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Outro dia um aluno me perguntou por que a vara judicial é chamada de vara. Para ele – com razão -, a vara é um ramo de árvore, normalmente fino e flexível.
Eis a resposta.
Servidores públicos romanos chamados de lictores andavam à frente dos magistrados, carregando uma insígnia de origem etrusca caracterizada por um feixe de varas amarradas a um machado emergindo do centro para cima, chamada de *fascis lictoris*.
Os lictores acompanhavam os magistrados – inclusive os pretores -, abrindo caminho na multidão, além de servirem como guardas, assistentes e executores de penas – para as quais poderiam usar os *fasces lictoriae*.
A título de curiosidade, de *fascis lictoris* vem também a palavra fascismo, porque os fascistas utilizaram a insígnia romana como símbolo do movimento que deu origem ao Partido Republicano Fascista.
Seguindo a tradição, em Portugal e no Brasil das Ordenações, os juízes eram obrigados a andar com uma vara como insígnia. Juízes ordinários ou da terra, geralmente leigos e eleitos por alguns locais (“os homens bons”), aplicavam normalmente o Direito costumeiro e seguravam varas vermelhas, enquanto juízes de fora, em geral letrados e escolhidos pela Coroa, seguravam varas brancas.
A respeito, Antônio Álvares da Silva cita duas passagens interessantíssimas das Ordenações Filipinas:
“Os juízes ordinários e outros, que Nós de fora mandamos, devem trabalhar, que nos lugares e seus termos, onde forem juízes, se não façam malefícios, nem malfeitorias. E fazendo-se, provejam nisso, e procedam contra os culpados com diligencia.”
“E os juízes ordinários trarão varas vermelhas, e os juízes de fora brancas, continuadamente, quando pela villa andarem, sob pena de quinhentos réis por cada vez, que sem ella forem achados.”
Somente depois os juízes foram dispensados de carregar a vara por onde quer que andassem, e a palavra vara, por metonímia, ganhou o significado jurídico atual: unidade na qual o juiz é lotado e exerce a jurisdição.
Mas a história permanece relevante.
A tradição dá legitimidade e autoridade às instituições jurídicas, porque conecta o presente ao passado, lembrando-nos de que a Justiça é atemporal e transcende gerações.
O respeito à sua própria história e ao seu verdadeiro papel são também fundamentais à credibilidade e à legítima confiança no Poder Judiciário, pois o mantêm como um símbolo de integridade e de imparcialidade.
Observe, porém, que a tradição não se refere apenas às insígnias, aos símbolos, aos trajes forenses, aos pronomes de tratamento formais, à liturgia do cargo ou às práticas antigas; a tradição também diz respeito à preservação de valores e de princípios que se firmaram ao longo de séculos.
Como disse Chesterton, “Tão forte é a tradição que as gerações futuras sonharão com aquilo que elas nunca viram.”
Rodrigo da Cunha Lima Freire
Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Professor de Direito Processual Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogado e Parecerista. youtube e Instagram @ProfRodrigoDaCunha