O princípio da insignificância sob a ótica penal tributária   Migalhas
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O princípio da insignificância sob a ótica penal tributária – Migalhas

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A CF/88 irradia ao Direito Penal e Processual Penal a dignidade da pessoa humana de acordo com o art.1º, inc. III. Sendo assim, resta ultrapassada a visão do sujeito, diga-se réu, enquanto mero objeto do conjunto de atos procedimentais em busca da verdade real.

Por dignidade da pessoa humana pode-se considerar, segundo Maria Garcia, a “compreensão do ser humano na sua integridade física e psíquica, como autodeterminação consciente, garantida moral e juridicamente”. Dignidade da pessoa humana é um bem superior aos demais e essencial a todos os direitos fundamentais do homem, que atrai todos os demais valores constitucionais para si.1

Ao passo que, ante a estrutura acusatória enxertada à lógica processualística em conjunto à estrutura tripartite do crime, as ações do ser humano gozam de interpretação consoante o princípio da insignificância quando preenchidos os requisitos (vetores) objetivos apontados pela jurisprudência: mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, e inexpressividade da lesão jurídica provocada. Além disso, citamos a temática tributária:

Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários Federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20 mil, a teor do disposto no art. 20 da lei 10.522/02, com as atualizações efetivadas pelas portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.2

Noutra observação, o princípio da insignificância detém a capacidade de afastar a tipicidade material do delito. Posto que, exige-se da análise da conduta do indivíduo a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado em simbiose ao princípio da ofensividade. A título de exemplo, o CP disciplina o crime de descaminho no art. 334 que corresponde à ação de iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.

Mais a mais, em que pese a insignificância ser apresentada a alunos de Direito ou demais operadores sob a ótica patrimonial, por exemplo, art. 155 do CP que criminaliza o furto, não se deve olvidar sua incidência ainda que em sede de tipicidade que busque à proteção da arrecadação de tributos conferida pela arquitetura jurídica pátria.

Com esse ponto de partida, os crimes contra a ordem tributária, tipificados na lei de 8.137/90, devem ser necessariamente interpretados e aplicados também com vistas à proteção subsidiária de um bem jurídico determinado, neste caso, a ordem tributária enquanto atividade administrada pelo Estado, personificado na Fazenda Pública dos distintos entes estatais (União, Estados, Distrito Federal, e municípios), dirigida à arrecadação de ingressos e à gestão de gastos em benefício da sociedade.3

Dito isso, o Direito Penal volta-se à proteção da arrecadação dos tributos para que o Estado desempenhe seus mandamentos constitucionais programáticos, como por exemplo, a garantia do desenvolvimento nacional, art.3º, inc. II da CF/88. Entretanto, a mencionada tutela inibitória sofre irradiação da dignidade da pessoa humana, e por consequência admite-se o princípio da insignificância nos moldes dos vetores objetivos da jurisprudência, para fundamentar a inexistência da tipicidade material tributária na conduta do réu, tornando-o inapto ao sofrimento das mazelas processuais penais ainda que acusatórias.

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1 Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. V.1, 25ª ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p.75

2 STJ. 3ª Seção. REsp 1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018 (Recurso Repetitivo – Tema 157). CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É possível aplicar retroativamente um ato normativo que aumenta o valor mínimo para ajuizamento de execução fiscal, reconhecendo a insignificância de crimes tributários estaduais cometidos antes de sua vigência?. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/edbdd777879cbb165a94951e6a425b3f. Acesso em: 21/02/2025

3 Bitencourt, Cezar Roberto. Monteiro, Luciana de Oliveira. Crimes contra a Ordem Tributária, 2ª ed., São Paulo: Saraiva Jur: 2023, p.11

Tomás Augusto

Tomás Augusto

Professor Universitário.

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