A responsabilidade dos fundos de investimento em ações trabalhistas   Migalhas
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A responsabilidade dos fundos de investimento em ações trabalhistas – Migalhas

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Na data de 13/2/25 o TST publicou acórdão (RR-10319-12.2018.5.03.0091) sobre a responsabilidade trabalhista da gestora dos FIP – fundos de investimento em participação e dos fundos em si em processos trabalhistas em que figuram como parte juntamente com as companhias investidas.

No processo que originou a discussão tanto o juízo de primeiro grau quanto o TRT da 3ª região julgaram procedente a ação e condenaram solidariamente o fundo de investimento e sua gestora ao pagamento das verbas rescisórias.

Importante destacar que a reclamante foi contratada exclusivamente pela empresa que recebeu investimentos e não pelo FIP.

A fundamentação das decisões foi no sentido de que a gestora e o FIP devem atuar no processo decisório da sociedade investida, influenciando diretamente sua gestão (anexo normativo IV da resolução CVM 175, de 23/12/22).

Concluiu os julgadores que o objetivo do fundo é a obtenção de retornos financeiros por meio de investimentos em empresas de vários setores, o que supostamente configuraria comunhão de interesses reconhecendo a existência de grupo econômico (art. 2º, § 2º, da CLT c/c art. 3º, § 2º, da lei 5.889/73).

No TST a decisão foi parcialmente alterada, entendeu que o FIP, quando tem poder de decisão sobre a cia, pode ser incluído no polo passivo da ação tendo em vista a configuração do grupo econômico; já a gestora foi excluída da ação sob fundamento de que se limita a administrar os recursos do fundo, não possuí poder de gestão e não detinha controle sobre a empresa.

Parcialmente correta a decisão do TST.

No que se refere aos fundos de investimento em participação trata-se de comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial destinado à aplicação em companhias abertas, fechadas ou sociedades limitadas.

As cotas do investimento somente são resgatadas ao término de sua duração ou mediante deliberação em assembléia.

Ainda que, via de regra, os fundos possam ter influência direta na gestão das empresas investidas seja através de obtenção de ações que integrem o bloco de controle ou acordo entre os acionistas, tal fato por si só não permite responsabilizar os FIP’s sob pena inclusive de violação aos princípios constitucionais da ordem econômica em especial da livre iniciativa.

Via de regra os fundos de investimentos podem possuir diversos ativos a depender de sua constituição e consequentemente têem em seu portfólio diversas empresas como companhias investidas.

O intuito do fundo é obter recursos através de investimentos regulares, o que descaracteriza por completo qualquer tipo de responsabilidade trabalhista. E mais, o capital do FIP não se confundo com o capital das cias.

O que eventualmente seria possível em caso de inadimplemento trabalhista é a penhora online nas contas da empresa investida e se acaso houver investimento do FIP esse valor ser pedirdo pelos investidores, trata-se do risco do negócio.

Se assim não for, uma instituição financeira quando empresta dinheiro a empresas com o fim de fomentar o negócio, permitir a constituição de capital de giro com condições especiais poderia ser considerada responsável pelas dívidas trabalhistas?

Ainda que a comparação pareça absurda, é o que de fato acontece, os fundos estão sendo responsabilizados por fomentarem o crescimento de estabelecimentos comerciais, o que pode desincentivar totalmente o investimento (daí a ofensa ao princípio constitucional da livre iniciativa).

Ademais, não há lei que responsabilize o FIP pelas dívidas trabalhistas, mas tão somente uma aplicação analógica do art. 2º, § 2º, da CLT, consequentemente, também é o caso de ofensa ao princípio da legalidade.

No que se refere à caracterização do grupo econômico a característica principal é a existência de direção econômica unitária; que, por sua vez, revela-se pela existência de uma política geral do grupo (group planning process). No caso do FIP ainda que ele possa se envolver na direção e administração das empresas investidas não existe uma comunhão de interesses em comum. O FIP é complemente independente e não se confunde com as companhias investidas.

Os objetivos também são distintos, o FIP se preocupa em garantir e aumentar o capital dos investidores enquanto a empresa investida busca o crescimento. Obviamente, que os objetivos em algum momento se interligam, mas não se confundem.

No mais, a participação na gestão da cia investida visa garantir uma administração responsável (governança corporativa), agregar valor e retorno a longo prazo. O objetivo maior do FIP é identificar oportunidades de retorno para os investidores.

Os fundos de investimento em participação, sequer possuem personalidade jurídica, consistindo tão somente em carteira financeira de curto, médio ou longo prazo, formada por diversos títulos pertencentes a vários investidores. Consequentemente, não podem ser confundidos com sociedades ou empresas, tampouco serem parte de grupo econômico (art.4 º da resolução 175/22 da CVM).

Caso contrário, todas as cias investidas seriam também parte de um grande grupo econômico, mesmo que com atividades econômicas distintas, setores econômicos diversos e gestões diversas, tudo por uma única ligação: receberem investimentos de um mesmo FIP; imagine a insegurança jurídica.

Outra questão importante é: se é possível responsabilizar o fundo de maneira indiscriminada seria então possível responsabilizar os investidores? A jurisprudência trabalhista ao propiciar a responsabilização dos FIP’s (seja solidária ou subsidiária) cria uma cadeia de causa e efeito sem fim.

Inicialmente responsabilizam-se os fundos de investimento, não conseguindo alcançar o patrimônio do FIP busca-se então o patrimônio dos investidores e consequentemente as empresas ou quotas o qual são sócios (desconsideração reversa da personalidade jurídica).

Não é razoável, tampouco legal.

Importante ressaltar que a regulamentação dos FIP’s através da resolução CVM 175, DE 23/12/22 já impõe aos fundos uma administração responsável das empresas investidas; inclusive para certos investimentos em determinadas classes as empresas investidas são obrigadas a manter práticas de governança corporativa (II, §4º, art. 56).

Quanto a responsabilização dos fundos de investimentos a lei de liberdade econômica acresceu ao CC o art. 1.368-D com a seguinte previsão:

“Art. 1.368-D. O regulamento do fundo de investimento poderá, observado o disposto na regulamentação a que se refere o § 2º do art. 1.368-C desta Lei, estabelecer:

I – a limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor de suas cotas;

II – a limitação da responsabilidade, bem como parâmetros de sua aferição, dos prestadores de serviços do fundo de investimento, perante o condomínio e entre si, ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade”.

Logo, legalmente, a responsabilidade dos fundos é limitada ao patrimômio do FIP e dos investidores à sua cota.

Consequentemente, aplicável a desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, o patrimônio do fundo e dos cotistas somente poderia ser responsabilizado em casos de abuso, desvio de finalidade ou fraude (art. 50 do CC).

Por analogia, atente-se ao seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

(…) 7. O patrimônio gerido pelo Fundo de Investimento em Participações (FIP) pertence, em condomínio, a todos os investidores (cotistas), a impedir a responsabilização do fundo por dívida de um único cotista, de modo que, em tese, não poderia a constrição judicial recair sobre todo o patrimônio comum do fundo de investimento por dívidas de um só cotista, ressalvada a penhora da sua cota-parte. 8. A impossibilidade de responsabilização do fundo por dívidas de um único cotista, de obrigatória observância em circunstâncias normais, deve ceder diante da comprovação inequívoca de que a própria constituição do fundo de investimento se deu de forma fraudulenta, como forma de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico. 9. Comprovado o abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros), e/ou confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para atingir o patrimônio de outras pertencentes ao mesmo grupo econômico. 10. Hipótese em que a desconsideração inversa da personalidade jurídica foi determinada com base em desvio de finalidade e confusão patrimonial, não constituindo o recurso especial a via processual adequada para modificar as conclusões do acórdão recorrido, obtidas a partir da análise da documentação juntada aos autos. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 11. No momento da constrição determinada pelo juízo da execução, como consequência da desconsideração inversa da personalidade jurídica do devedor, o fundo de investimento que teve o seu patrimônio constrito possuía apenas dois cotistas, ambos integrantes do mesmo conglomerado econômico, a revelar que o ato de constrição judicial não atingiu o patrimônio de terceiros. 12. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1965982 – SP (2021/0219147-9) – Julgado em 05/04/2022).

Portanto, equivoca a Justiça do Trabalho ao entender que os fundos de investimento em participação atuam como verdadeiro grupo econômico em conjunto com as empresas investidas.

A única maneira de se atingir o patrimônio dos fundos de investimentos em participação seria mediante desconsideração da personalidade jurídica, desde que preenchidas as hipóteses do art. 50 do CC (abuso de direito, fraude ou confusão patrimonial).

Entendimento contrário (como acontece na Justiça do Trabalho) implica em a ofensa ao princípio da livre iniciativa isto porque ao entender pela formação do grupo econômico entre os fundos de investimentos em participação e as empresas investidas, cria aos investidores ônus desarrazoado sem qualquer fundamento legal que justifique a redução do exercício de liberdade e propriedade.

Kátia Silva Alves

Kátia Silva Alves

Advogada Trabalhista Empresarial. Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Processo Civil, ambas pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Jurimetria pela PUC/PR.

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