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1. Introdução
As medidas protetivas de urgência são instrumentos de proteção à mulher vulnerável vítima de violência doméstica e familiar. Tais ferramentas estão disciplinadas no art. 22 da lei 11.340/06, popularmente conhecida como lei Maria da Penha.
As protetivas configuram um ecossistema de proteção que tem por finalidade prevenir e reprimir a violência de gênero. As restrições preconizadas na lei sob comento são extensas e exemplificativas, e, quando presentes a hipótese de sua incidência, são aplicadas em até 48 horas pela autoridade judiciária.
A concessão das medidas protetivas tem como escopo a primazia da palavra da mulher que se autodeclara vítima de violência doméstica e familiar. No contexto da lei Maria da Penha, a palavra da vítima assume maior relevância, especialmente para o deferimento das medidas protetivas de urgência. A maior primazia da palavra da vítima é explicada em razão de os casos de violência doméstica ocorrerem geralmente no âmbito privado, dentro de quatro paredes, longe dos olhos de testemunhas. Além disso, a história nos mostra que as mulheres sempre representaram um grupo vulnerável, sofreram e sofrem com a violência de gênero, e esse déficit histórico foi a mola propulsora para a criação do Protocolo de Julgamento sob Perspectiva de Gênero, no âmbito do CNJ. Tal protocolo foi desenvolvido por um grupo de judiciosos profissionais multidisciplinares, tendo inicialmente vindo à lume por meio da recomendação 128/22, do CNJ, e posteriormente se transformado na resolução 492/23, do mesmo órgão. Atualmente, o protocolo é aplicado nos mais diversos processos em que se verifica a vulnerabilidade das mulheres.
2. Desenvolvimento
A prevalência da palavra da vítima no início das medidas protetivas haure seu fundamento de validade no longo histórico de violência e na dificuldade probatória da violência de gênero. É com base nessa premissa que se credita mais peso probatório à versão da mulher autodeclarada vítima de violência doméstica.
Outro fator que reforça a necessidade de outorga imediata de proteção à mulher vítima de violência de gênero está no princípio da precaução. Na dúvida, a proteção deve ser concedida, sob pena de a tutela ser ineficaz.
Em nossa atuação prática nos casos envolvendo a aplicação da lei Maria da Penha, temos refletido que o princípio da precaução não tem aplicação absoluta, cedendo espaço a outros valores igualmente importantes, dentre eles o direito individual de não sofrer restrições desarrazoadas pelo Estado ou suas instituições.
Para sustentar a nossa posição, faz-se necessário dividir o momento das medidas protetivas em fase postulatória e fase prorrogatória.
Conceder protetivas é diferente de prorrogá-las. Aplicar é o ato inicial solicitado pela vítima que pede pela primeira vez proteção ao se sentir em risco. Nesse momento, somos absolutamente concordes com a outorga da proteção fundada na versão da vítima. Vale aqui a máxima in dubio, pro proteção, baseado no princípio da precaução.
Diferentemente da concessão, a prorrogação pressupõe a existência de medidas protetivas anteriormente concedidas e vigentes há algum tempo. Na concessão, não é razoável exigir da vítima demonstração mínima da suposta violência doméstica, sob pena de frustração das finalidades da lei Maria da Penha. Todavia, na prorrogação, as protetivas estão vigentes há algum tempo, o que passa a fazer sentido exigir da vítima maiores evidências justificadoras da prorrogação. A cognição para conceder protetivas é mais rasa que para prorrogá-las. Não é possível ambas as entidades receberem o mesmo tratamento jurídico.
A diferença entre concessão e prorrogação tem total pertinência para os casos práticos, na medida em que todas as protetivas são, em essência, limitações a direitos fundamentais. Por serem limitações de direitos fundamentais, a prorrogação não pode permanecer vinculada e caudatária do desejo da mulher autodeclarada vítima. Toda prorrogação deve ser avaliada e somente imposta à vista de demonstração mínima tangível da existência de risco à vítima, caso contrário, a falta dessa demonstração objetiva não pode justificar a perenização das restrições a direitos fundamentais.
Vale lembrar que esse ensaio reflete a opinião deste subscritor, não encontrando (ainda) ressonância na jurisprudência. O entendimento prevalente é no sentido de que a vítima não precisa demonstrar o risco para solicitar a prorrogação, bastando apenas seu simples desejo.
Ademais, outro fundamento que pode ser adicionado refere-se à importância da consideração da vida pregressa do homem submetido às medidas protetivas. Defendemos que, se de um lado a versão unilateral da vítima se mostra um importante indicativo para a outorga da proteção (momento inicial), por outro lado defendemos que a vida pregressa do homem submetido às protetivas também deveria ser considerada.
A facilidade na obtenção de medidas protetivas pode ser um estímulo ao abuso, tendo em vista que tudo que é fácil de ser obtido tende a ser abusado. Exemplo dessa máxima é o que ocorre com o pedido de benefício previdenciário. Ora, por qual razão o INSS cria tantas camadas de dificuldades para conceder benefício previdenciário? Simples. Porque se fosse fácil obter o benefício, certamente o número de solicitações indevidas cresceria. Com as protetivas aplica-se a mesma lógica. Quanto mais simples a obtenção delas, maiores serão as chances de abuso.
3. Conclusão
Entendemos que a versão da vítima autoriza a concessão das protetivas, mas são insuficientes para embasar a prorrogação. Em caso de prorrogação, defendemos que o desejo da vítima, por si só, não basta para sustentar a continuação das restrições aos direitos fundamentais do homem submetido às medidas protetivas. No caso de prorrogação, cumpre ao juiz exigir comprovação mínima de risco, sem deixar de considerar a vida pregressa do homem alvo das restrições. Se o pedido de prorrogação vier desacompanhado de demonstração empírica, e se a vida pregressa do homem revelar-se positiva, a prorrogação das protetivas deve ser indeferida, em respeito aos direitos fundamentais.
Júlio Cesar Konkowski da Silva
Advogado, com atuação especializada e nacional na DEFESA NA LEI MARIA DA PENHA, com mais de 600 avaliações todas positivas no Google e mais de 2.500.000,00 milhões de visualizações nas redes sociais.