A nova tributação sobre o consumo: Impactos da EC 132/23 e LC 214/25   Migalhas
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A nova tributação sobre o consumo: Impactos da EC 132/23 e LC 214/25 – Migalhas

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A nova tributação sobre o consumo: Análise crítica da EC 132/23 e da LC 214/25 sob a ótica jurídica e operacional.

A EC 132/23 e a LC 214/25 representam uma reformulação estrutural do sistema tributário brasileiro, especialmente no que tange à tributação sobre o consumo. O novo modelo extingue tributos como ICMS, ISS, PIS e Cofins, substituindo-os pelo IBS – Imposto sobre Bens e Serviços e a CBS – Contribuição Social sobre Bens e Serviços, além de instituir o IS – Imposto Seletivo para produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (EC 132/23, art. 156-A; LC 214/25, art. 1º).

O IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados, por sua vez, será progressivamente reduzido e substituído parcialmente pelo IS. A partir de 2027, suas alíquotas serão reduzidas a zero para determinados produtos, conforme prevê o art. 454 da LC 214/25, e haverá um mecanismo de compensação financeira aos entes federativos devido à perda de arrecadação do IPI, conforme disposto no art. 477 da mesma lei.

A principal justificativa para a reforma foi a complexidade do sistema anterior, caracterizado por uma elevada carga burocrática e insegurança jurídica. Contudo, para além dos impactos fiscais e arrecadatórios, há desafios substanciais relacionados à implementação, conformidade regulatória e possíveis litígios tributário, os quais serão abordados de maneira aprofundada neste artigo.

Definição das alíquotas e mecanismo de referência

A LC 214/25 estabelece todos os elementos essenciais dos tributos IBS e CBS, exceto as alíquotas, que serão definidas por leis ordinárias da União, Estados e municípios dentro dos parâmetros fixados pela lei complementar (LC 214/25, art. 6º). Essa sistemática implica em um modelo de tributação mais dinâmico, mas também gera desafios em relação à uniformidade da carga tributária.

A soma das alíquotas estadual, municipal e Federal resultará na alíquota total do IBS e da CBS. Contudo, para evitar distorções excessivas entre os entes federativos e impedir guerra fiscal, a Constituição atribuiu ao Senado Federal a competência para fixar alíquotas de referência (EC 132/23, art. 156-A, §3º). Essas alíquotas servirão como parâmetro para os entes federativos e serão aplicadas automaticamente caso Estados e municípios não estabeleçam suas próprias alíquotas.

Além disso, um dos desafios da implementação desse modelo será a articulação entre os entes federativos para garantir que as alíquotas estabelecidas reflitam as necessidades fiscais regionais sem prejudicar a competitividade econômica. Esse aspecto pode gerar debates sobre a autonomia dos Estados e municípios frente às regras impostas pelo Senado Federal.

Segundo Hugo de Brito Machado Segundo:

“A competência do Senado para fixar alíquotas de referência visa garantir maior uniformidade ao novo sistema tributário, evitando práticas predatórias entre os entes federados” (MACHADO SEGUNDO, 2025).

Esse mecanismo busca equilibrar a tributação nacionalmente e garantir previsibilidade para os contribuintes, que poderão operar sem receios de mudanças abruptas na carga tributária conforme o local de sua operação econômica.

Além disso, a LC 214/25 estabelece um limite máximo para a soma das alíquotas do IBS e CBS, garantindo que a carga tributária não ultrapasse um teto estabelecido. O art. 367 da LC 214/25 define que esse teto de referência será baseado na média da arrecadação do período de 2012 a 2021, como proporção do PIB, incluindo tributos substituídos pela reforma tributária. O valor exato do teto será determinado pelo Senado Federal, com base em cálculos do TCU – Tribunal de Contas da União, ajustados periodicamente para garantir a neutralidade da carga tributária.

Ademais, a avaliação quinquenal, prevista no art. 475 da LC 214/25, será conduzida pelo Poder Executivo da União e pelo Comitê Gestor do IBS para analisar a eficiência, eficácia e efetividade da nova estrutura tributária. Esse processo incluirá a análise da devolução personalizada do IBS e CBS, da Cesta Básica Nacional de Alimentos e dos regimes diferenciados e específicos aplicáveis a determinados setores econômicos. Caso as alíquotas de referência estimadas superem 26,5% do PIB após essa avaliação, a União deverá apresentar um projeto de lei complementar propondo ajustes para reduzir a carga tributária a esse limite.

Essa avaliação periódica reforça a necessidade de um monitoramento contínuo dos impactos da reforma e da transparência no processo de definição das alíquotas. Trata-se de um mecanismo essencial para garantir que o novo modelo tributário não resulte em um aumento excessivo da carga tributária, preservando a competitividade e a justiça fiscal no país.

Desafios da implementação e operacionalização

A criação do IBS e da CBS introduz um modelo de arrecadação com novas regras para distribuição das receitas entre os entes federativos. O IBS, por ser um imposto de competência compartilhada, terá sua arrecadação centralizada e distribuída pelo Comitê Gestor do IBS (LC 214/25, art. 47). Já a CBS, por ser um tributo Federal, será administrada pela RFB – Receita Federal do Brasil.

No entanto, essa mudança exige uma adaptação significativa por parte dos contribuintes, que precisarão lidar com:

  • Mudança na sistemática de escrituração fiscal, exigindo ajustes nos sistemas de gestão tributária.
  • Definição das alíquotas estaduais e municipais, que podem gerar distorções regionais na carga tributária.
  • Período de transição entre o modelo atual e o novo regime, no qual ambos coexistirão, aumentando a complexidade operacional para empresas e órgãos fiscais.
  • Risco de divergências na interpretação do que constitui operações tributáveis, uma vez que a LC 214/25 possui definições tautológicas para bens e serviços, o que pode gerar conflitos jurídicos (LC 214/25, art. 3º)

A reforma tributária promovida pela EC 132/23 e regulamentada pela LC 214/25 representa um avanço significativo na simplificação do sistema tributário brasileiro. A substituição de tributos cumulativos por um modelo de tributação baseado na neutralidade e na não cumulatividade tem o potencial de reduzir distorções econômicas e conferir maior previsibilidade ao ambiente de negócios.

Entretanto, essa transformação estrutural exige um esforço coordenado entre os entes federativos, os contribuintes e o Poder Judiciário para garantir uma implementação eficiente e justa.

O sucesso da reforma dependerá da capacidade de adaptação dos contribuintes às novas exigências fiscais, bem como da eficiência na arrecadação e distribuição das receitas tributárias entre União, Estados e municípios. A padronização e simplificação prometidas pela reforma só serão efetivas se houver um esforço contínuo de monitoramento, ajustes regulatórios e transparência na gestão dos tributos.

Por fim, a atuação do Poder Judiciário será essencial para garantir a segurança jurídica e a correta aplicação das normas estabelecidas. Diante das incertezas e desafios que acompanham qualquer grande transformação no sistema tributário, será fundamental que a interpretação das novas regras esteja alinhada com os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da isonomia e da justiça fiscal. Dessa forma, a reforma poderá atingir seu objetivo de criar um sistema mais eficiente, equilibrado e transparente para todos os agentes econômicos.

___________

1 BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.

2 BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025.

3 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Reforma Tributária Comentada e Comparada: Emenda Constitucional 132/2023. São Paulo: Atlas, 2024.

4 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. LC 214/2025 Comentada. São Paulo: Atlas, 2025.

José Reis Nogueira de Barros

José Reis Nogueira de Barros

Advogado, founder @advocacianogueirabarros. Mestrando em Direito, Economia e Gestão. Palestrante, conselheiro, especialista em governança, gestão pública, tributação e relações governamentais.

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