CompartilharComentarSiga-nos no A A
A EC 132/23 mudou o sistema tributário da CF/88. Para muitos analistas seria uma afronta ao pacto federativo, que é cláusula pétrea. É justamente contra os Estados que a nova sistemática afeta o indutor de desenvolvimento local, pois os Estados perderam um importante mecanismo de atração das empresas: os benefícios fiscais sob a arrecadação do ICMS. Os benefícios concedidos serão cumpridos, e aqueles que extrapolam o período de transição serão custeados pelo Fundo de Compensação, mas o incentivo fiscal não pode mais ser instrumento de atração de investimentos.
A reforma tributária tirou dos Estados essa possibilidade de incentivo através de renúncia tributária. Outro ponto muito importante é a inversão de quem tem direito ao produto da arrecadação. O IBS – Imposto Sobre Bens e Serviços é devido no destino, não na origem como ocorre hoje com o ICMS e o ISS.
1. O lugar do fato gerador na reforma tributária
Observemos a extensa redação dada pela LC 214 sobre:
Art. 11. Considera-se local da operação com:
I – bem móvel material, o local da entrega ou disponibilização do bem ao destinatário;
II – bem imóvel, bem móvel imaterial, inclusive direito, relacionado a bem imóvel, serviço prestado fisicamente sobre bem imóvel e serviço de administração e intermediação de bem imóvel, o local onde o imóvel estiver situado;
III – serviço prestado fisicamente sobre a pessoa física ou fruído presencialmente por pessoa física, o local da prestação do serviço;
IV – serviço de planejamento, organização e administração de feiras, exposições, congressos, espetáculos, exibições e congêneres, o local do evento a que se refere o serviço;
V – serviço prestado fisicamente sobre bem móvel material e serviços portuários, o local da prestação do serviço;
VI – serviço de transporte de passageiros, o local de início do transporte;
VII – serviço de transporte de carga, o local da entrega ou disponibilização do bem ao destinatário constante no documento fiscal;
VIII – serviço de exploração de via, mediante cobrança de valor a qualquer título, incluindo tarifas, pedágios e quaisquer outras formas de cobrança, o território de cada Município e Estado, ou do Distrito Federal, proporcionalmente à correspondente extensão da via explorada;
IX – serviço de telefonia fixa e demais serviços de comunicação prestados por meio de cabos, fios, fibras e meios similares, o local de instalação do terminal; e
X – demais serviços e demais bens móveis imateriais, inclusive direitos, o local do domicílio principal do:
a) adquirente, nas operações onerosas;
b) destinatário, nas operações não onerosas.
Essa é sem dúvidas a principal alteração na sistemática do imposto sobre consumo no Brasil. Pelo sistema atual o imposto é devido no local onde exista a estrutura financeira da empresa ou fornecedor e o fato gerador do tributo ocorre pela efetiva operação de venda ou fornecimento.
2. Operações e aquisições via internet
Para as prestações de serviços entre ausentes, o legislador chamou de não-presencial, que inclui as compras pela Internet, temos as seguintes previsões:
I – em operação realizada de forma não presencial, assim entendida aquela em que a entrega ou disponibilização não ocorra na presença do adquirente ou destinatário no estabelecimento do fornecedor, considera-se local da entrega ou disponibilização do bem ao destinatário o destino final indicado pelo adquirente:
a) ao fornecedor, caso o serviço de transporte seja de responsabilidade do fornecedor; ou
b) ao terceiro responsável pelo transporte, caso o serviço de transporte seja de responsabilidade do adquirente;
II – considera-se ocorrida a operação no local do domicílio principal do destinatário, na aquisição de veículo automotor terrestre, aquático ou aéreo;
Considera-se local do domicílio principal do adquirente ou, conforme o caso, do destinatário: (a) para as pessoas físicas, o local da sua habitação permanente ou, na hipótese de inexistência ou de mais de uma habitação permanente, o local onde as suas relações econômicas forem mais relevantes; e (b) para as pessoas jurídicas e entidades sem personalidade jurídica, conforme aplicável, o local de cada estabelecimento para o qual seja fornecido o bem ou serviço
3. Qualquer pessoa física ou jurídica, nacional ou internacional, com ou sem personalidade pode ser contribuinte
Acredito que falei há duas séries atrás que era irrelevante se o adquirente ou destinatário não regularmente cadastrado ou tivesse inscrito como pessoa jurídica, o que resultar da combinação de ao menos 2 critérios não conflitantes entre si, à escolha do fornecedor, entre os seguintes: a) endereço declarado ao fornecedor; b) endereço obtido mediante coleta de outras informações comercialmente relevantes no curso da execução da operação; c) endereço do adquirente constante do cadastro do arranjo de pagamento utilizado para o pagamento da operação; e d) endereço de IP – Protocolo de Internet do dispositivo utilizado para contratação da operação ou obtido por emprego de método de geolocalização;
4. Virtudes passivas?
O que observamos é que o legislador prevê múltiplas formas de garantir a incidência do IVA. Os Estados e municípios produtores deixam de receber o produto da arrecadação para que os Estados e municípios de destino ou de aquisição o façam. Assim, a reforma também cria outro importante externalidade: a homenagem às virtudes passivas. Óbvio que os Estados e municípios produtores ganham com emprego e renda dos trabalhadores, mas é muito melhor se tornarem em bons lugares para se viver a ser bons lugares para se produzir. A atividade produtiva exige investimentos em transporte, vias públicas, proteção e fiscalização ambiental e oferta de qualificação profissional e educação dentre outros suportes para a atividade econômica.
Outro grave problema é que os Estados do Norte e Nordeste têm mais pessoas beneficiadas do Bolsa Família a trabalhadores com carteira de trabalho assinada. O que isso significa? O poder de consumo das famílias é menor e é também usado na aquisição de produtos da cesta básica que são isentos (art. 125 da LC 214/25). Somente com a elevação do padrão de consumo local é possível aumentar a arrecadação. Como fazer isso? Este é um desafio e é enorme. Tornar as cidades bons lugares para se viver e ofertar serviços públicos de qualidade exige muito das administrações locais e demandam projetos e expertise para isso.
5. Estados e municípios não podem mais conceder benefícios fiscais
Outro ponto é que os recursos para alavancar os investimentos serão realizados através de FNDR para o Nordeste. Essa ferramenta exige que os bancos de desenvolvimento como o BNDES, BNB e outros tenham políticas sólidas de investimento estratégico, isso pode ocorrer com a participação dos Estados, mas não com sua condução. Os entes locais deixaram de ser protagonistas de seus projetos de desenvolvimento e passam a depender da decisão do ente nacional. Isso é muito impactante para a política local e regional. Não tenho dúvidas que é o ponto mais sensível da reforma tributária.
Esse alijamento de condução das políticas econômicas por entes locais via tributação terá muitas consequências. Com o desinteresse das empresas de virem para as regiões menos favorecidas e sem estrutura acaba com a guerra fiscal, mas beneficia os Estado do Sul e Sudeste.
Outro desafio para empresas que têm benefícios fiscais é ter acesso ao Fundo de Compensação dos Benefícios Fiscais. Ainda não houve regulamentação e, provavelmente, haverá a judicialização. Nós que conhecemos as resistências da efetividade do direito do contribuinte retirar da base de cálculo o PIS e Cofins sabemos como será difícil pasa as empresas terem acesso a essa compensação.
Concluindo…
Seguimos o mundo ao adotar a sistemática do IVA – Imposto sobre Valor Agregado, com a dinâmica de tributação no destino da IBS/CBS, mas além exigir o investimento em programas e softwares, com alta custo de conformidade, não sabemos como será pós reforma com a concentração dos recursos no municípios e Estados de destino, ou seja, nos lugares mais ricos e populosos.
Rosa Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.