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O PLP 16/25, protocolado por quatro deputados na Câmara dos Deputados, busca alterar a lei complementar 87/96 (lei Kandir), e a recém promulgada lei complementar 214/25, que instituiu o IBS -Imposto sobre Bens e Serviços, a CBS – Contribuição Social sobre Bens e Serviços e o IS – Imposto Seletivo, dentre outras disposições.
Segundo o projeto de lei, o propósito visa cumprir a CF/88, visando garantir igualdade das condições e regras do IBS e da CBS, e a garantia do princípio da neutralidade do novo IVA. (art. 149-B e art. 156-A, § 1º, ambos da Constituição Federal, incluído pela EC 132/23).
Ainda de acordo com o projeto de lei de iniciativa da Câmara dos Deputados, busca-se, em última análise, excluir o IVA-Dual (IBS/CBS) das bases do ICMS, ISS e IPI “para evitar insegurança jurídica e conflitos fiscais, garantindo um sistema tributário mais claro, eficiente e alinhado aos princípios constitucionais”.
É salutar a pretensão apresentada através do PLP 16/25. No entanto, cabe destacarmos que o texto constitucional vigente, através da EC 132/23, dispõe em sentido inverso. Quanto a esse aspecto, importante rememorarmos a linha do tempo da aprovação do texto constitucional da reforma tributária do consumo, que nos indicará que a própria Câmara dos Deputados alterou o texto para acomodar essa incidência de ICMS e ISS sobre o IBS e CBS.
Na versão do autógrafo remetido pela Câmara dos Deputados ao Senado Federal, em agosto de 2023, o texto dispunha que IBS e CBS não integrariam as suas próprias bases de cálculo e nem integrariam as bases de cálculo do IS, do ICMS e do ISS. O texto remetido ao Senado não previa que o IVA-Dual não integraria as bases de cálculo do PIS e da Cofins, ensejando entendimento de que seria possível o mesmo ser tributado por essas duas contribuições durante o período de transição.
Na oportunidade em que analisou o texto recebido da Câmara dos Deputados, o Senado Federal discutiu e entendeu que, além do IS, ICMS e ISS, o novo IVA-Dual não integraria, também, a base de cálculo do IPI, e nem das contribuições ao PIS e à Cofins. Neste sentido, em novembro de 2023, remeteu o autógrafo à Câmara dos Deputados com nova redação. As Casas Legislativas concordavam, portanto, que IBS e CBS não poderiam integrar as bases de IS, ICMS e ISS. O Senado Federal ampliou essa previsão constitucional para o IPI, o PIS e a Cofins, alterando, neste sentido, conteúdo material da PEC 45/19.
No processo de reanálise para avaliar e aprovar as alterações implementadas no texto pelo Senado Federal, a Câmara dos Deputados realizou uma alteração nos dispositivos que tratavam dessa questão das bases de cálculo (inciso IX do §1º do art. 156-A e §17 do art. 195, todos da EC 132/23). A Câmara retirou do texto as disposições relacionadas ao IPI, ICMS e ISS, o que significa que IBS e CBS passariam a integrar as bases desses três impostos durante a fase de transição, entre 2027 e 2032. Esse, portanto, foi o texto aprovado e promulgado no dia 20/12/23 (DOU 21/12/23).
Essa alteração, denominada de “ajuste técnico” pela Secretaria Extraordinária do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, modificou a materialidade da norma, nos termos que haviam sido aprovados pelas duas Casas Legislativas. A possibilidade de incluir o IVA-Dual nas bases de IPI, ICMS e ISS afeta, substancialmente, a arrecadação dos Estados, municípios e do governo federal.
Como se tratava de alteração substancial do texto, esperava-se que o Senado Federal se debruçasse sobre essa alteração no mérito, conforme prevê o processo legislativo. Se o texto aprovado no Senado Federal teve modificação substancial na Câmara dos Deputados, ela deveria voltar para o Senado para nova apreciação, e assim, sucessivamente. Não foi o que ocorreu.
Como se verifica, não se trata apenas de um “ajuste técnico”, como se pronunciou a Secretaria Extraordinária do Ministério da Fazenda. A alteração promovida de última hora pelo relator da Câmara dos Deputados, no dia 15/12/23, passou despercebida por muitos, inclusive deputados que acompanharam de perto a tramitação da PEC 45/19. Registre-se, também, que referida alteração de mérito para excluir a vedação da cobrança do IPI, ICMS e ISS sobre o IBS e a CBS não constou no relatório lido pelo relator na referida sessão, bem como não houve discussões acerca da matéria ou explicações acerca destas alterações feitas no texto recebido do Senado Federal. Apesar de alguns protestos de parlamentares no dia da sessão de aprovação da PEC 45/19, o presidente da Casa assegurou a manutenção da apreciação e votação da proposta.
Nesse cenário, importante destacar que há oito anos o STF decidia o Tema 69 de Repercussão Geral, em que a Corte entendeu que o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins. A partir disso, outras ações (teses filhotes) surgiram, dentre elas, a inclusão de PIS e Cofins nas suas próprias bases de cálculo e nas bases do ISS. No caso do ISS, não houve influência significativa do referido Tema 69 para também excluir as contribuições do imposto municipal. Conforme entendimento da 2ª Turma do STF no ARE 1.522.508, não se pode alterar a base de cálculo do imposto municipal sem que haja previsão na lei complementar 116/03.
Essas discussões acerca da inclusão de tributos nas bases de cálculos de outros tributos é tema recorrente em conversas sobre as condições do sistema tributário nacional e no judiciário. Com a propositura da reforma tributária do consumo havia expectativa de que essa anomalia fosse, enfim, corrigida, já na sua promulgação. Conforme os novos princípios insculpidos no §3º do art. 145 da CF/88, incluídos pela EC 132/23, o sistema tributário nacional deverá observar os princípios da simplicidade, da transparência e da justiça tributária, dentre outros.
Porém, o que se verificou foi uma manutenção do caos tributário com a previsão de inclusão de tributos nas bases de outros. De maneira mais gravosa, a EC 132/23 criou um IVA em substituição aos atuais ICMS, ISS, PIS e Cofins, permitindo que haja incidência de IPI, ICMS e ISS sobre IBS e CBS, o que não parece estar alinhado aos próprios princípios de simplicidade e transparência.
Afinal, o novo IVA (IBS e CBS) passará a ser o preço da mercadoria que circulará, sujeita ao ICMS, e passará a ser o preço do serviço cobrado do prestador para fins da incidência do ISS? E quanto ao IPI, que não será extinto, este incidirá sobre um valor que equivalerá ao preço do produto nacional ou estrangeiro? Nestes casos, admitir-se-á crédito de ICMS e IPI sobre IBS e CBS? E quanto ao ISS, haverá aumento do custo de aquisição?
Louvável a propositura do PLP 16/25 para ajustar a recém aprovada lei complementar 214/25. Que se aprove o texto! Porém, a fim de que não seja norma natimorta, que se altere, antes, o texto constitucional inserido pela EC 132/23 com uma nova proposta de EC, uma vez que o texto da CF/88 atual diverge do que o pretendido no projeto de lei em análise.
Frise-se, ainda, que, seguindo uma interpretação teleológica do processo de aprovação da PEC 45/23, resultando na EC 132/23, com base no histórico das alterações da referida PEC durante sua tramitação no Congresso Nacional, promulgou-se o texto com o referido “ajuste técnico” de última hora para, de maneira contrária ao pretendido pelo PLP, prever, sim, a incidência de IPI, ICMS e ISS sobre o IBS e sobre a CBS com vistas a assegurar as finanças dos entes durante a transição.
Portanto, se há interesse da Câmara em seguir com a apreciação do PLP, recairá a necessidade, também, de responder por que se admitiu o “ajuste técnico” na redação final da PEC 45/19 da forma como ocorreu. Afinal, teremos uma nova PEC para dar legalidade ao PLP, ou, uma vez que este seja apreciado, nascerá uma lei complementar inconstitucional?
Cleberson Vasconcelos Araujo
Coordenador e Especialista em tributos indiretos. Administrador de Empresas e acadêmico de Direito. Possui 18 anos de experiência na área tributária.