Como a inteligência artificial está mudando o mercado   Migalhas
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A inteligência artificial, o aprendizado de máquina e a telemática têm causado impactos que vão além dos mais visíveis, ou seja, fazem muito mais do que simplesmente automatizar, afetando diretamente a produção e a distribuição de bens e serviços.

O que antes era um processo linear e constante de produção industrial e comercialização, agora se tornou um ecossistema interconectado em que algoritmos otimizam estoques, reajustam preços em tempo real e até mesmo criam novos produtos com base na análise preditiva do comportamento do consumidor.

Esse novo paradigma se aproxima do construcionismo sistêmico, que enfatiza a construção contínua do conhecimento e da realidade a partir das interações e interdependências entre diferentes elementos de um sistema.

No contexto tecnológico, o construcionismo sistêmico sugere que os avanços não ocorrem isoladamente, mas sim em um ambiente dinâmico, onde a IA e o aprendizado de máquina, além de executar funções, também aprendem e remodelam os próprios sistemas em que estão inseridos.

Como a digitalização otimiza a produção?

A digitalização dos processos produtivos está no centro dessa mudança. Um exemplo é a parceria entre a Telefónica e a Siemens na Espanha, que visa modernizar a indústria através da IoT – Internet das Coisas, redes 5G e IA.

Esse projeto vai além da simples automação de tarefas, ele propõe um ecossistema de produção inteligente, no qual as fábricas se tornam mais autônomas e preditivas. Com o uso de gêmeos digitais – versões virtuais detalhadas das linhas de produção -, é possível simular cenários, testar variações e corrigir falhas antes mesmo que ocorram no mundo real. 

Isso se traduz em menos desperdício, menos paralisações inesperadas e um fluxo de produção mais eficiente, reduzindo custos e aumentando a competitividade. Para um setor acostumado a operar com previsibilidade rígida, essa flexibilidade representa uma alteração impactante na forma de produzir.

Outro exemplo vem de uma área improvável: a indústria da madeira. Tradicionalmente vista como uma área mais artesanal e de menor adoção tecnológica, essa indústria agora está sendo transformada pela computação cognitiva. Empresas do setor estão utilizando algoritmos avançados para prever tendências de consumo, ajustar a produção conforme a demanda e antecipar falhas em máquinas. 

Como consequência, a indústria opera de maneira mais funcional e sustentável, com menos desperdício de matéria-prima e custos reduzidos. Mas a mudança mais interessante está na função dos trabalhadores. Antes responsáveis por atividades mecânicas repetitivas, agora eles assumem atividades mais estratégicas, operando sistemas, examinando dados e tomando decisões. Ao invés de serem trocados pela tecnologia, estão sendo realocados para áreas onde sua experiência e criatividade agregam ainda mais valor.

O impacto da automação no mercado de trabalho

A substituição de empregos por máquinas é uma preocupação legítima, principalmente para setores com tarefas padronizadas e previsíveis. No entanto, a inteligência artificial não deve ser vista como substituta de pessoas, afinal ela também cria novas demandas, impulsiona a produtividade e redefine a forma como trabalhamos. A questão central não é se essas mudanças acontecerão, mas como nos adaptaremos a elas.

Desde a Revolução Industrial, o medo da substituição dos trabalhadores por máquinas acompanha os avanços. O que diferencia a IA e a automação atual é que elas não impactam somente funções manuais, mas também aquelas que exigem análise, julgamento e até a criatividade.

Sistemas inteligentes já conseguem redigir textos complexos, interpretar exames médicos, prever tendências de mercado e até mesmo criar peças publicitárias personalizadas. Dessa forma, não são apenas cargos operacionais que correm o risco de desaparecer, mas também algumas áreas profissionais tradicionalmente intelectuais, como o atendimento ao cliente, a advocacia e até mesmo o jornalismo.

Ao mesmo tempo, novas funções estão surgindo. A demanda por especialistas em ciência de dados, cibersegurança, manutenção de robôs e desenvolvimento da computação cognitiva cresce a cada dia. Enquanto isso, empresas que investem na integração entre humanos e máquinas estão se destacando, pois percebem que a tecnologia, quando bem utilizada, não elimina empregos – ela os transforma.

O desafio para os trabalhadores não é competir com a inovação, mas aprender a atuar junto dela. Especialistas que souberem interpretar com perspicácia, manusear ferramentas sistematizadas e desenvolver habilidades criativas terão mais espaço nesse novo cenário.

No entanto, a transição não acontece de forma equilibrada para todos. Ramos menos qualificados têm maior probabilidade de serem afetados negativamente, pois muitos profissionais podem não ter acesso a requalificação ou tempo para se adaptar às novas exigências do mercado. A desigualdade digital se torna um problema crescente: quem tem acesso à tecnologia e à educação tem mais chances de prosperar, enquanto quem não consegue acompanhar essas evoluções pode sofrer consequências negativas.

Diante disso, governos e instituições ao redor do mundo estão tentando equilibrar modernização e proteção social. A União Europeia, por exemplo, já discute regulações que evitem o uso irresponsável da IA e garantam que os profissionais não sejam prejudicados por essa revolução. O dilema, no entanto, é delicado: regras excessivamente rígidas podem frear a inovação e fazer com que organizações busquem países com legislações mais flexíveis, enquanto um ordenamento muito brando pode resultar em desemprego em massa e concentração de riqueza.

A verdade é que não há um caminho único ou uma solução simples. A automação continuará avançando, independentemente das tentativas de freá-la. O que pode fazer a diferença é como as empresas, governos e trabalhadores encaram essa nova realidade.

Inteligência artificial na advocacia

A área do Direito, historicamente reativa, baseada em precedentes e respostas a problemas já instaurados, está se tornando cada vez mais preditiva e direcionada.

Com a capacidade de revisar conteúdos legislativos em segundos, a inteligência artificial possibilita que advogados antecipem tendências, mapeiem riscos e façam escolhas com mais embasamento estatístico, e não apenas com intuição ou experiência. Se antes um defensor precisava passar horas analisando contratos ou comparando jurisprudências, hoje a computação cognitiva pode filtrar, cruzar informações e apontar padrões, dando mais tempo para que o profissional desenvolva funções como planejamento e negociações.

Essa inovação vai além da organização interna dos escritórios – ela está transformando a área normativa em um ambiente mais dinâmico, competitivo e orientado por dados. Com o suporte de IA, os juristas podem sistematizar procedimentos rotineiros, monitorar prazos com mais precisão e acessar conclusões que auxiliam na formulação de pareceres e na defesa de seus clientes.

Para empresas, isso significa que o jurídico deixa de ser apenas um setor de defesa e passa a ser uma ferramenta tática para os negócios. Questões como regulamentação, conformidade e planejamento tributário podem ser abordadas de maneira mais proativa, evitando litígios e protegendo interesses antes mesmo de uma complicação surgir.

Além disso, essas mudanças também impactam a relação entre defensores e clientes. Se antes o advogado era visto como um especialista consultado em momentos críticos, hoje ele pode atuar como um conselheiro estratégico contínuo, oferecendo diagnósticos e orientações embasadas não apenas na legislação, mas também em fatos concretos e tendências de mercado.

Riscos e responsabilidades do uso da IA

A advocacia atual já não existe mais sem tecnologia. Ela domina os escritórios devido à sua eficiência e às inúmeras possibilidades que oferece para gestão, qualidade e acessibilidade. No entanto, o uso de inovações como a inteligência artificial exige cuidados éticos e atenção à privacidade.

Muitos sistemas armazenam e processam as informações inseridas pelos usuários, o que levanta uma questão: as interações dos advogados com plataformas de IA comprometem o sigilo profissional?

Se um jurista utiliza um sistema como o ChatGPT para revisar um contrato ou redigir uma petição, as informações ali inseridas podem ser armazenadas pelo sistema e visualizadas por terceiros, mesmo que de forma não intencional. 

A LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados e outras diretrizes de proteção de informações exigem que os escritórios garantam que essas plataformas possuam níveis adequados de segurança e que nenhum conteúdo sensível de seus clientes seja exposto. O risco é real: qualquer negligência nesse sentido pode comprometer não apenas um caso específico, mas a reputação e a credibilidade do advogado.

Outro questão a ser observada é o funcionamento do aprendizado das soluções disruptivas, já que utilizam dados para se aprimorar. Quando esses conteúdos apresentam preconceitos, o sistema provavelmente os reproduzirá. No setor jurídico esse problema tem um peso significativo, pois pode favorecer ou desfavorecer determinados grupos sociais, perpetuando desigualdades.

E na prática, como isso pode acontecer? Se um advogado ou juiz se baseia cegamente na recomendação de um sistema sem questionar possíveis vieses, pode inadvertidamente chegar a resoluções discriminatórias, violando princípios fundamentais de equidade e justiça. A solução não está em abandonar a IA, mas em garantir que ela passe por auditorias constantes e seja monitorada por especialistas que compreendam suas limitações.

As regulamentações sobre o uso da inteligência artificial no Direito ainda estão em desenvolvimento em diversos países. Ou seja, muitas vezes não há diretrizes claras sobre até que ponto ela pode ser utilizada no exercício da advocacia. Os juristas que empregam a computação cognitiva precisam estar atentos às suas implicações legais e éticas. 

Se não houver uma legislação específica sobre determinado aspecto, o princípio básico deve ser o da prudência. O não cumprimento de normas emergentes pode resultar em consequências legais sérias.

O profissional do futuro no setor jurídico

No passado, dominar a legislação e a prática jurídica era suficiente para um advogado atuar com excelência. Hoje, a competência tecnológica se tornou uma exigência. Defensores não podem simplesmente ignorar as inovações – precisam entender seus benefícios, riscos e limitações, pois veredictos assistidos por inteligência artificial podem impactar diretamente os clientes.

Nos Estados Unidos, mais de 40 Estados já adotaram diretrizes que exigem que representantes legais estejam familiarizados com ferramentas relevantes. A Flórida foi além: determinou que, se um advogado não entender determinada tecnologia, ele deve buscar aconselhamento externo. Isso quer dizer que a IA não pode ser vista como um enigma incompreensível, mas sim como uma ferramenta que requer domínio, supervisão e responsabilidade por parte dos especialistas do Direito.

Essa transformação não se resume à adoção de novas ferramentas – ela exige uma mudança de mentalidade. O profissional do futuro precisará ir além do conhecimento jurídico, tornando-se um analista capaz de interpretar dados, antecipar riscos e usar as soluções disruptivas como aliadas para ampliar suas capacidades analíticas e decisórias.

O Direito está deixando de ser um campo reativo para se tornar um espaço de previsibilidade, genialidade e estratégia – e a inteligência artificial é o centro dessa evolução.

Eduardo Koetz

Eduardo Koetz

Eduardo Koetz é advogado, sócio-fundador da Koetz Advocacia e CEO do software jurídico ADVBOX . Especialista em tecnologia e gestão, ele também se destaca como palestrante em eventos jurídicos.

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