Direito do patrimônio cultural: Pelourinho, preservar para perpetuar!   Migalhas
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Direito do patrimônio cultural: Pelourinho, preservar para perpetuar! – Migalhas

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A promoção e proteção do patrimônio cultural são princípios estabelecidos no §1º do art. 216 da CF/88. Imóveis históricos, como a Igreja de São Francisco, no Pelourinho, são testemunhos da memória coletiva, refletindo um passado vinculado ao período escravocrata do regime colonialista de exploração. Dessa forma, a preservação desses bens não deve se restringir à simples manutenção de suas formas originais, mas sim considerar novas possibilidades democráticas (SANTOS; MENDES, 2018) que atualizem seu significado para a sociedade contemporânea.

A recente tragédia envolvendo o desabamento parcial do teto da Igreja de São Francisco, resultando em uma vítima fatal e cinco pessoas feridas, evidencia a vulnerabilidade da população brasileira após 350 anos de escravidão. Esse episódio ressalta a necessidade de uma “macro justiça de transição” a partir da CF/88, enfatizando a urgência em reforçar a autonomia e a efetividade ao direito do patrimônio cultural (PAIVA, 2022). Portanto, faz-se essencial uma reavaliação das políticas de conservação, garantindo que esses bens não apenas sejam preservados fisicamente, mas que também permaneçam acessíveis à sociedade, sem que sua proteção dependa exclusivamente de recursos públicos escassos ou ações pontuais.

O Pelourinho é reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO desde 1985, no mesmo ano de indicação do surgimento da axé music, há 40 anos. O centro histórico representa, então, o maior conjunto arquitetônico colonial lusitano ultramarino, edificado na cidade de Salvador. Nesse cenário, as batucadas de samba reggae do olodum desempenham um papel crucial na vida de muitos jovens, por meio das artes. Entretanto, apesar desse reconhecimento e do forte movimento de resistência cultural, os desafios para a preservação persistem. A degradação progressiva do Pelourinho, somada à falta de investimentos contínuos e à ausência de apoio às estratégias de manutenção comunitária, colocam em risco tanto o valor histórico do local quanto a segurança da população que por ali permanece e circula diariamente.

Diante desse contexto, torna-se imprescindível a implementação de políticas públicas eficazes, para a conservação do patrimônio cultural. Isso pode ser feito, por exemplo, alinhado às transformações propostas pela reforma tributária quanto ao ICMS. Uma medida emergencial pode ser a adoção do ICMS patrimônio cultural na Bahia, inspirado no modelo de Minas Gerais. Esse incentivo fiscal, é inteiramente viável já no período de transição da reforma tributária, para permitir destinar anualmente parte da arrecadação do ICMS à preservação de bens culturais, beneficiando municípios comprometidos com seu acervo histórico até a efetivação definitiva do IBS, sendo certo o retorno do investimento público por meio da economia da cultura.

Além disso, cabe sugerir a criação de um projeto de monitoramento e preservação comunitária do patrimônio cultural no Centro Histórico de Salvador. Esse projeto pode envolver universidades, imprensa, setor privado, comercial e de turismo, organizações não governamentais, advocacia, classe artística e a comunidade local. A participação ativa desses agentes pode garantir que a proteção do patrimônio seja um compromisso coletivo e contínuo na comunidade, para assegurar sua vitalidade, visibilidade e ressignificação, com ocupação cidadã do polo ativo, para o requerimento de suporte estatal do Poder Público, sem deixar faltar e até pensando em inovar nos pedidos de providências indispensáveis à conservação do patrimônio cultural.

O mestre da cultura popular Clarindo Silva, conhecido como Clarindo da Cantina da Lua, reforça a necessidade de promoção e proteção constitucional do patrimônio cultural no Pelourinho ao lançar, com recursos próprios, a campanha “Centro Histórico: Preservar para perpetuar”. Como ancião griô, sua legitimidade cultural confere à campanha um caráter incontestável, devendo haver aceitação imediata tanto das autoridades, sobretudo nos parlamentos, quanto da sociedade. Para a proteção efetiva do Centro Histórico de Salvador, é crucial incentivar a participação popular na implementação de medidas concretas de defesa do patrimônio cultural.

Outra ação para fortalecer a proteção do patrimônio cultural brasileiro, com potencial para evitar que tragédias como a ocorrida na Igreja de São Francisco se repitam, é a criação do Código do Patrimônio Cultural para o Brasil. Esse instrumento normativo vai consolidar princípios e diretrizes, estabelecendo critérios claros para a preservação, gestão e fiscalização dos bens culturais do país. Sua formulação deve considerar o conteúdo da Carta de Ouro Preto, divulgada no Seminário Nacional de Direito do Patrimônio Cultural de 2023, almejando que a legislação reflita um compromisso sólido com a democratização da memória e do acesso ao patrimônio.

A preservação do patrimônio cultural não deve se limitar à conservação física dos bens históricos, mas sim envolver a população na construção de novos significados e usos para esses espaços. As políticas públicas devem incentivar a apropriação do patrimônio pela comunidade, promovendo atividades culturais, educativas e econômicas que fortaleçam a identidade local e valorizem esse legado ampliando as formas de acautelamento dos bens culturais, dado a multiplicidade de partes envolvidas com o manejo e, dessa maneira a preservação.

Por fim, a conclusão de que a proteção do patrimônio cultural deve ser uma responsabilidade compartilhada entre Poder Público, iniciativa privada e sociedade civil. Com a adoção de mecanismos financeiros específicos e uma legislação moderna e participativa talvez seja possível evitar perdas e danos, de modo a garantir que o legado cultural do Brasil perdure, inspirando novas gerações e conectando memória, segurança e identidade coletiva.

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CARTA DE OURO PRETO. Seminário Nacional de Direito do Patrimônio Cultural, 2023. Disponível em: https://www.seminariodireitopatrimoniocultural.gov.br/carta-de-ouro-preto . Acesso em: 24 fev. 2025.

INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS – IEPHA/MG. Programa ICMS Patrimônio Cultural: exercício 2025 alcança 98,47% dos municípios. Disponível em: https://www.iepha.mg.gov.br/index.php/noticias-menu/902-programa-icms-patrimonio-cultural-exercicio-2025-alcanca-98-47-dos-municipios. Acesso em: 24 fev. 2025.

PAIVA, Carlos Magno. Direito do Patrimônio Cultural: autonomia e efetividade. Curitiba: Editora Juruá, 2022.

SANTOS, Boaventura de Souza; MENDES, José Manuel (org.). Demodiversidade: imaginar novas possibilidades democráticas. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018.

Alexandre Aguiar

Alexandre Aguiar

Advogado Culturalista, Palestrante e Assessor Jurídico, Ex-Presidente da Comissão de Cultura da OAB/BA (Triênio 2022-24)

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