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1. Introdução
O memorial descritivo é um dos documentos mais relevantes na incorporação imobiliária, pois detalha a estrutura, materiais e características técnicas do empreendimento. Sua finalidade é garantir transparência e segurança jurídica ao comprador, sendo parte essencial do contrato de compra e venda de imóveis na planta. No entanto, muitas construtoras enfrentam desafios relacionados à sua vinculação estrita, especialmente diante da necessidade de ajustes ao longo da execução da obra.
Este artigo examina a força obrigatória do memorial descritivo nos contratos imobiliários, os fundamentos legais que o tornam vinculante e as hipóteses em que sua vinculação pode ser mitigada, abordando também a jurisprudência relevante sobre o tema. Além disso, serão analisados os riscos das compras em pré-lançamento e o papel dos cartórios de registro de imóveis na proteção dos adquirentes.
2. O memorial descritivo e sua natureza jurídica
O memorial descritivo é um documento técnico essencial na incorporação imobiliária. Sua elaboração é obrigatória, conforme previsto na lei 4.591/64, devendo ser arquivado no cartório de registro de imóveis competente. Esse documento especifica detalhes construtivos, como materiais, estrutura e acabamentos, vinculando-se diretamente aos contratos de promessa de compra e venda firmados com os adquirentes.
A sua existência garante transparência e segurança jurídica, pois permite que o comprador tenha plena ciência das características do imóvel antes da conclusão da obra. Alterar unilateralmente esse documento pode configurar violação contratual e dar ensejo a indenização por parte da construtora.
3. A força vinculante do memorial descritivo nos contratos imobiliários
A vinculação do memorial descritivo é fundamentada no princípio da segurança jurídica, na boa-fé objetiva e no CDC.
O STJ, no AgInt nos EDcl no REsp 1.812.658/SE, reiterou que a existência de problemas estruturais na obra e a discrepância entre o memorial descritivo e o projeto apresentado aos consumidores podem ensejar penalidades para a construtora. Qualquer alteração no memorial deve ser previamente comunicada e aprovada pelos compradores.
No mesmo sentido, o TJ/DFT (acórdão 1.824.099, processo 0753862-19.2023.8.07.0016) decidiu que modificações contratuais sem aviso prévio e consentimento do comprador configuram vício de informação, conforme o art. 6º, III, do CDC.
Essas decisões demonstram a obrigatoriedade da incorporação do memorial descritivo ao contrato e a impossibilidade de alteração unilateral pela construtora, salvo se houver previsão contratual expressa e anuência dos adquirentes.
4. O papel do cartório de registro de imóveis no memorial descritivo
O cartório de registro de imóveis desempenha papel fundamental na fiscalização e publicidade do memorial descritivo. Conforme a lei de registros públicos (lei 6.015/73), o cartório deve:
- Garantir o arquivamento e publicidade do memorial descritivo, permitindo que qualquer interessado tenha acesso ao documento;
- Certificar-se da correspondência entre o memorial e o projeto registrado, evitando fraudes e omissões que prejudiquem os adquirentes;
- Exigir o cumprimento dos requisitos legais antes de permitir o registro da incorporação imobiliária, evitando a comercialização irregular de unidades.
A ausência de registro do memorial descritivo pode comprometer a validade do negócio jurídico, impossibilitando, inclusive, a futura regularização da propriedade pelos adquirentes.
5. Compras em pré-lançamento: Riscos e formas de mitigação
Uma prática comum no mercado é a venda de imóveis em pré-lançamento, ou seja, antes mesmo do registro do memorial descritivo. Embora isso possa parecer vantajoso para adquirentes que desejam melhores condições comerciais, há riscos significativos:
- Incerteza sobre as especificações reais da obra: Sem um memorial registrado, os compradores podem não ter garantias concretas sobre as características do empreendimento;
- Dificuldade na fiscalização e cobrança futura: Sem um documento oficial, eventuais alterações realizadas pela construtora podem ser difíceis de contestar;
- Insegurança jurídica: Caso a incorporação não seja registrada, os compradores podem enfrentar dificuldades para obter a escritura definitiva do imóvel.
Formas de mitigação:
- Exigir da construtora a apresentação de um memorial preliminar que contenha os principais detalhes do empreendimento;
- Consultar o cartório de registro de imóveis para verificar se há alguma pendência na incorporação;
- Firmar contratos com cláusulas claras sobre as especificações da obra, prevendo penalidades em caso de descumprimento.
6. Conclusão
O memorial descritivo desempenha um papel crucial na segurança jurídica das incorporações imobiliárias, vinculando as construtoras ao cumprimento das especificações previamente definidas. Sua publicidade por meio dos cartórios garante que adquirentes tenham plena ciência dos termos do negócio, prevenindo fraudes e litígios.
Os riscos das compras em pré-lançamento reforçam a necessidade de maior fiscalização e transparência por parte do mercado imobiliário. A adoção de boas práticas na elaboração e cumprimento do memorial descritivo é essencial para manter um ambiente de confiança e estabilidade jurídica no setor.
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BRASIL. lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o Condomínio em Edificações e as Incorporações Imobiliárias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br.
BRASIL. lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os Registros Públicos e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br.
STJ – AgInt nos EDcl no REsp 1812658/SE.
TJ/DFT – Acórdão 1.824.099, processo 0753862-19.2023.8.07.0016.
Gabriel de Sousa Pires
Advogado, ex-Conselheiro Seccional e atual membro da Comissão de Seleção da OAB-DF. Especialista em Direito Contratual, Imobiliário e Empresarial. Sócio da J Pires Advocacia & Consultoria