaços livres e outras áreas com destinação específica, se for o caso, dispensada a ART ou o RRT quando o responsável técnico for servidor ou empregado público;
  • Descrição técnica do perímetro da área a ser regularizada, dos lotes, das áreas públicas e de outras áreas com destinação específica, quando for o caso;
  • Documento expedido pelo município atestando que o parcelamento foi implantado antes de 19/12/1979 e que está integrado à cidade;
  • Listagem com os nomes dos ocupantes e com a respectiva indicação das unidades imobiliárias ocupadas, para reconhecimento do direito real sobre elas.
  • A apresentação dessa documentação dispensa a apresentação do projeto de regularização fundiária, de estudo técnico ambiental, de CRF – Certidão de Regularização Fundiária ou de quaisquer outras manifestações, aprovações, licenças ou alvarás emitidos pelos órgãos públicos (art. 69, §2º, da lei 13.465/17).

    4. Procedimento administrativo

    A Reurb de parcelamento antigo exige a instauração do procedimento administrativo de regularização fundiária semelhante as demais regularizações, mas dispensa o projeto de regularização fundiária e a CRF – Certidão de Regularização Fundiária.

    O procedimento será desenvolvido nas seguintes fases: a) requerimento; b) decisão instaurando a Reurb; c) notificações e impugnações; d) projeto contendo os desenhos e os memorias descritos da gleba e das unidades imobiliárias; e) listagem dos ocupantes e suas respectivas unidades; f) saneamento do processo; g) decisão; h) certidão municipal atestando que o parcelamento é anterior a 19/12/1979; i) registro.

    A Reurb de parcelamento antigo é um procedimento especial de regularização. Conforme previsto no §2º, do art. 69 da lei 13.465/17, não será apresentado o projeto de regularização fundiária e nem o CRF – Certificado de Regularização Fundiária, os quais serão substituídos pelo projeto com desenhos e memoriais e pela certidão municipal atestando a implantação do parcelamento antes de 19/12/1979.

    Embora a norma do §2º, do art. 69 da lei 13.465/17, disponha literalmente que estão dispensadas as “manifestações, aprovações, licenças ou alvarás emitidos pelos órgãos públicos”, tenho o entendimento que é impossível o município dentro do seu poder-dever de promover o licenciamento urbanístico simplesmente emitir uma certidão atestando a época de implantação do parcelamento sem que ao menos seja instaurado um procedimento administrativo e realizada a análise e aprovação do projeto com os desenhos e memoriais para somente depois ser emitida a declaração que atesta a existência do parcelamento antes de 19/12/1979. Já em relação ao licenciamento ambiental, não há razão para exigi-lo porque os parcelamentos instalados antes de 19/12/1979 não estavam submetidos a essa obrigação, pois esse tipo de licença somente foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro a partir da lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente). O que deverá ser providenciado, conforme o caso, é a aprovação ambiental, prevista na lei 13.465/17 para as regularizações fundiárias, especialmente em relação aos parcelamentos instalados em áreas de preservação permanente ou unidade de conservação de uso sustentável.

    5. Necessidade de lei municipal

    Para esses parcelamentos antigos, anteriores à 19/12/1979, podem ser adotadas as mesmas normas pertinentes a regularização fundiária urbana. Disso decorre a aplicação do que estabelece o art. 28, parágrafo único, da lei 13.465/17, segundo o qual a inexistência de lei municipal ou distrital que disponha sobre medidas ou posturas relativas à regularização fundiária urbana não constitui fator impeditivo à instauração da regularização fundiária. A Reurb de parcelamento antigo, assim como as demais regularizações, independe de lei municipal.

    No entanto, será necessária uma lei municipal caso haja interesse público na regularização das edificações reduzindo ou eliminando alguns índices urbanísticos previstos na legislação municipal, tais como a área mínima dos lotes, os recuos laterais e frontais, o alinhamento do terreno, a altura da edificação, o uso residencial ou comercial, o prévio recolhimento de tributos ou até mesmo a definição do que é população de baixa renda, a infraestrutura essencial, os equipamentos comunitários, o órgão responsável pela regularização e a definição das dotações orçamentárias.

    Outra hipótese em que será exigida uma lei municipal é a referente ao lançamento do IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano das unidades imobiliárias do parcelamento do solo localizado em zona rural. A lei 13.465/17 mencionou que a localização de núcleos urbanos situados em zona rural não é um fator que impede o procedimento de regularização e que a alteração dos cadastros Federais seria requerida pelo próprio oficial de Cartório de Imóveis no registro do parcelamento. Todavia, para fins de lançamento do imposto do imóvel é necessário dar cumprimento ao art. 32, do CTN, que exige lei incluindo o terreno em zona urbana ou de expansão urbana.

    6. Órgão regularizador

    Dentro da estrutura administrativa municipal é fundamental que se defina, com clareza, qual será o órgão administrativo responsável pela aprovação e regularização dos projetos de parcelamento do solo urbano.

    7. Recursos orçamentários

    Diante das normas contidas na LC 101/00 (lei de responsabilidade fiscal), é fundamental aos agentes públicos planejar e executar o orçamento dentro da mais estrita legalidade. A regularização de um loteamento ou desmembramento pode ensejar despesas, desde o pagamento de certidões nos Cartórios até a execução de obras públicas destinadas a infraestrutura essencial, equipamentos comunitários e melhorias habitacionais.

    Embora o art. 69, da lei 13.465/17 dispense o projeto de regularização nos parcelamentos anteriores a 19/12/1979 e, consequentemente, dispense o projeto e o cronograma de execução das obras de infraestrutura, pode ser que em função do interesse público o município exija ou providencie essa infraestrutura essencial, conforme as responsabilidades legais a serem apuradas na forma da lei.

    8. Mudança da qualificação urbanística de zona rural para zona urbana

    O que se aplica em relação aos demais procedimentos de regularização fundiária urbana se aplica nas regularizações dos parcelamentos antigos, anteriores à lei 6.766/1979. Dessa forma, a localização do parcelamento em zona rural não é obstáculo a análise, aprovação e registro do projeto de regularização fundiária.

    É o próprio oficial de Cartório de Registro de Imóveis quem vai oficiar o Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária para que este promova as alterações cadastrais.

    Dentro do adequado planejamento, nada impede que o município promova imediatamente as alterações na legislação local, para incluir a área ocupada pelo parcelamento em zona urbana, de expansão urbana ou de urbanização específica, pois é obrigação do gestor público providenciar o lançamento do IPTU – Imposto Predial Territorial e Urbano e o art. 32 do CTN exige lei municipal que inclua no perímetro urbano o terreno a ser tributado.

    9. Necessidade de infraestrutura urbana

    O art. 69, caput, da lei 13.465/17, previu a possibilidade de serem utilizados os instrumentos previstos na própria lei para a regularização da situação jurídica de parcelamento anterior a 19/12/1979.

    Pelo art. 70, da lei 13.465/17, na Reurb não se aplicam as disposições da lei 6.766/1979, com algumas exceções. Por essa razão, o art. 69 da lei 13.465/17 dispõe que as glebas parceladas antes de 19/12/1979 terão sua situação jurídica regularizada por meio de um procedimento especial, diferenciado, com a simples apresentação de planta, memoriais e declaração do município, dispensada a apresentação de projeto de regularização fundiária, de estudo técnico ambiental, de CRF – Certidão de Regularização Fundiária ou de quaisquer outras manifestações, aprovações, licenças ou alvarás emitidos pelos órgãos públicos. Em resumo, para as glebas parceladas antes de 19/12/1979 serão dispensados: a) projeto de regularização fundiária; b) estudo técnico ambiental; c) Certidão de Regularização Fundiária; d) manifestações, aprovações, licenças ou alvarás.

    A consequência lógica de dispensar a apresentação do projeto de regularização fundiária e da CRF – Certidão de Regularização Fundiária seria reconhecer o parcelamento da forma como está, a situação de fato, consolidada. Isso poderia resultar na interpretação de que não seria exigida a execução da infraestrutura essencial como um componente obrigatório para que o parcelamento fosse regularizado e registrado. Contudo, seria uma interpretação equivocada, porque o art. 69, da lei 13.465/17, impôs como requisito para a Reurb de parcelamento antigo que ele esteja “implantado e integrado à cidade”, o que significa dizer que o parcelamento precisa apresentar a urbanização exigida pela legislação da época em que foi instalado. É essa a razão para o legislador ter afastado o projeto de regularização fundiária, já que não precisaria de estudo preliminar da situação urbanística, da indicação das obras de infraestrutura e seu respectivo cronograma. A urbanização já existe, o parcelamento está implantado.

    Mesmo os parcelamentos anteriores à lei 6.766/1979 não estão isentos de possuir a urbanização da gleba, pois os equipamentos urbanos passaram a ser exigidos por força do art. 4º, do decreto-lei 271/1967.

    Apesar do legislador ter previsto no art. 70, da lei 13.465/17 que a lei 6.766/1979 não será aplicada para fins de regularização fundiária, devemos reconhecer que a legislação Federal e municipal da época de implantação do parcelamento deve ser aplicada, chamando o responsável pelo parcelamento clandestino ou irregular ao cumprimento das obrigações legais. Reforça esse entendimento o que estabelece o art. 14, §2º, da lei 13.465/17, segundo o qual nos casos de parcelamento do solo, de conjunto habitacional ou de condomínio informal, empreendidos por particular, a conclusão da regularização confere direito de regresso àqueles que suportarem os seus custos e obrigações contra os responsáveis pela implantação dos núcleos urbanos informais. É significante ressaltarmos que os arts. 37 e 38, da lei 13.465/17 exigem a infraestrutura na regularização fundiária. Embora aqui estejamos diante de um procedimento especial, o que o legislador afastou foi a aplicação da lei 6.766/1979, afirmando que se seriam aplicáveis aos parcelamentos antigos as normas de regularização fundiária. Há outra questão, a de Direito Privado, que envolve as relações de Direito do Consumidor, porque ao alienar as unidades imobiliárias aos ocupantes-adquirentes, o loteador sabia, porque a lei é pública, que os equipamentos urbanos eram exigidos pelo art. 4º, do decreto-lei 271/1967.

    É comum alguns municípios alegarem que antes da lei 6.766/1979 seus ordenamentos municipais eram omissos acerca da exigência de infraestrutura para implantação de parcelamento do solo urbano. Acontece que mesmo nesses casos, devemos enfatizar que o art. 4º, do decreto-lei 271/1967 exigia que os “equipamentos urbanos”, isto é, as obras de infraestrutura, fossem incorporados ao domínio público, o que os torna obrigatórios.

    10. Necessidade de áreas públicas

    A exigência de áreas públicas para aprovação de projeto de loteamento decorre do que estabelecem os arts. 4º, 17 e 22, da lei 6.766/1979. Além dos loteamentos, a doutrina vem de forma unânime apontando pela necessidade de reserva de áreas públicas para aprovação de condomínios de casas e condomínios de lotes. Não há, porém, exigência em legislação Federal de áreas públicas nos desmembramentos e nos desdobros. Daí porque é preciso conferir qual a categoria de parcelamento do solo que é objeto de regularização para identificar se as áreas públicas são obrigatórias.

    O art. 70, da lei 13.465/174, afasta da regularização fundiária urbana a aplicação da lei 6.766/1979, norma esta onde estão previstas as áreas públicas. No entanto, os arts; 37 e 38 da lei 13.465/17 mencionam os “equipamentos comunitários” como um dos elementos que compõem a concretização da regularização fundiária. Se por um lado afasta a lei 6.766/1979, por outro lado continua exigindo os equipamentos comunitários, conceituados como os equipamentos públicos destinados à educação, cultura, saúde, lazer e similares. É por isso que devemos afirmar que a exigência de áreas públicas não está afastada pelo legislador.

    A legislação Federal anterior a lei 6.766/1979 deve ser observada na regularização do parcelamento antigo porque ela exigia áreas públicas. O decreto-lei 57/1938 e o decreto-lei 271/1967 chamavam as áreas destinadas ao uso público de espaços livres, vias públicas de comunicação, praças, áreas destinadas a edifícios públicos. Os espaços livres, como nos ensina Pontes de Miranda, o maior jurista brasileiro, são as praças. As vias de comunicação nada mais são que o sistema viário, ruas, avenidas, travessas e passeios públicos, porque as cidades devem ser feitas para todos, para os carros e para as pessoas.

    Tudo isso deve ser exigido do loteador, na quantidade exigida na lei municipal da época em que foi implantado o loteamento ilegal. Mesmo não havendo lei municipal definindo esse percentual, deve-se exigir o mínimo, ou seja, as áreas públicas suficientes para que todos os lotes tenham frente para uma rua e que estas sejam adequadas à circulação da população local, as áreas necessárias para a instalação da infraestrutura essencial e área para instalação dos espaços livres (praças e jardins).

    Se não existirem áreas disponíveis no terreno, o loteador deverá ressarcir em área equivalente ou em indenização equivalente ao valor da área pública potencialmente exigida em cada município, na época de implantação do parcelamento ilegal. Aliás, é isso o que determina o art. 14, §3º, da lei 13.465/17, ao estabelecer que o requerimento de instauração da regularização por proprietários, loteadores e incorporadores que tenham dado causa à formação de núcleos urbanos informais, ou os seus sucessores, não os eximirá de responsabilidades administrativa, civil ou criminal.

    A ausência de áreas destinadas ao uso público não poderá resultar na aplicação do art. 43, parágrafo único, da lei 6.766/1979, que exige o ressarcimento em dobro das áreas públicas, porque além dessa norma ser posterior à implantação do loteamento, tal como já decidiu o TJ/SP, o art. 70, da lei 13.465/17 afastou a aplicação do art. 43, da lei 6.766/1979 para fins de regularização fundiária.

    Embora o art. 69, da lei 13.465/17, exija que o parcelamento esteja implantado e integrado à cidade, isto é, com os equipamentos comunitários executados, a ausência de áreas públicas suficientes não significa que o município deixará de regularizar o parcelamento antigo, já que o art. 11, §1º, da lei 13.465/17, permite que os municípios dispensem as exigências relativas ao percentual e às dimensões de áreas destinadas ao uso público ou ao tamanho dos lotes regularizados, assim como a outros parâmetros urbanísticos e edilícios. Norma idêntica já existia na lei 11.977/09. Essa dispensa recomendamos que seja realizada por lei municipal, garantindo segurança jurídica a decisão administrativa. Mas o art. 11, §1º, da lei 13.465/17, está dispensando essas áreas do desenho e dos memoriais, isto é, do projeto, mas não está perdoando ou anistiando o loteador por ter deixado de reservar essas áreas públicas, porque ele as vendeu como lotes particulares. Isso não afasta a responsabilidade do loteador, devendo o município exigir dele as áreas públicas em outro local ou a indenização correspondente ao valor do imóvel. A arguição de eventual prescrição, com base no art. 205 do CC5, não prospera, porque a ausência dos equipamentos comunitários é um dano à ordem urbanística de caráter permanente, assim como acontece quando falta a infraestrutura urbana, porque a omissão do loteador não se consuma no tempo, e a todo instante a inexistência dos equipamentos públicos obrigatórios impõe um prejuízo gravíssimo as demandas da comunidade pelos serviços sociais que seriam prestados pelo município se as áreas públicas lá estivessem, tornando imprescritível a ação do Poder Público para recuperar o seu prejuízo.

    11. Necessidade de cumprimento das normas de registro especial previstas no art. 18 da lei 6.766/1979

    O art. 18 da lei 6.766/1979 estabelece as normas sobre o “registro especial” do parcelamento do solo urbano, tal como as certidões negativas de tributos Federais, estaduais e municipais e as certidões negativas de ações reais referentes a gleba parcelada.

    Acontece que o art. 70 da lei 13.465/17 não exige a aplicação da lei 6.766/1979 na regularização de núcleo urbano informal consolidado e nos parcelamentos implantados e consolidados antes de 19/12/1979. Por isso, o art. 18 da lei 6.766/1979 não deve ser aplicado.

    12. Titulação dos ocupantes na Reurb de parcelamento antigo

    A titulação de domínio dos ocupantes de lotes em glebas parceladas antes de 19/12/1979 deve-se valer das mesmas disposições aplicáveis aos núcleos urbanos informais consolidados, admitindo-se além dos contratos de compra e venda com prova de quitação, a legitimação fundiária ou a legitimação de posse.

    13. Regularização fundiária de loteamentos e desmembramentos em áreas de preservação permanente, reservatórios artificiais de água e unidades de conservação

    O art. 69, da lei 13.465/17, autoriza a aplicação das disposições relativas à regularização fundiária urbana aos parcelamentos implantados e consolidados antes da lei 6.766/1979. Daí por que é possível regularizar parcelamento antigo implantado sobre áreas de preservação permanente. A regularização em áreas de preservação permanente às margens de reservatórios artificiais de água ou a regularização em unidades de conservação de uso sustentável poderão se valer das disposições da Reurb, instituída pela lei 13.465/17.

    ___________

    1 SABINO, Jamilson Lisboa. Tratado de Regularização Fundiária Urbana. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2025.

    2 MACEDO, Paola de Castro Oliveira. Regularização Fundiária Urbana e seus Mecanismos de Titulação dos Ocupantes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

    3 GASPARINI, Diógenes. Regularização de Loteamento e Desmembramento. Fundação Prefeito Faria Lima. CEPAM.

    4 Lei nº 13.465/2017: Art. 70. As disposições da Lei nº 6.766/1979, não se aplicam à Reurb, exceto quanto ao disposto nos artigos 37, 38, 39, no caput e nos §§1º, 2º, 3º e 4º do art. 40 e nos artigos 41, 42, 44, 47, 48, 49, 50, 51 e 52 da referida Lei.

    5 Código Civil: Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

    Jamilson Lisboa Sabino

    Jamilson Lisboa Sabino

    Mestre e Doutor pela PUC São Paulo. Autor, dentre outros livros, do Tratado de Regularização Fundiária Urbana (Editora Forum) e do Tratado sobre Parcelamento do Solo Urbano (Editora Lumen Juris).

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