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Surgiu a hipossuficiência legal. Não existe impedimento judicial sobre litigância das instituições, mormente as financeiras, contra consumidores devedores. Por quê? Há o direito de agir. De outro lado, nos últimos anos, tem-se observado uma crescente crítica judicial à atuação de advogados que patrocinam reiteradas ações contra instituições financeiras, muitas vezes sob a pecha de “litigância predatória”.
Não conseguem derrubar as teses de defesa, porque é nítido o abuso comercial, então, agora, derrubam-se os defensores. Não tenho uma ação repetida, por ser de área diversa, todavia me incomoda profundamente a perseguição que colegas advogados estão sofrendo. Dizia o mestre “O fim do direito é a paz, e o meio para atingi-lo é a luta. Enquanto o direito precisar estar pronto ante a agressão da injustiça, o que ocorrerá enquanto existir o mundo, não poderá ele poupar se da luta. A vida do direito é luta, uma luta dos povos, do poder do estado, das classes, dos indivíduos.” Rudolf Von Ihering
Magistrados, de norte a sul, em algumas decisões, apontam suposta má-fé ou abuso de direito, sugerindo que tais ações seriam movidas com intuitos especulativos ou desprovidas de fundamento jurídico sólido. Contudo, tal visão carece de respaldo constitucional e legal quando analisada sob a ótica do direito fundamental de acesso à justiça e da função social da advocacia. Este artigo propõe-se a demonstrar que a multiplicidade de ações semelhantes não configura, por si só, prática predatória, mas sim o exercício legítimo de direitos assegurados ao cidadão e o cumprimento do papel essencial do advogado no Estado Democrático de Direito.
O Estatuto da Advocacia (lei 8.906/1994), em seu art. 2º, estabelece que o advogado é “indispensável à administração da justiça” e que, no exercício de sua profissão, atua como defensor do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais. Quando um advogado ajuíza diversas ações semelhantes em nome de diferentes clientes, ele não apenas cumpre seu mister profissional, mas também desempenha um papel de controle social, trazendo à tona violações sistemáticas que, de outro modo, permaneceriam silenciadas.
Rotular tal atuação como predatória é desconsiderar o contexto socioeconômico em que ela se insere. Instituições financeiras, por vezes, valem-se de sua posição de poder para impor contratos desequilibrados ou práticas ilícitas, especialmente contra consumidores vulneráveis. O advogado, ao representar tais vítimas, age como agente de equilíbrio, garantindo que o Judiciário exerça sua função de pacificação social.
O termo “litigância predatória” carece de definição precisa no ordenamento jurídico brasileiro. Sua aplicação, em geral, baseia-se em critérios subjetivos, como o volume de ações propostas ou a percepção de suposta “falta de originalidade” nos pedidos. Contudo, o CPC (lei 13.105/15), em seu art. 80, define os atos que configuram litigância de má-fé – como a provocação de incidente manifestamente infundado ou a alteração indevida da verdade dos fatos -, sem jamais vinculá-los à quantidade de demandas ou à repetição de teses jurídicas.
A multiplicidade de ações idênticas contra uma mesma instituição financeira não implica má-fé, mas evidencia a reiteração de práticas ilícitas que afetam uma pluralidade de indivíduos. Ademais, o CPC, ao prever os IRDR – Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas e os Recursos Extraordinários com repercussão geral, reconhece a existência de causas semelhantes como fenômeno natural do sistema jurídico, oferecendo mecanismos para sua racionalização sem prejuízo ao direito de ação.
Se há um comportamento predatório a ser combatido, este não se encontra na advocacia, mas nas práticas das instituições financeiras que geram o contencioso em massa. A imposição de cláusulas abusivas, a cobrança de tarifas indevidas e a falta de transparência contratual são condutas que violam o CDC (lei 8.078/1990) e alimentam a judicialização. Punir ou estigmatizar os advogados que defendem as vítimas dessas práticas equivale a transferir a responsabilidade do agressor para o defensor, subvertendo a lógica da justiça.
A atuação de advogados em múltiplas ações contra instituições financeiras não pode ser vista como predatória, mas como expressão do Direito Constitucional de acesso à justiça e da missão da advocacia em proteger os cidadãos contra abusos de poder econômico. Longe de sobrecarregar o Judiciário, tais profissionais contribuem para a identificação e correção de falhas sistêmicas, promovendo a efetividade dos direitos fundamentais. Cabe ao Poder Judiciário, portanto, rejeitar preconceitos infundados e valorizar o papel da advocacia como pilar do Estado Democrático de Direito, reconhecendo que o verdadeiro predador não é quem busca a justiça, mas quem a torna necessária.
Ronan Wielewski Botelho
Advogado | Escritor | Eterno Estudante de Matemática | Estratégias Inspiradoras com Direito Exato: Justiça + Matemática | Soluções Inovadoras | Resultados Calculados