Comissão do leiloeiro   Princípios da causalidade e sucumbência   Migalhas
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Comissão do leiloeiro – Princípios da causalidade e sucumbência – Migalhas

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O instituto da arrematação no processo judicial é um importante mecanismo para satisfação do crédito exequendo e de efetivação da prestação jurisdicional. Contudo, há aspectos ainda pouco debatidos, dentre os quais destaco, neste texto, o que diz respeito aos reflexos financeiros desse procedimento, especialmente no tocante ao direito do arrematante ao ressarcimento da comissão paga ao leiloeiro, quando houver sobra no produto da arrematação, após o pagamento do crédito principal e a resolução 236/16 do CNJ que disciplina a realização de leilões judiciais eletrônicos, trouxe importantes inovações para o processo, buscando torná-lo mais eficiente e transparente.

Dentro de suas disposições, o art. 7º, par. 4º, que trata do ressarcimento da comissão de leiloeiro em caso de arrematação por valor superior ao crédito do exequente, suscita uma interessante análise à luz dos princípios processuais da causalidade1 e da sucumbência2 e do enriquecimento sem causa.3

Diz o citado artigo que “se o valor da arrematação for superior ao crédito do exequente, a comissão do leiloeiro público, bem como as despesas com remoção e guarda dos bens, poderá ser deduzida do produto da arrematação”.

A resolução CNJ 236/16, ao prever a dedução da comissão do leiloeiro do produto da arrematação, mesmo que este exceda o crédito do exequente, harmoniza-se com os princípios da causalidade e da sucumbência. Isto porque, ao final, quem irá arcar com as despesas do leilão, incluindo a comissão do leiloeiro, é o executado, que deu causa à execução e, portanto, é o sucumbente no processo. Isto porque se o valor da arrematação ultrapassa o crédito exequendo e resulta em sobra, sobra esta que é destinada ao executado, o custo da comissão, não deveria ser arcado necessariamente pelo arrematante, devendo-se levar em conta que este entra no cenário judicial como o “resolvedor” do processo, ou seja, ele em nada contribuiu para que perdurasse a lide. Ao contrário!

Veja-se, portanto, um exemplo prático:

  • Valor da arrematação: R$ 300 mil
  • Crédito exequendo + dívidas do imóvel: R$ 200 mil
  • Comissão do leiloeiro (5%): R$ 15 mil
  • Sobra: R$ 100 mil

Nesse caso, há uma sobra que antes de ser destinada àquele que perdeu o bem – o executado – deve ser utilizada para ressarcir o arrematante do valor que pagou a título de comissão do leiloeiro.

Essa sistemática garante maior justiça e equilíbrio nas relações entre as partes. O exequente tem seu crédito satisfeito e o leiloeiro recebe uma remuneração justa pelo seu trabalho, enquanto o executado, responsável pela necessidade da execução, arca com os custos dela decorrente.

Tive a oportunidade de debater esse tema em artigo há alguns meses aqui publicado4 que foi muito bem recebido pelos especialistas em arrematação, muito embora eu tenha notícias de que apenas alguns poucos tivessem feito proveito desse normativo em prol do arrematante, até então.

Entretanto, a recepção entre os profissionais da leiloaria não foi a mesma, já que muitos – talvez por uma leitura apressada – teriam entendido que tratar-se-ia de devolver a comissão que já lhe fora paga por ocasião da arrematação.

Ressarcir, efetivamente, não significa o mesmo que devolver.

O leilão possibilita ampla oferta, por diversos meios, notadamente pelos sítios eletrônicos dos leiloeiros. A amplitude da oferta beneficia o resultado do processo e as partes nele envolvidas, exequente e executado. Isso porque, quanto maior for a divulgação mais o leilão poderá contar com interessados que, no certame licitatório, travarão batalha de lances, vencendo, assim, o que tiver oferecido melhor preço

Portanto, com essa norma, não se pretende penalizar o leiloeiro.

Ao contrário.

Pois, senão, vejamos:  geralmente, aquele que disputa um leilão, é de praxe fazer o cálculo da viabilidade financeira, a fim de estabelecer um teto de disputa. Nesse cálculo, deve ser computado o valor da comissão que, geralmente, é em torno de 5%. Através de uma due diligence5, o licitante terá conhecimento do valor do crédito perseguido nos autos do processo judicial e, ainda, das despesas incidentes sobre aquele imóvel que pretende arrematar que serão sub-rogadas do valor da arrematação. Uma vez computada a soma da dívida com as referidas despesas, verificando o licitante que haverá chance de se ver ressarcido da comissão, pois haverá uma sobra, certamente, poderá ser estabelecido um “teto” maior como alvo da disputa, o que beneficia o mercado de leilões e ao leiloeiro que receberá um valor correspondente também maior, uma vez que a sua remuneração é calculada em percentual sobre esse teto.

Importante ressaltar a que essa norma contribui para a transparência e a eficiência dos leilões judiciais, proporcionando maior segurança jurídica a todos os envolvidos. “Se ao arrematante deve-se impor o ônus da comissão do leiloeiro, rompe-se, a rigor, a ideia que está na gênese do princípio da sucumbência, segundo o qual, em síntese, aquele que deu causa à necessidade do processo e não teve qualquer direito reconhecido, deve arcar com todos os custos da atividade processual. Trata-se, a rigor, de ponderar entre os direitos e a contribuição dada ao alcance da efetividade do processo, por parte do executado e por parte do arrematante. Há de se refletir, ainda, por qual outro fundamento poderia ter a inserção do par. 4º. no art. 7º. da resolução do CNJ em comento que não a de atender justamente ao princípio da sucumbência e a este coadunar-se?”6

De maneira geral, a resolução 236/16 busca conferir adequados contornos ao disposto no art. 884, parágrafo único, do CPC e o § 4º do art. 7º, traz resposta para a importante questão, que se apresenta na aplicação concreta da norma, e que envolve o nosso tema central aqui trazido: o direito do arrematante à restituição dos valores desembolsados a título de comissão do leiloeiro, quando o valor da arrematação exceder o crédito executado.

Resolução do CNJ possui amparo constitucional

As resoluções do CNJ possuem amparo constitucional (art. 103-B, § 4.º) e constituem, portanto, ato normativo primário.

Sendo assim, suas disposições possuem caráter cogente e devem ser necessariamente aplicadas pelos tribunais e juízes de primeiro grau.

A aplicabilidade das normas nelas constantes somente pode ser afastada mediante decisão do STF, a quem compete esse controle, como bem decidiu restou decidido, em julgado mais recente, em que foi relator o min. Ricardo Lewandowski, as decisões judiciais proferidas na origem não podem se sobrepor “aos atos normativos primários editados pelo CNJ”7

Conclusão

A arrematação de imóveis em leilão judicial representa um mecanismo indispensável para a efetividade dos processos de execução, ao converter decisões judiciais em atos concretos de satisfação de créditos.

Em um cenário onde a segurança jurídica e a estabilidade dos negócios são cada vez mais valorizadas, a arrematação judicial se consolida como um instrumento imprescindível na execução forçada, promovendo não apenas a resolução dos litígios, mas, também, o equilíbrio entre os interesses públicos e privados.

Portanto, a resolução 236/16 do CNJ, por meio do art. 7º, parágrafo 4º, estabelece um mecanismo que promove equilíbrio financeiro e a segurança jurídica nos leiloes judiciais. Ao definir que o ressarcimento do excedente não obriga o leiloeiro a restituir a comissão que lhe foi devida, o dispositivo preserva a remuneração pelo serviço prestado e assegura que a restituição ao arrematante seja aplicada de forma equânime, evitando o enriquecimento sem causa do executado, que deu causa ao processo judicial.

A meu ver, ao ser confeccionado o edital do leilão, tarefa atribuída ao profissional da leiloeira, onde estão definidas as regras para participação do leilão e às quais se submetem os licitantes, já deveria constar essa previsão, o que equilibraria o sistema judicial, ficando garantido de forma inequívoca esse direito, evitando decisões díspares e recursos desnecessários.

1 O princípio da causalidade busca atribuir a responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais à parte que, com sua conduta, provocou a necessidade da ação judicial.

2 O princípio da sucumbência visa atribuir a responsabilidade pelas despesas processuais à parte que foi derrotada no processo.

3 Trata-se de princípio geral de direito que visa impedir que uma pessoa obtenha vantagem patrimonial indevida à custa de outra, sem que haja uma causa jurídica que justifique tal enriquecimento.

4 Disponível em: (https://www.migalhas.com.br/depeso/414581/ressarcimento-ao-arrematante-da-comissao-do-leiloeiro).

5 A “due diligence” em leilões, especialmente os de imóveis, é um processo crucial de investigação e análise que o potencial comprador realiza antes de dar um lance. O objetivo é minimizar riscos e garantir que a aquisição seja segura e vantajosa.

6 Disponível em: (https://www.migalhas.com.br/depeso/414581/ressarcimento-ao-arrematante-da-comissao-do-leiloeiro).

7 “AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃO DO CNJ – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE, EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO DECLAROU A ILEGALIDADE DO PAGAMENTO DE AUXÍLIO-MORADIA AOS MAGISTRADOS INATIVOS E APOSENTADOS DO TJ/MT. CARÁTER INDENIZATÓRIO DA VERBA. DIRETRIZES FIXADAS NA DECISÃO PROFERIDA NA AÇÃO ORIGINÁRIA 1.773/DF E NA RESOLUÇÃO 274/18, DO CNJ. INCOMPATIBILIDADE NÃO CONFIGURADA ENTRE O ATO IMPUGNADO NO MANDAMUS E A DECISÃO JUDICIAL PROFERIDA PELO TRIBUNAL LOCAL (TRANSITADA EM JULGADO). INEXISTÊNCIA DE ATO ILEGAL PRATICADO PELO CNJ. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O CNJ – Conselho Nacional de Justiça, por força da matriz constitucional prevista no § 4º do art. 103-B da CF/88, exerce o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, incumbindo-lhe, ainda, a análise, de ofício ou mediante provocação, da legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei. II -Reconhecimento da plena regularidade de procedimento adotado pelo CNJ, no exercício de competência estabelecida pelo art. 103-B, § 4º, da Constituição, sendo irretocável o acórdão que reconheceu a ilicitude do pagamento de ajuda de custo para moradia a magistrados inativos e pensionistas do TJ/MT. III – Cumpre assentar o caráter indenizatório do denominado auxílio-moradia, sob pena de convolar tal instituto em vantagem remuneratória permanente, fato este incompatível com a natureza jurídica da benesse, que, como é cediço, está voltada ao ressarcimento dos custos ocasionados pelo deslocamento do servidor público para outros ambientes que não o de seu domicílio habitual. IV- Assim, o auxílio-moradia não poderia ser incorporado pela lei estadual 4.964/85 ao subsídio dos magistrados ou aos proventos de aposentadoria em razão da sua natureza indenizatória, mormente por força do disposto no art. 65, II, da LC 35/79. V – Ao revogar a tutela liminar proferida na AO – Ação Originária 1.773/DF (e nas demais ações com temáticas semelhantes), o então relator, ministro Luiz Fux, consignou, de forma clara e indene de dúvida, a vedação do pagamento da verba indenizatória aos integrantes da magistratura de todos os entes da Federação ancorada em atos normativos locais. VI – A decisão proferida na AO 1.773/DF analisou expressamente a situação da proscrição ao recebimento do auxílio-moradia que esteja sendo pago “com amparo em atos normativos locais (leis, resoluções ou de qualquer outra espécie)”. VII – Ausência de incompatibilidade entre o ato impugnado no presente mandamus e a decisão judicial (transitada em julgado) do TJ/MT no Mandado de Segurança 163.544/14. VIII- A decisão judicial do tribunal de origem não se sobrepõe aos atos normativos primários editados pelo CNJ. Com efeito, por ocasião do julgamento da ADIn 4.412/DF (em 18/11/20), o plenário desta Corte, para além de declarar a constitucionalidade do art. 106 do regimento interno do CNJ – o qual autoriza o imediato cumprimento das suas decisões, ainda que impugnadas perante outro juízo (que não o STF) – reafirmou a competência exclusiva do STF para julgar ações ajuizadas contra atos do CNJ praticados no exercício de suas competências constitucionais. IX – Ausência de ato ilegal atribuído ao CNJ. X – Agravo regimental a que se nega provimento” (MS 37700 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, Segunda turma, j. 28/3/22, DJe 4/4/22).

Lucia Mugayar

Lucia Mugayar

Advogada atuante em assessoria de arrematação de imóveis em leilão, professora das disciplinas Processo Civil e Mediação em Cursos de Pós-graduação, Secretária Adjunta da Comissão Especial de Leilões da OAB/RJ e Coordenadora de Mediação da ESA NACIONAL.

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