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Introdução
O casamento é conhecido como uma instituição jurídica que estabelece a comunhão de vidas entre duas pessoas com o objetivo de constituir família, gerando efeitos tanto pessoais quanto patrimoniais.
No Brasil, conforme o art. 1.571 do CC/02, o casamento se dissolve pelo falecimento de um dos cônjuges, pelo divórcio ou por nulidade/anulação.
No entanto, os tribunais brasileiros começaram a reconhecer o chamado divórcio post mortem, que permite a formalização da dissolução do casamento mesmo após a morte de um dos cônjuges, quando comprovado que o casal já estava em processo de separação ou divórcio.
Essa distinção é essencial, pois impacta diretamente os direitos hereditários do cônjuge sobrevivente. De acordo com o art. 1.830 do CC, o cônjuge só herda se não estiver separado de fato há mais de dois anos, salvo se comprovar que a separação não ocorreu por sua culpa.
Neste contexto, o divórcio post mortem tem sido utilizado para garantir que o estado civil de divorciado seja reconhecido em vez do de viúvo(a), evitando que o cônjuge separado de fato herde os bens do falecido.
Em REsp 2022649-MA do STJ houve o entendimento favorável para o reconhecimento do divórcio post mortem, prevalecendo, também, o princípio da intervenção mínima do estado em questões afetas às relações familiares.
1. A Dissolução do casamento no ordenamento jurídico brasileiro
O divórcio no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro passou por diversas mudanças legislativas.
Antes da promulgação da EC 66/10, o casamento só podia ser dissolvido após um período de separação judicial. Com a entrada em vigência da emenda, o divórcio passou a ser um direito potestativo, independentemente de prazos ou necessidade de atribuição de culpa.
Apesar dessas evoluções, a discussão sobre o divórcio post mortem ainda permanece controversa, já que não há previsão legal expressa para tal figura.
O reconhecimento do divórcio post mortem ocorre quando há prova clara e inequívoca da intenção do cônjuge falecido em obter a dissolução do casamento antes de sua morte.
Tribunais passaram a entender que negar esse reconhecimento comprometeria a autonomia privada e perpetuaria um estado civil que já não refletia a realidade do casal.
Sobre isso citamos parte da ementa do STJ: “É possível o reconhecimento e validação da vontade do titular do direito mesmo após sua morte, conferindo especial atenção ao desejo de ver dissolvido o casamento, uma vez que houve manifestação de vontade indubitável no sentido do divórcio proclamada em vida e no bojo da ação de divórcio” (STJ – REsp: 2022649 MA 2022/0268446-0, Relator.: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 16/05/2024, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/05/2024)
2. A possibilidade de decretação do divórcio post mortem
Durante muito tempo, prevaleceu o entendimento de que a morte extinguia a ação de divórcio, tornando o cônjuge sobrevivente automaticamente viúvo ou viúva. No entanto, com a evolução jurisprudencial, reconheceu-se que o falecimento de um dos cônjuges não deveria impedir a conclusão do processo de divórcio, desde que já houvesse manifestação clara do desejo de dissolver a união matrimonial.
Como já exposto, o STJ no julgamento do REsp 2.022.649/MA, firmou entendimento no sentido de que os herdeiros do falecido podem continuar a ação de divórcio para resguardar os efeitos patrimoniais e sucessórios decorrentes da separação de fato.
Esse entendimento reforça a importância do respeito à vontade manifestada em vida pelo cônjuge falecido, garantindo que a dissolução do casamento tenha efeitos retroativos.
3. Repercussões no Direito Sucessório
O impacto do divórcio post mortem no Direito Sucessório é significativo. Caso o casamento seja dissolvido retroativamente, o cônjuge sobrevivente perde a condição de herdeiro, pois a sua vinculação jurídica ao falecido é considerada encerrada antes da morte. Isso tem consequências diretas na partilha de bens e na distribuição do patrimônio do falecido entre seus herdeiros legítimos.
Essa ausência de previsão expressa no CC para o divórcio post mortem ainda gera incertezas quanto à sua aplicabilidade.
Contudo, a tendência jurisprudencial é de permitir a sua decretação para impedir que o cônjuge separado de fato herde, garantindo que a vontade expressa do falecido seja respeitada.
Ademais, o “nemo poteste venire contra factum proprium” tem o efeito de impedir o exercício de comportamento contraditório com conduta praticada anteriormente. Por exemplo, quando em vida já se existia um processo de divórcio, pós morte não há por que desistir deste processo.
A discussão sobre o divórcio post mortem ainda permanece controversa, já que não há previsão legal expressa para tal figura.
Conclusão
O divórcio post mortem representa uma novidade jurídica que busca alinhar o ordenamento jurídico às realidades fáticas vivenciadas pelos casais que, antes do falecimento de um dos cônjuges, já estavam separados de fato ou com o divórcio em andamento.
Embora não haja previsão legislativa, os tribunais vêm reconhecendo esse direito com base no respeito à autonomia privada e na necessidade de evitar efeitos patrimoniais indesejados.
O reconhecimento do divórcio post mortem reforça a tendência do Direito de Família em priorizar a vontade das partes e adequar a norma à realidade social. Dessa forma, garantir que o estado civil reflita a verdadeira intenção dos indivíduos é essencial para preservar a dignidade e a autonomia no âmbito das relações familiares.
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1 FARIA, Nathan Azevedo Saraiva; HORITA, Fernando Henrique da Silva. O Divórcio e seus elementos em um ambiente litigioso. Revista Mato-grossense de Direito, v. 3, n. 1, p. 192-205, 2024.
2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp: 2022649 MA 2022/0268446-0, Relator.: Ministro Antônio Carlos Ferreira, Data de Julgamento: 16/05/2024, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/05/2024
Adara Gomes
Mestranda em Direito na Universidade Federal do Piauí – UFPI (2024). Graduada em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina – CEUT. Advogada de Família e Sucessões. Sócia ASG Advocacia