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O STJ firmou a súmula 115 em 1994, ainda sobre a vigência do CPC/1973, com a seguinte construção redacional: “na instância especial, é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.”
De maneira sucinta, todo recurso deve cumprir todos os requisitos de admissibilidade, aqueles que são inerentes à validade do ato recursal e, dentre estes, a regularidade procedimental é de necessário cumprimento.
A regularidade procedimental é a concepção de um requisito aberto, como um super-requisito de admissibilidade, uma conjunção de vários detalhes que devem ser seguidos para permitir-se o julgamento meritório de um recurso. Essa regularidade deve ser do recurso como um todo, perfazendo em diversos pontos a serem cumpridos para que este requisito seja plenamente cumprido.
Se esse requisito é geral, a sua construção deve ser vista como o cumprimento de pequenos requisitos que versam sobre procedimento e seu cumprimento quando se protocola um recurso, formando em conjunto a regularidade procedimental. O requisito é desde a petição ser em português, escrita, protocolada onde o ordenamento determina até a representação da capacidade postulatória estar regular.
Ou seja, a procuração a procuração e os substabelecimentos são essenciais para qualquer ato processual, ainda que seja admitido excepcionalmente a regularização, incluindo o recurso. Se a parte pretende recorrer, como ato processual que é, o recurso deve conter a regularidade da representação da capacidade postulatória.
No entanto, o STJ tem – ou tinha – a súmula 115 sobre a inexistência do recurso quando interposto por advogado sem procuração. A própria súmula já era equívoco claro, uma vez que era incompatível com o ordenamento processual anteriormente vigente e a prática do ato processual sem procuração e a sua sempre possível correção, seja em petição inicial, seja em contestação, seja em audiência, etc.
Não havia dúvidas no ordenamento anterior sobre a possibilidade de sanar o vício da atuação sem procuração com a juntada desta em prazo hábil, geralmente 15 dias. Nos tribunais de segundo grau, ainda no CPC/1973, renovava-se o ato processual, com a devida intimação para que o recorrente procedesse com a regularização, com entendimento totalmente diverso daquele constante nos tribunais superiores.
Ou seja, a súmula 115 do STJ criava uma disparidade entre o que ocorria na normalidade processual – primeiro e segundo graus – e nas instâncias superiores, sem um motivo claro.
Outro erro que a doutrina sempre divergiu do teor da súmula 115 do STJ era considerar inexistente um ato praticado com vício. Falta de representação é vício, ainda que se considere (equivocadamente) como insanável, ainda é um vício, operando no plano da validade processual e não da existência, o que impede de considerar o recurso como ato inexistente, sendo um erro interpretativo que impacta até a data do protocolo, trânsito em julgado e eventual prazo de ação rescisória.
No CPC atual, com a existência dos dispositivos do art. 932, parágrafo único e o 938, em seus §§ 1º e 2º, sobre a possibilidade de sanar o vício na fase recursal, a juntada ou não da procuração nos autos é uma dessas hipóteses, deixando tal súmula 115 do STJ totalmente inócua e ultrapassada1, tornando unificadas as possibilidades de regularização por falta de procuração em quaisquer recursos, independente de instância.
Para não ter nenhuma dúvida, o art. 1.029, § 3º do CPC inseriu que a correção recursal formal também é válida aos tribunais superiores, o que impacta todos os vícios sanáveis, incluindo a juntada de procuração ou substabelecimento para a regularização da representação processual.
Dessa maneira, o primeiro impacto na doutrina foi entender que a súmula estava superada, contudo a leitura do STJ foi em um sentido dúbio, com a possibilidade de correção, conforme os artigos descritos e revogando o imediatismo do impacto ao recurso de um prejuízo, porém, em caso de descumprimento, com a incidência da citada súmula2.
O entendimento ainda é errado, ainda que inicialmente correto.
Se o recurso especial for interposto sem procuração, deve ser intimada a parte contrária para regularização em 5 dias e, posteriormente a este prazo, sem fazê-lo, o recurso deve ser não conhecido, mas sem considerar como inexistente, somente como um vício impeditivo da continuidade do procedimento recursal.
Um ponto no plano da validade, não da existência.
De todo modo, foi uma maneira que o STJ entendeu de não cancelar a súmula, somente adaptando-a para o novo regramento, acertando no prazo de correção e dando continuidade ao erro sem a correção, quando a procuração ou substabelecimento não é juntado e, assim, o recurso deve ser não conhecido por falta de regularidade, não pela citada súmula, tampouco por inexistência recursal.
Se o STJ entende que há um prazo para correção, a súmula foi superada, justamente pelo seu teor. O enunciado sumular somente fazia sentido, ainda que inserindo o termo errado da inexistência, pela inadmissibilidade imediata, sem prazo. Se o atual ordenamento determina um prazo e o STJ segue, a súmula e seu imediatismo pela inadmissibilidade acabam e se o recorrente for intimado para correção, sem proceder esta, a inadmissibilidade não será pela “incidência da Súmula”, como o STJ insiste em realizar, mas pela própria falta de regularidade procedimental.
Há um apego demasiado à súmula 115, sendo que o próprio ordenamento e a lógica recursal possibilitam a inadmissibilidade, sem necessidade de incorrer na manutenção de um erro.
Recentemente, a 6ª turma do STJ enfrentou em um julgado – AgRg no AREsp 2.730.9263 – um ponto que teve o mesmo entendimento, com algumas informações a mais.
No caso julgado, o agravo em recursal especial foi interposto com uma assinatura digital por um advogado que não continha poderes, sem procuração ou substabelecimento, o que gera um vício de falta de procuração.
A parte foi intimada para sanar o vício, o que poderia ser feito com a juntada de procuração ou substabelecimento, o que não foi realizado, sem sanar o vício, sem qualquer regularização da representação, ensejando um não conhecimento do próprio agravo.
Em agravo regimental, foi explicado pelo advogado do caso que teve problemas para protocolar sua peça, por ele assinada e um colega realizou somente o protocolo eletrônico, mas que o documento era por ele assinado, sem juntada de procuração do advogado que o ajudou.
Com isso, houve a configuração de uma situação em que um advogado protocolou eletronicamente sem procuração e o que detinha a procuração somente assinou digitalmente o documento, sem ser o responsável pelo protocolo. Intimado para sanar o vício, não substabeleceu o processo, mesmo que com reserva, somente explicando o ocorrido4.
A 6ª turma do STJ entendeu que a matéria é pacífica no caso de divergência de assinaturas5, com a necessidade do advogado titular do certificado digital utilizado para assinar a transmissão eletrônica da petição deve possuir instrumento de procuração no processo.
Diante dessa não juntada de qualquer correção sobre o vício da representação, o relator votou pela incidência da súmula 115 do STJ, o que é um erro, como defendido, ainda que não seja um erro inadmitir este recurso. Logo, é um acerto em resultado e um erro total em fundamentação e construção argumentativa.
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1 Enunciado n.º 83 do FPPC: Fica superado o enunciado 115 da súmula do STJ após a entrada em vigor do CPC (“Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”).
2 PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. INTIMAÇÃO PARA REGULARIZAÇÃO. DECURSO DE PRAZO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 115/STJ. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. . II – Interposto o Agravo Interno sem procuração dos autos, no regime do CPC/2015, deve a parte ser intimada para suprir a deficiência, nos termos do art. 932, parágrafo único. Na hipótese, houve transcurso do prazo de cinco dias sem que o causídico apresentasse o instrumento de mandato. III – E entendimento assente neste Tribunal Superior, consolidado inclusive no enunciado sumular n. 115, que: “na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.” (STJ – AgInt no AREsp: 954121, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Data de Julgamento: 07/11/2017, 1ª Turma, Data de Publicação: DJe 16/11/2017)
3 O principal trecho do tema enfrentado pela 6ª Turma do STJ: “Não é possível o conhecimento do recurso na hipótese em que o advogado titular do certificado digital utilizado para assinar a transmissão eletrônica da petição não possui procuração nos autos, pois o recurso é considerado inexistente.” (.) (STJ – AgRg no AREsp 2.730.926-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ªTurma, por unanimidade, julgado em 11/2/2025.)
4 A jurisprudência prevê uma exceção, com a possibilidade de o advogado que protocola eletronicamente não tenha a procuração, desde que o sistema reconheça a assinatura do documento juntado desde logo pelo advogado que detém procuração. Ao invés de juntar a procurçaão ou substabelecimento, o advogado preferiu seguir na kinha do julgado a ser citado, porém com o 6ª Turma entendendo que não seria a memsa situação fática: “desde que se trate de documento (i) nato-digital/digitalizado assinado eletronicamente com certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, nos termos da MP n. 2.200-2/2001, por patrono com procuração nos autos, desde que a plataforma de processo eletrônico judicial seja capaz de validar a assinatura digital do documento; (.) (AgInt no AREsp 1.917.838, Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe de 9/9/2022)
5 O que foi citado no julgado analisado como entendimento anterior: Não é possível o conhecimento do recurso na hipótese em que o advogado titular do certificado digital utilizado para assinar a transmissão eletrônica da petição não possui instrumento de procuração nos autos, pois o recurso é considerado inexistente. (AgInt no AREsp 2.620.983, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, DJe de 3/10/2024).
Vinicius Silva Lemos
Pós-Doutor em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto UFAC. Conselheiro Federal pela OAB Rondônia. Advogado.