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O Direito, como ciência social aplicada, não escapa à evolução atrelada à própria forma de pensar da sociedade, visando – assim desejamos – não só uma eficaz solução para os conflitos, mas também o atendimento a vários anseios individuais e coletivos.
Na filosofia, Hegel1 entendia que a história é um processo através do qual a razão se desenvolve no mundo, de modo que a evolução dialética (tese, antítese e síntese) impulsionava o progresso da humanidade, valorizando, assim, o debate.
No campo do Direito propriamente dito, Oliver Wendel Holmes Jr.2, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos na primeira metade do século XX – e conhecido por alguns pontos de vista polêmicos, mas também como idealizador do realismo jurídico – entendia que a evolução jurídica estava alinhada à experiência. De tal perspectiva, decorre diretamente a valorização de decisões pretéritas na busca pela segurança jurídica, conduzindo, por conseguinte, ao refinamento do próprio ordenamento jurídico.
No Brasil, a consolidação de teses vinculantes em um verdadeiro sistema de precedentes judiciais é fruto direto do pós-positivismo3, marco filosófico do neoconstitucionalismo, cuja interpretação das leis pela pauta de princípios e valores adotados pela Constituição da República reflete diretamente nas decisões judiciais e na necessária isonomia de tratamento aos casos semelhantes.
Em março deste ano, a publicação do CPC completará uma década, (embora com vigência iniciada apenas no ano seguinte), tendo como um de seus principais objetivos a “coerência substancial”4, pela qual se “explicita a promessa de realização dos valores encampados pelos princípios constitucionais”. O prazo ânuo foi considerado pelo legislador como período suficiente para que os operadores do direito e o público em geral pudessem ter conhecimento quanto ao conteúdo da nova Lei, concebida com o “potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo”5.
A busca pela celeridade, outrossim, é angústia que acompanha a atividade judicial e um sensível termômetro que, recorrentemente, detecta o descontentamento dos brasileiros com a prestação jurisdicional. Considerando os dados apresentados pelo último relatório do CNJ6, a judicialização no Brasil não para de crescer, sendo morosa a conclusão dos feitos e, para além disso, postergando a legítima satisfação dos direitos dos demandantes.
De fato, o sistema de precedentes judiciais, instituído pelo art. 927 do CPC7, além de contribuir para a celeridade dos processos judiciais, promoveu uma verdadeira reestruturação na sistemática de decisões, ao amplificar a relevância de julgados oriundos de procedimentos especiais pelas Cortes Superiores e órgãos especiais dos Tribunais Estaduais, visando segurança jurídica, previsibilidade e isonomia no tratamento dos jurisdicionados.
Contudo, como esclarece o enunciado 315 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que “nem todas as decisões formam precedentes vinculantes”, razão pela qual, embora consideradas no confronto do ordenamento jurídico com as situações cotidianas, não são de observância obrigatória pelo Poder Judiciário8 ou pela Administração Pública.
A legalidade, elemento central do Estado do Direito, é o princípio basilar da atuação do Poder Judiciário, cujas decisões devem pautar-se pela aplicação da lei ao caso concreto. Contudo, em várias disposições do CPC/15, a expressão “legalidade” até então adotada pelo CPC/73, foi substituída por “ordenamento jurídico”91011, mais abrangente do que a lei em sentido estrito12.
Esse fenômeno, que formalizou a aproximação do sistema civil law (tradicional no direito brasileiro) com o sistema common law, permitindo a aplicação de teses já definidas pelas Cortes Superiores já pela primeira instância13, também foi alvo de muitas críticas, sobretudo sob o ponto de vista do déficit democrático, ínsito ao processo legislativo.
De toda forma, ao equiparar os precedentes judiciais formados por estes especiais procedimentos a leis em sentido estrito – considerando-os, indistintamente, como verdadeiras normas jurídicas -, o stare decisis promoveu uma verdadeira ampliação (ou seria relativização?) do princípio da legalidade.
Nesse sentido, esclarece o processualista Elpídio Donizete14:
Agora, em razão da adoção do sistema do stare decisis, há que se repensar a compreensão do termo “lei”, empregado na CF/88. Se até recentemente “lei” significava apenas as espécies legislativas, agora, em razão da força obrigatória dos precedentes, há que se contemplar também o precedente judicial, mormente aquele que, em razão do status da Corte que o firmou, tem cogência prevista no próprio ordenamento jurídico.
(…)
Em decorrência da força obrigatória dos precedentes, as pessoas devem consultar a jurisprudência antes da prática de qualquer ato jurídico, uma vez que a conformidade com as normas – na qual se incluem os precedentes judiciais – constitui pressuposto para que o ato jurídico seja reputado perfeito.
Outros juristas brasileiros também reconheceram a ampliação do princípio da legalidade pelos precedentes vinculantes, consolidado pelo CPC/15.
Nesse sentido, Fredie Didier Jr15 apontou a evolução dos precedentes vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro e sua direta repercussão sobre o princípio da legalidade, ampliando, outrossim, o controle e previsibilidade da atuação do Poder Judiciário. Luiz Guilherme Marinoni16 também abordou essa temática, destacando que a observância obrigatória dos precedentes e a necessidade de estabilidade do sistema jurídico refletem na segurança jurídica e na legalidade. De igual forma, Teresa Arruda Alvim17, em artigo específico sobre o assunto dos precedentes, destacou a força vinculante de determinadas decisões e a sua relação com o princípio da legalidade, evitando decisões judiciais divergentes.
Por sua vez, a atividade extrajudicial, promovida pelos Cartórios18 – reconhecida pela eficiência, segurança e confiança19 -, também se orienta pelo princípio da legalidade, tanto em relação à atividade notarial quanto registral, respectivamente, na elaboração de documentos públicos e no seu subsequente registro, se for o caso, para fins de constituição de direitos, conhecimento e oponibilidade de atos e fatos perante terceiros.
É que, ao realizar um serviço público em caráter privado, os Cartórios integram o regime jurídico da Administração Pública na qualidade de “particulares em colaboração com o Estado”20, razão pela qual a sua atuação também está estreitamente vinculada ao princípio da legalidade, agora sob nova concepção, conferida pela amplitude do termo “ordenamento jurídico”, consolidada há uma década pelo CPC/15.
Assim, não só a lei em sentido estrito, mas as fontes vinculantes que compõem o ordenamento jurídico produzem, de forma recorrente, impactos significativos na atividade dos cartórios, o que não se resume à qualificação notarial ou registral, porquanto facilmente perceptível na uniformização dos procedimentos e adoção de novas práticas.
Com efeito, a função registral (aqui entendida em sentido amplo, englobando as atribuições registrais e notariais) não se limita à guarda e à conservação de documentos.
A qualificação, inerente à função registral, que representa um princípio em si, é o principal vetor da atividade extrajudicial, do qual decorre a possibilidade de o delegatário se negar à prática do ato que não atenda às exigências do ordenamento jurídico, desde que o faça fundamentadamente e por escrito, mediante nota de devolução. Tanto notários quanto registradores são independentes para realizar a qualificação dos documentos que lhes sejam submetidos, realizando uma prévia verificação de sua legalidade e da legitimidade de atos e situações submetidos à sua verificação para que possam produzir regulares efeitos.
Por óbvio, a atividade de qualificação não se descura do dever de interpretar situações e documentos para verificar a sua adequação à legalidade (ops! adequação ao “ordenamento jurídico”), o que inclui a consideração das teses vinculantes pertinentes. Dessa forma, a atividade extrajudicial, ao proporcionar a incidência direta da última instância judicial nos atos notariais e registrais, representa um ganho de quase uma década de espera em relação àqueles que aguardam manifestações judiciais sobre o mesmo assunto, com menor custo.
Em âmbito registral, segundo Afrânio de Carvalho21, a qualificação representa um “mecanismo que assegure, tanto quanto possível, a correspondência entre a situação registral e a situação jurídica. Esse mecanismo há de funcionar como um filtro que, à entrada do registro, impeça a passagem de títulos que rompam a malha da lei”.
Como bem ponderam Arthur Rios e Arthur Rios Júnior22, “todo documento que é levado ao registro passa por uma verificação do registrador. Se o oficial registrar documento que não seja juridicamente razoável, ou não promover exigências para ter um ato jurídico perfeito, será responsável por causar prejuízos a terceiros”.
O princípio da qualificação também incide sobre a atividade notarial, sobre a qual, segundo Leonardo Brandelli23, impõe-se ao notário o dever de observar “os ditames do ordenamento jurídico”. A propósito:
… o notário exerce a polícia jurídica dos atos que pratica, que se bifurca em dois aspectos relevantes: o primeiro, revela o dever do notário de desempenhar sua função conforme os ditames do ordenamento jurídico, conforme o direito, não podendo ser o sustentáculo de atos ilícitos, devendo na confecção de seus atos zelar pela correta aplicação do ordenamento jurídico, não podendo acatar portanto, pedidos de atos que contenham em seu bojo alguma contrariedade ao direito, como uma cláusula abusiva por exemplo, devendo, igualmente, conforme já asseveramos, ser um assessor jurídico das partes, explicando o alcance jurídico dos atos realizados; o segundo, revela o dever do notário zelar pela correta autonomia da vontade, assegurando a livre manifestação da vontade das partes, livre de vícios e de pressões, devendo pois o notário buscar a manifestação da vontade real das partes.
(…)
A função notarial opera na esfera da realização voluntária do direito. O notário molda juridicamente os negócios privados, a fim de que se adequem ao sistema jurídico vigente, prevenindo, por conseguinte, que futuros vícios sejam aventados, e que lides se instaurem.
Logo, a qualificação registral também perpassa a análise dos precedentes judiciais correlatos.
Os Códigos de Normas Estaduais, inclusive, já se atentaram para essa realidade, considerando o sistema de precedentes como instrumento para a atualização, o aprimoramento e a eficiência dos serviços extrajudiciais. Ilustrativamente, estabelece o art. 2º do Código de Normas e Procedimentos do Foro Extrajudicial do Estado de Goiás24: “Interpretam-se as normas deste Código sistematicamente aos precedentes judiciais, administrativos e normativos do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, observando-se os princípios da razoabilidade e da cooperação na relação processual”.
Além disso, não raras vezes, no curso das atividades extrajudiciais, seus respectivos operadores se deparam com periódicas alterações normativas que retratam justamente a fixação ou a superação de precedentes, cujas teses são incorporadas aos textos das normas estaduais, como no Estado de São Paulo25.
Há teses vinculantes que foram amplamente incorporadas à realidade extrajudicial – e por ela concretizadas e otimizadas – dados os benefícios reais de cidadania, de implementação de direitos em favor usuários do serviço e de proteção ao ambiente seguro de trocas na economia.
No Registro Civil das Pessoas Naturais, um desses exemplos é a possibilidade de reconhecimento da paternidade socioafetiva (Tema 622 da repercussão geral26), que perpassou a interpretação do conceito de família pelo filtro dos princípios fundamentais da Constituição da República, cujas averbações nos atos que lhe correspondem permitem a incidência dos efeitos jurídicos próprios decorrentes das relações de parentesco, como direitos pessoais, sociais e reais.
Da mesma forma, adequando-se à evolução da sociedade, em um julgado isolado, o STJ, em 200927, reconheceu o direito das pessoas transgêneros de utilizarem o nome social sem maiores formalidades, culminando no reconhecimento, em 201728, pela mesma Corte, da possibilidade de mudança de nome e sexo constantes do registro civil dessas pessoas. Em 2018, no julgamento do Tema 761 da repercussão geral29 e da ADIn 4.275, o STF definiu a questão, reconhecendo a possibilidade de alteração do prenome e do sexo no registro civil mediante manifestação de vontade do interessado. Para procedimentalizar tal requerimento, o CNJ editou, em 28 de junho do mesmo ano, o provimento 73.
E não se enganem: a documentação se traduz na concretização de expectativas importantes, cujo impacto psicológico reverbera na autoimagem do indivíduo e na sua postura enquanto membro integrante da sociedade. Uma simples certidão com as averbações realizadas com respaldo nessas decisões vinculantes exerce direta interferência não só nos direitos da personalidade30, mas também de propriedade, família, previdência31 e sucessões.
Também no registro de imóveis há importantes teses vinculantes, oriundas do STJ, que reforçam a importância das certidões imobiliárias como instrumentos de comprovação de situações jurídicas e de otimização e segurança das trocas econômicas.
Uma delas relativiza a responsabilidade propter rem pelo dano ambiental em propriedades imobiliárias. É que o precedente fixa o afastamento da responsabilidade civil por dano ambiental32 mediante a demonstração da cessação da propriedade em favor do dono anterior (certidão imobiliária atualizada) e a ausência de nexo causalidade entre a sua conduta e o dano.
Outra decisão vinculante de grande relevância é aquela que atribui, no bojo do processo judicial executivo, o ônus de prova da impenhorabilidade da pequena propriedade rural ao respectivo proprietário-executado33, impondo-lhe a comprovação documental de que o imóvel assim se caracteriza (área de até quatro módulos fiscais, nos termos da lei 8.629/96) e de que é explorado pela família.
Além disso, há tese vinculante quanto a eventuais repercussões tributárias nas arrematações imobiliárias em hasta pública. Mesmo que o edital atribua responsabilidade tributária ao arrematante, o STJ, interpretando o art. 130 do CTN, definiu que a responsabilidade pela dívida tributária existente quando da alienação será do antigo proprietário do bem imóvel34, situação, também, a ser esclarecida por uma simples certidão imobiliária.
A jurisprudência vinculante do STJ também erigiu os registros imobiliários como importantes instrumentos de proteção ambiental35, ao reconhecer que o sistema registral brasileiro admite averbações de informações facultativas de interesse público, o que inclui aquelas relativas ao meio ambiente.
Há, ainda, outro precedente de grande importância para o aquecido mercado imobiliário brasileiro, oriundo da 2ª seção do STJ36, que, ao atribuir ao registro de imóveis a constituição da garantia de alienação fiduciária, permitiu a execução extrajudicial do contrato, conforme previsão da lei 9.514/9737, conferindo, assim, estabilidade e segurança ao mercado de imóveis e ao sistema financeiro nacionais.
Ademais, notam-se importantes influências de questões tributárias definidas por teses vinculantes tanto no registro imobiliário quanto nas escrituras públicas a ele correlatas, considerando os tributos incidentes sobre operações dessa natureza e o dever de fiscalização dos agentes delegatários (Art. 134, VI, CTN).
Relativamente ao ITBI (imposto sobre transmissão onerosa intervivos de bens imóveis, de competência municipal, nos termos do art. 156, II, CR/88), o STF reconheceu a repercussão geral do Tema 1.12438, que irá definir “a incidência do ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis na cessão de direitos de compra e venda, ausente a transferência de propriedade pelo registro imobiliário”, ainda pendente de julgamento de mérito.
Submetido à definição quanto à (suposta) vinculação da base de cálculo do ITBI à do IPTU e quanto à (possível) legitimidade da adoção de valor venal de referência previamente fixado pelo fisco municipal como parâmetro para a determinação da base de cálculo do ITBI, o STJ definiu, em caráter vinculante, entendimento que incide tanto sobre a atuação dos registros de imóveis quanto dos Tabelionatos de Notas. Assim, pelo rito dos repetitivos, julgando o Tema 1.11339, o STJ definiu que “a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.
A tese adotada, alicerçada no princípio da boa-fé objetiva, prestigia as particularidades da negociação firmada entre as partes, quando realizada em condições normais de mercado, afastando qualquer referência aos valores fixados para a cobrança do IPTU.
Não obstante a origem legislativa da usucapião extrajudicial (art. 1071, CPC/15), consectária direta da função social da posse e da propriedade – que envolve tanto as atribuições dos registros de imóveis quanto dos tabelionatos de notas – sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 98540), a 2ª seção da Corte Superior estabeleceu que “o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus requisitos específicos, não pode ser impedido em razão de a área discutida ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal”. Antes mesmo dessa decisão, o STF, pelo julgamento do Tema 815 da repercussão geral41, já tinha definido que “preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote)”.
Há, outrossim, vários precedentes vinculantes que se relacionam com a atuação dos Tabelionatos de Notas, propriamente dita, sobretudo em relação às escrituras públicas, prestigiando o livre ajuste entre as partes sobre questões existenciais e patrimoniais, sem a necessidade de intervenção judicial, de forma célere e segura.
Recentemente, decidiu o STF, ao julgar o Tema 1.236 da repercussão geral42 que, “nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”. Esse entendimento, considerando os efeitos prospectivos da decisão, valoriza a autonomia das pessoas maiores de 70 anos quanto à livre disposição de seus bens, atendendo à crítica doutrinária incidente sobre o CC ao tratar do tema, sepultando, em última análise, a consideração indireta de incapacidade por senilidade ou idade avançada quanto aos efeitos patrimoniais das uniões afetivas.
A escritura pública lavrada nestes termos, além de atender ao interesse direto de seu instituidor e a afirmação de sua dignidade, cuja capacidade e legitimidade para o ato é atestada pelo Tabelião de Notas, não só confere segurança e agilidade ao ato, mas também valoriza a própria fé pública notarial e sua importância na constatação de situações para a produção dos efeitos jurídicos correspondentes.
Ainda, ao extirpar do ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, o STF consolidou importante precedente que demonstra a evolução da sociedade quanto aos costumes e tratamento da instituição e dissolução formal das relações de afeto. Pelo Tema 1.053 da repercussão geral43, que analisou a separação judicial como requisito para o divórcio e sua subsistência como figura autônoma no ordenamento jurídico brasileiro após a promulgação da EC 66/10, definiu o STF que “após a promulgação da EC 66/10, a separação judicial não é mais requisito para o divórcio nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico. Sem prejuízo, preserva-se o estado civil das pessoas que já estão separadas, por decisão judicial ou escritura pública, por se tratar de ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF)”.
Mais uma vez, a evolução da sociedade, refletindo nos julgados vinculantes proferidos sob o ponto de vista da hermenêutica constitucional, ecoou diretamente na atuação extrajudicial, considerando a possiblidade de escrituras públicas de divórcios consensuais que não mais precisam observar a prévia exigência da separação.
Ainda, reconhecida definitivamente a inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, prevista no art. 1.790 do CC (Temas 80944 e 498 da repercussão geral), é viabilizada a incidência direta desse entendimento nas escrituras públicas de inventário e partilha, promovendo um direto acertamento do direito, conforme as disposições constitucionais quanto às entidades familiares, nos termos em que interpretadas pela Corte Suprema.
Pela jurisprudência superior, os Tabelionatos de Protesto foram transformados em mecanismos de rápida, econômica e eficiente cobrança extrajudicial de dívidas, desobstruindo o Judiciário de ações executivas.
Uma decisão vinculante emblemática, referente à atividade desempenhada nos Tabelionatos de Protesto é estampada pelo Tema 90245, julgado sob o rito dos repetitivos, tratando sobre a necessidade de contracautela quando da sustação do ato, como garantia ao legítimo interesse do credor. Nesse ponto, importante considerar, ainda, que os efeitos da sustação do protesto são até mais abrangentes do que a simples propositura dos embargos à execução, ao criar, de pronto, um verdadeiro óbice à execução extrajudicial do título, razão pela qual o precedente vinculante assegura, extrajudicialmente, o recebimento do crédito, se for o caso.
A questão referente à responsabilidade do endossatário pelo protesto indevido do título também foi definida por julgados firmados no âmbito do sistema de precedentes, de observância obrigatória pelo Poder Judiciário e pela Administração.
Nos termos da tese definida pelo julgamento dos Temas 463 e 464 dos recursos repetitivos46 quanto ao endossatário-mandatário (aquele que recebe poderes relativamente a alguns direitos inerentes ao título), assentou-se a responsabilidade por danos materiais e morais pelo protesto indevido apenas em caso de extrapolação dos poderes conferidos ou em caso de ato culposo próprio. Diversa será a hipótese de responsabilização do endossatário pelo protesto indevido quando recebe o título por endosso translativo (que transfere a propriedade), que incidirá com maior contundência, quando verificado vício formal extrínseco ou intrínseco no título, nos termos do Tema repetitivo 46547.
Ainda, o Tema 945 dos recursos repetitivos48 estabelece parâmetros para que a pós-datação do cheque – importante convenção entre as partes e de sensível relevância econômica no Brasil – possa ampliar o prazo de apresentação à instituição financeira e possibilidade de protesto de títulos emitidos dessa forma, afastando a insegurança jurídica que decorria da ausência de legislação específica sobre o assunto.
Quanto ao cancelamento do protesto extrajudicial após a quitação da dívida, pelo Tema repetitivo 72549, o STJ atribuiu ao devedor a responsabilidade para tal providência, ao contrário da retirada do nome do devedor em cadastros de inadimplentes (SPC, SERASA), o que, conforme entendimento do próprio STJ, é ônus do credor.
Ainda, a atividade protestual foi alçada a um importante instrumento de recuperação de benefícios previdenciários recebidos indevidamente, otimizando as atividades fazendárias e a correta destinação dos recursos do Estado. É que, pelo Tema 1.06450, julgado em sede de recursos repetitivos, os benefícios previdenciários recebidos indevidamente, cujos débitos foram inscritos em dívida ativa são nulos, mas, após regular constituição, poderão ser novamente objeto de inclusão na dívida ativa e, por conseguinte, levados a protesto, a fim de que se sejam cobrados extrajudicialmente.
Finalmente, também no âmbito do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, há um destacado julgamento vinculante cuja repercussão pode, inclusive, ultrapassar a atribuição da serventia, incidindo sobre as eleições e o próprio processo democrático.
É que, em 2019, o STF, pelo julgamento da ADIn 6.23051, fixou entendimento de que os partidos políticos têm autonomia quanto ao estabelecimento da duração dos mandatos de seus dirigentes, mas devem assegurar a alternância de poder por meio de eleições periódicas, circunstâncias que devem constar expressamente do estatuto social dessas pessoas jurídicas. Na mesma oportunidade, a Excelsa Corte invalidou um dispositivo da lei dos partidos políticos (lei 9.096/1995) que possibilitava a vigência dos órgãos provisórios de agremiações por até oito anos.
Não obstante o STF não tenha sido explícito quanto à qualificação do estatuto social dos partidos políticos pelo oficial registrador, pode-se considerar a alternância de mandatos como uma cláusula formal do instrumento, passível, assim, de análise formal. Nesse sentido, os próprios oficiais registradores, aplicando diretamente o entendimento exarado pelo julgamento vinculante contribuem para o fortalecimento das tendências democráticas dos partidos políticos e preservação do princípio republicano, com benefícios reais e diretos para toda a sociedade brasileira.
Portanto, sob o ponto de vista dos delegatários, a implementação de práticas decorrentes de precedentes vinculantes, além de contribuir para o incremento das atividades desempenhadas, ascende os operadores da atividade extrajudicial à condição de verdadeiros agentes de inovação na prestação de serviços dessa natureza, e de proteção de direitos individuais e coletivos em prol de toda a coletividade.
Por outro lado, sob o ponto de vista dos usuários dos serviços extrajudiciais – e aqui incluímos os interessados e também os advogados que militam no extrajudicial – , a simplicidade, a celeridade e a alcance facilitado de situações jurídicas que demorariam anos para serem implementadas em juízo, demonstram apenas benefícios decorrentes da adoção e fomento da prática extrajudicial.
Diante disso, cumpre aos titulares, colaboradores, advogados e demais envolvidos, o amplo conhecimento das diretrizes dos tribunais superiores para garantir conformidade normativa e eficiência na prestação dos serviços extrajudiciais em benefício de todos.
Assim, os precedentes judiciais têm desempenhado um papel essencial na modernização e segurança das atividades extrajudiciais, sendo os Cartórios, em quaisquer de suas atribuições, importantes instrumentos de desburocratização e concretização dos direitos dos usuários de seus serviços.
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1 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Introdução à História da Filosofia. Ed. 70 Textos Filosóficos. São Paulo. 2006.
2 JUSTIA. Juiz Oliver Wendell Holmes, Jr. Justia > Lei dos EUA > Jurisprudência dos EUA > Suprema Corte dos EUA > Juízes > Juiz Oliver Wendell Holmes, Jr. Disponível em https://supreme.justia.com/justices/oliver-wendell-holmes-jr/ . Consultado em 10/01/2025.
3 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Migalhas de Peso. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/24089/neoconstitucionalismo—o-triunfo-tardio-do-direito-constitucional-no-brasil. Consultado em 12/01/2025. Para o Ministro Luis Roberto Barroso, “O marco filosófico do novo Direito Constitucional é o pós-positivismo. O debate acerca de sua caracterização situa-se na confluência das duas grandes correntes de pensamento que oferecem paradigmas opostos para o Direito: o jusnaturalismo e o positivismo. Opostos, mas, por vezes, singularmente complementares. A quadra atual é assinalada pela superação – ou, talvez, sublimação – dos modelos puros por um conjunto difuso e abrangente de idéias, agrupadas sob o rótulo genérico de pós-positivismo. (…)No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a filosofia”.
4 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Exposição de Motivos do Código de Processo Civil. Senado Federal. 2015.
5 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Exposição de Motivos do Código de Processo Civil. Senado Federal. 2015..
6 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2024. CNJ. Brasília. 2024. p. 144 e 279. Em média, a cada grupo de mil habitantes, 143 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2023, conforme Figura 62. Houve aumento em 8,4% no número de casos novos por mil habitantes em 2023, quando comparado a 2022. Nesse indicador, são computados somente os processos de conhecimento e de execução de títulos executivos extrajudiciais; excluídas da base de cálculo as execuções judiciais iniciadas. (…) Na Justiça Estadual, os processos estão pendentes há uma média de 4 anos e 5 meses; e os baixados de 2023 levaram 2 anos e 10 meses para serem solucionados. Na Justiça Federal, a diferença é ainda maior: enquanto os pendentes aguardam solução definitiva há 4 anos e 3 meses, o tempo da baixa foi de 2 anos e 3 meses. Os Tribunais Superiores, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar Estadual destacam-se por apresentar tempo médio dos casos pendentes inferior a 2 anos, e com valores mais próximos entre o tempo dos baixados e o tempo dos pendentes
7 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Senado Federal. 2015. Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
8 FORUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Enunciado 170 – (art. 927, caput) As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos.
9 BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
10 BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
11 BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.
12 FORUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Enunciado 380 – (arts. 8º, 926, 927) A expressão “ordenamento jurídico”, empregada pelo Código de Processo Civil, contempla os precedentes vinculantes.
13 Fenômeno decorrente da aplicação de alguns institutos processuais, como a tutela de evidência (art. 311, II, parte final, CPC/15), a improcedência liminar do pedido (art. 332, CPC/15) e o julgamento dos recursos especial e extraordinário repetitivos (arts. 1036 e seguintes, CPC/15).
14 DONIZETTI, Elpídio. A força dos precedentes no Novo Código de Processo Civil. Jurisprudência Mineira, Belo Horizonte, v. 65, n. 211, p. 36-46, out./dez. 2014.
15 DIDIER JR. Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Ed. Juspodivm. Salvador. 2020
16 MARINONI, Luiz Guilherme Marinoni. Precedentes Obrigatórios. 7ª Ed. Revista dos Tribunais. 2022
17 ALVIM, Teresa Arruda. Reflexões a respeito do tema “precedentes” no Brasil do Século 21. Revista de Doutrina TRF4. 2017 Disponível em https://revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao078/Teresa_Arruda_Alvim.html. Consultado em 03/01/2025.
18 BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Senado Federal. 1994. Art. 5º Os titulares de serviços notariais e de registro são os: I – tabeliães de notas; II – tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos; III – tabeliães de protesto de títulos; IV – oficiais de registro de imóveis; V – oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas; VI – oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas; VII – oficiais de registro de distribuição.
19 Os Cartórios brasileiros ocupam a primeira colocação nos quesitos confiança, importância e qualidade dos serviços à frente de outros 14 órgãos públicos e privados. Esta foi a principal conclusão da pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, que realizou 944 entrevistas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Brasília. (ANOREG. Cartório em Números: Especial Desjudicialização. Atos Eletrônicos, Desburocratização, Capilaridade, Cidadania e Confiança. Serviços Públicos que nada custam ao Estado e que beneficiam o cidadão em todos os municípios do País. ANOREG. 6ª Edição. 2024).
20 Agentes delegados são particulares que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e a realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nesta categoria se encontram os concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios ou cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos, e demais pessoas que recebem delegação para a prática de atividade estatal ou de serviço de interesse coletivo. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 6ª Edição. Editora RT. 1978. p. 60-61)
21 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 1ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro. 1976. p. 250-251.
22 RIOS, Arthur. RIOS JÚNIOR, Arthur. Manual de Direito Imobiliário. De acordo com as novas alterações na Lei do Inquilinato. 4ª edição. Revista e atualizada. Editora Juruá. Curitiba. 2010. p. 123-124.
23 BRANDELLI, Leonardo. Atuação notarial em uma economia de mercado – A tutela do hipossuficiente. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo. 2002.
24 CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. Provimento nº 46/2020, CGJ-GO. Código de Normas e Procedimentos do Extrajudicial – 2021. Organizador: Assessoria Correicional da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás. Atualizado pelo Provimento nº 132 de 29 de novembro de 2024. 2024.
25 CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Provimentos nº 50/1989 e 30/2013. CGJ-SP: “CONSIDERANDO a necessidade de atualizar o Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, relativo aos Serviços Extrajudiciais de Notas e de Registro, para que se mantenha adequado com as alterações legislativas e a evolução da jurisprudência e dos precedentes administrativos – Provimento 56/2019”.
26 “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. (STF. RE 898060, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21-09-2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017 – Tema 622 da Repercussão Geral).
27 STJ. REsp n. 1.008.398/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/10/2009, DJe de 18/11/2009.
28 Processo em segredo de justiça. Notícia disponível em https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2017/2017-05-09_19-47_Transexuais-tem-direito-a-alteracao-do-registro-civil-sem-realizacao-de-cirurgia.aspx. Consultado em 13/01/2025.
29 i) O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação da vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa. ii) Essa alteração deve ser averbada à margem no assento de nascimento, sendo vedada a inclusão do termo ‘transexual’. iii) Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, sendo vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial. iv) Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar, de ofício ou a requerimento do interessado, a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos. 6. Recurso extraordinário provido. (STF. RE 670422, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15-08-2018, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-051 DIVULG 09-03-2020 PUBLIC 10-03-2020 – Tema 761 da Repercussão Geral).
30 Arguição de descumprimento de preceito fundamental. 2. Atos omissivos e comissivos do Ministério da Saúde que dificultam o acesso de pessoas transexuais e travestis às políticas de assistência básica em saúde. 3. Nome Social e identidade de gênero autodeclarada independentemente de procedimento cirúrgico ou hormonal para mudança de sexo. 4. Direitos sexuais e reprodutivos da população LGBTI+. 5. Função contramajoritária do controle de constitucionalidade e garantia de direitos fundamentais de minorias ou vulneráveis. Precedentes do STF. 6. Medida cautelar deferida, ad referendum do plenário, para determinar ao Ministério da Saúde, no prazo de 30 dias, a adoção das medidas necessárias para garantir o acesso ao agendamento de consultas e exames, independentemente do gênero declarado da pessoa, bem como adequação do formulário da Declaração de Nascido Vivo, em conformidade com a autodeclarada identidade de gênero dos genitores. 7. Necessidade de adequação do formulário da Declaração de Nascido Vivo. 8. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada procedente, confirmada a medida cautelar deferida. (STF. Plenário. ADPF 787/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julgado em 17/10/2024)
31 A mãe servidora ou trabalhadora não gestante em união homoafetiva tem direito ao gozo de licença-maternidade. Caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade. (STF. Plenário. RE 1.211.446/SP. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 13/03/2024 -Repercussão geral – Tema 1072).
32 As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente. (STJ. 1ª Seção. REsp 1.953.359-SP e 1.962.089-MS. Rel. Min. Assusete Magalhães. Julgados em 13/09/2023. Recurso Repetitivo – Tema 1204).
33 É ônus do executado provar que a pequena propriedade rural é explorada pela família para fins de reconhecimento de sua impenhorabilidade. (STJ. Corte Especial. REsp 2.080.023-MG. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgados em 06/11/2024. Recurso Repetitivo – Tema 1234). Idem tema 961 da repercussão geral.
34 Diante do disposto no art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação. (STJ. 1ª Seção. REsp 1.914.757-SP. Rel. Min. Teodoro Silva Santos. Julgados em 09/10/2024. Recurso Repetitivo – Tema 1134).
35 “O direito de acesso à informação no Direito Ambiental brasileiro compreende: i) o dever de publicação, na internet, dos documentos ambientais detidos pela Administração não sujeitos a sigilo (transparência ativa); ii) o direito de qualquer pessoa e entidade de requerer acesso a informações ambientais específicas não publicadas (transparência passiva); e iii) direito a requerer a produção de informação ambiental não disponível para a Administração (transparência reativa); Presume-se a obrigação do Estado em favor da transparência ambiental, sendo ônus da Administração justificar seu descumprimento, sempre sujeita a controle judicial, nos seguintes termos: i) na transparência ativa, demonstrando razões administrativas adequadas para a opção de não publicar; ii) na transparência passiva, de enquadramento da informação nas razões; O regime registral brasileiro admite a averbação de informações facultativas sobre o imóvel, de interesse público, inclusive as ambientais; O Ministério Público pode requisitar diretamente ao oficial de registro competente a averbação de informações alusivas a suas funções institucionais”. (STJ. REsp n. 1.857.098/MS, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 11/5/2022, DJe de 24/5/2022 – Tema IAC 13)
36 RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – ARTIGO 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015 – TEMÁTICA ACERCA DA PREVALÊNCIA, OU NÃO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA HIPÓTESE DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL, COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015 fixa-se a seguinte tese: 1.1. Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado em cartório, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei nº 9.514/97, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 2. Caso concreto: (…) 3. Recurso Especial provido. (STJ. REsp n. 1.891.498/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 26/10/2022, DJe de 19/12/2022.)
37 O STF, também por julgamento vinculante, também já reconheceu a constitucionalidade da execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, prevista na Lei nº 9.514/97: “É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal” (STF. RE 860631, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 26-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-s/n DIVULG 09-02-2024 PUBLIC 14-02-2024 – Tema 982 da Repercussão Geral)
38 RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI. FATO GERADOR. COBRANÇA DO TRIBUTO SOBRE CESSÃO DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DA TRANSFERÊNCIA EFETIVA DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA MEDIANTE REGISTRO EM CARTÓRIO. PRECEDENTES. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL DOTADA DE REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (STF. ARE 1294969 RG, Relator(a): MINISTRO PRESIDENTE, Tribunal Pleno, julgado em 11-02-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 18-02-2021 PUBLIC 19-02-2021 – Tema 1124 – Repercussão geral reconhecida)
39 Para o fim preconizado no art. 1.039 do CPC/2015, firmam-se as seguintes teses: a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente. 9. Recurso especial parcialmente provido. (STJ. REsp n. 1.937.821/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 24/2/2022, DJe de 3/3/2022 – Tema 1113 dos Repetitivos)
40 O reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal. 2. No caso concreto, recurso especial não provido, a fim de afirmar a inexistência de impedimento para que o imóvel urbano, com área inferior ao módulo mínimo municipal, possa ser objeto da usucapião extraordinária. (STJ. REsp n. 1.667.842/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 3/12/2020, DJe de 5/4/2021. Tema 985 dos Repetitivos)
41 Tese aprovada: preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote). 4. Recurso extraordinário provido. (STF. RE 422349, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 29-04-2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-153 DIVULG 04-08-2015 PUBLIC 05-08-2015 RTJ VOL-00235-01 PP-00134 – Tema 815 da repercussão geral)
42 Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”. Atos normativos citados: Constituição Federal, arts. 1º, III; 3º, IV; 5º, I, X; 226, § 3º; 230, e Código Civil, arts. 1.641, II; e 1.639, § 2º. Jurisprudência citada: RE 878.694 (2017), Rel. Min. Luís Roberto Barroso. (STF. ARE 1309642, Relator(a): LUÍS ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 01-02-2024, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-s/n DIVULG 01-04-2024 PUBLIC 02-04-2024 – Tema 1236 da Repercussão Geral)
43 “Após a promulgação da EC 66/2010, a separação judicial não é mais requisito para o divórcio nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico. Sem prejuízo, preserva-se o estado civil das pessoas que já estão separadas, por decisão judicial ou escritura pública, por se tratar de ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF)”. (STF. RE 1167478, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 08-11-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-s/nDIVULG 07-03-2024 PUBLIC 08-03-2024 – Tema 1236 da Repercussão Geral)
44 Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (STF. RE 878694, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10-05-2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-021 DIVULG 05-02-2018 PUBLIC 06-02-2018 – Tema 809 da repercussão geral. A mesma tese foi fixada para o Tema 498, em relação à união homoafetiva)
45 A legislação de regência estabelece que o documento hábil a protesto extrajudicial é aquele que caracteriza prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível. Portanto, a sustação de protesto de título, por representar restrição a direito do credor, exige prévio oferecimento de contracautela, a ser fixada conforme o prudente arbítrio do magistrado. A legislação de regência estabelece que o documento hábil a protesto extrajudicial é aquele que caracteriza prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível. Portanto, a sustação de protesto de título, por representar restrição a direito do credor, exige prévio oferecimento de contracautela, a ser fixada conforme o prudente arbítrio do magistrado. A teor do artigo 17, § 1º, da Lei de Protestos, o título ou documento de dívida cujo protesto tenha sido sustado judicialmente, só poderá ser pago, protestado ou retirado com autorização judicial. É dizer, a sustação do protesto implica retenção do título de crédito, inviabilizando, pois, a sua execução, e, por conseguinte, restringindo, ainda que provisoriamente, o próprio direito fundamental do credor de acesso à justiça e de haver imediatamente o seu crédito, mediante atos de agressão ao patrimônio do devedor efetuados por meio do Judiciário. Além disso, a sustação do protesto implica em verdadeiro óbice à execução extrajudicial do título, efeito que nem sequer os embargos do executado produzem, salvo demonstração de perigo de dano e oferecimento de caução. Exige-se, portanto, a prestação da contracautela para a sustação do protesto, como forma equiparável à caução, com o intuito de suspender a execução por título extrajudicial, como forma de atendimento ao núcleo essencial do direito fundamental à segurança jurídica do executado e resguardo dos interesses do credor. Por isso, é que a jurisprudência do STJ só admite a sustação do protesto quando as circunstâncias de fato, efetivamente, autorizarem a proteção do devedor, com a aparência do bom direito e, de regra, com o depósito do valor devido ou, a critério ponderado do juiz, quando preste caução idônea. (STJ, REsp 1.340.236-SP, 2ª Seção, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 14/10/2015)
46 Só responde por danos materiais e morais o endossatário que recebe título de crédito por endosso-mandato e o leva a protesto se extrapola os poderes de mandatário ou em razão de ato culposo próprio, como no caso de apontamento depois da ciência acerca do pagamento anterior ou da falta de higidez da cártula. 2. Recurso especial não provido. (STJ. REsp n. 1.063.474/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 28/9/2011, DJe de 17/11/2011. – Temas 463 e 464 dos recursos repetitivos)
47 O endossatário que recebe, por endosso translativo, título de crédito contendo vício formal, sendo inexistente a causa para conferir lastro a emissão de duplicata, responde pelos danos causados diante de protesto indevido, ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas. (STJ. REsp n. 1.213.256/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 28/9/2011, DJe de 14/11/2011.)
48 As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015 (art. 543-C do CPC/1973), são as seguintes: a) a pactuação da pós-datação de cheque, para que seja hábil a ampliar o prazo de apresentação à instituição financeira sacada, deve espelhar a data de emissão estampada no campo específico da cártula; b) sempre será possível, no prazo para a execução cambial, o protesto cambiário de cheque, com a indicação do emitente como devedor. (STJ. REsp n. 1.423.464/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 27/4/2016, DJe de 27/5/2016. Tema 945 dos repetitivos)
49
50 “As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 780, de 2017, convertida na Lei n. 13.494/2017 (antes de 22.05.2017) são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis”; e “As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido contra os terceiros beneficiados que sabiam ou deveriam saber da origem dos benefícios pagos indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 871, de 2019, convertida na Lei nº 13.846/2019 (antes de 18.01.2019) são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis”. (STJ. REsp n. 1.852.691/PB, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 23/6/2021, DJe de 28/6/2021 – Tema Repetitivo 1064)
51 Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.831/2019, QUE ALTERA A LEI 9.096/1995. OLIGARQUIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS. IDEAL DEMOCRÁTICO. PRINCÍPIO REPUBLICANO. ART. 3º, § 2º. AUTONOMIA ASSEGURADA ÀS AGREMIAÇÕES PARTIDÁRIAS PARA DEFINIR O PRAZO DE DURAÇÃO DOS MANDATOS DOS MEMBROS DOS SEUS ÓRGÃOS PERMANENTES OU PROVISÓRIOS. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. ALTERNÂNCIA DO PODER. REALIZAÇÃO DE ELEIÇÕES PERIÓDICAS EM PRAZO RAZOÁVEL. ART. 3º, § 3º. PRAZO DE VIGÊNCIA DOS ÓRGÃOS PROVISÓRIOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS DE ATÉ 8 (OITO) ANOS. PROVISORIEDADE QUE NÃO SE CONFUNDE COM PERPETUIDADE. PROCEDÊNCIA QUANTO AO PONTO. ART. 55-D. ANISTIA. DEVOLUÇÕES, COBRANÇAS OU TRANSFERÊNCIAS AO TESOURO NACIONAL QUE TENHAM COMO CAUSA AS DOAÇÕES OU CONTRIBUIÇÕES FEITAS EM ANOS ANTERIORES POR SERVIDORES PÚBLICOS QUE EXERÇAM FUNÇÃO OU CARGO PÚBLICO DE LIVRE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO, DESDE QUE FILIADOS A PARTIDO POLÍTICO. IMPROCEDÊNCIA QUANTO AO PONTO. MODULAÇÃO DA DECISÃO. PRODUÇÃO DE EFEITOS EXCLUSIVAMENTE A PARTIR DE JANEIRO DE 2023, PRAZO POSTERIOR AO ENCERRAMENTO DO PRESENTE CICLO ELEITORAL, APÓS O QUAL O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL PODERÁ ANALISAR A COMPATIBILIDADE DOS ESTATUTOS COM O PRESENTE ACÓRDÃO. I – O § 2º do art. 3º da Lei dos Partidos Políticos garante às agremiações autonomia para definir o tempo de mandato dos membros dos órgãos partidários permanentes ou provisórios, estabelecendo norma de competência que pode ser lida, ao menos em tese, no sentido que estes mandatos tenham duração indefinida, sem restrições de nenhuma ordem. II – O § 3º dos art. 3º da Lei dos Partidos Políticos prevê que órgãos provisórios de partidos políticos possam perdurar por até 8 (oito) anos. III – Vocação dos partidos políticos para a autocracia que não é particularidade da política brasileira contemporânea. Estudos clássicos de Robert Michels e Maurice Duverger que explicam essa paradoxal propensão. IV – Da tensão entre interesses de eleitores, filiados e dirigentes partidários podem resultar abalos na representação política que afetam a qualidade da democracia e a própria sobrevivência do regime, que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, tem o dever de tutelar. V – Importância de reforçar as tendências democráticas dos partidos políticos, os quais são peças fundamentais para a construção de uma legítima e robusta democracia representativa, amplificando os movimentos políticos que engajam os cidadãos na política. VI – Ideal democrático que se firma na temporalidade dos mandatos, na renovação. O voto direto, secreto, universal e periódico constitui cláusula pétrea da nossa República (art. 60, § 4º, II, da Constituição). VII – A periodicidade dos mandatos reforça e garante o princípio republicano, o qual configura “o núcleo essencial da Constituição”, a lhe garantir certa identidade e estrutura, estando abrigado no art. 1º da Carta Magna. VIII – Concessão de interpretação conforme à Constituição ao § 2º do art. 3º da Lei 9.096/1995, na redação dada pela Lei 13.831/2019, para assentar que os partidos políticos podem, no exercício de sua autonomia constitucional, estabelecer a duração dos mandatos de seus dirigentes desde que compatível com o princípio republicano da alternância do poder concretizado por meio da realização de eleições periódicas em prazo razoável. IX – Inconstitucionalidade do art. 3º, § 3º, da Lei 9.096/1995, na redação dada pela Lei 13.831/2019, ao fixar o prazo de duração de até 8 (oito) anos das comissões provisórias. Período durante o qual podem ser realizadas distintas eleições (gerais e municipais), para todos os níveis federativos. O que é provisório não é eterno; o que é temporário, não pode ser permanente; o que é efêmero, não é duradouro. X – Improcedência do pedido quanto ao art. 55-D da Lei 9.096/1995, na redação dada pela Lei 13.831/2019. XI – Modulação para que a decisão, no trecho em que reconhece a inconstitucionalidade da norma, produza efeitos exclusivamente a partir de janeiro de 2023, prazo posterior ao encerramento do presente ciclo eleitoral, após o qual o Tribunal Superior Eleitoral poderá analisar a compatibilidade dos estatutos com o presente acórdão. (STF. ADI 6230, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 08-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 15-08-2022 PUBLIC 16-08-2022)
Nathália Mansur
Tabeliã em Goiânia-GO e Mestre em Direito. Autora do livro “Da Inclusão dos Tabelionatos de Notas de MG como gatekeepers na prevenção de crimes de Lavagem de Capitais à luz do Provimento 88 do CNJ”.