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Assim como no Brasil, os magistrados da Suprema Corte dos Estados Unidos são passíveis de impedimento, através de um procedimento específico com tramitação no Legislativo.
Nos últimos anos, em decorrência de inúmeros fatores e críticas, os membros do STF do Brasil foram alvos de diversas tentativas de instauração de processo de impedimento no Senado, a quem cabe receber e processar os referidos pedidos.
O processo de impedimento de um ministro da mais alta Corte, embora jamais ocorrido no Brasil, até a presente data, já teve seu início e curso nos Estados Unidos da América, berço do constitucionalismo, nos anos de 1804-1805, e que serviu, e ainda nos serve, como uma grande referência para debates, reflexão e estudo.
1. Contexto político e histórico
O processamento do impeachment de Samuel Chase, ministro da Suprema Corte Norte-Americana ocorreu em um período de forte tensão política nos EUA, época em que o país se encontrava dividido entre:
- Federalistas, aliados do, então, ex-presidente John Adams, e que defendiam um governo central mais forte.
- Republicanos/democratas, liderados pelo presidente Thomas Jefferson, que defendiam um governo mais limitado e uma maior autonomia dos Estados.
Samuel Chase era um convicto federalista e, por consequência, bastante crítico dos republicanos democratas.
Tinha o hábito de utilizar discursos políticos em suas decisões judiciais, fazendo críticas ao governo de Jefferson, o que fez com que muitos o considerassem extremamente parcial.
Thomas Jefferson e seus correligionários, então, resolveram provocar o impeachment de Samuel Chase, abrindo, assim, um precedente para remoção de magistrados por questões políticas.
2. As acusações contra Chase
O impeachment foi aprovado pela Câmara dos Representantes em 1804, com oito acusações diretas, sendo as principais:
- Condução parcial no julgamento de John Fries (1800) – Fries foi julgado por traição após liderar uma rebelião contra impostos Federais. Chase foi acusado de agir de forma injusta, recusando certos argumentos da defesa e instruindo o júri de maneira a garantir a condenação.
- Julgamento de James Callender (1800) – Callender era um jornalista republicano democrata que escreveu contra o presidente Adams. Chase teria pressionado os jurados e limitado a defesa.
- Declarações políticas inapropriadas – Chase fez discursos públicos atacando o governo de Jefferson e os republicanos democratas.
- Mau comportamento ao presidir processos – Ele teria demonstrado arrogância, desrespeito à defesa e conduta parcial em vários julgamentos.
As referidas acusações, embora graves, não estavam baseadas em corrupção ou crimes praticados por Chase, mas tão somente, a sua suposta atuação política.
3. O julgamento
O julgamento teve início no dia 4/2/1805, no Senado dos EUA.
- A defesa de Chase argumentou que suas ações eram legais e dentro de sua autoridade judicial, e que suas opiniões políticas não eram motivo para impeachment.
- Os promotores republicanos tentaram mostrar que Chase havia abusado de seu cargo para fins políticos.
Para condená-lo, era necessário que dois terços do Senado votassem a favor. No entanto, o Senado absolveu Chase de todas as acusações (embora com votos a favor da remoção, nenhuma das acusações obteve o quórum mínimo necessário).
Diversos senadores, inclusive republicanos, acolheram os argumentos de temeridade haver uma condenação de um magistrado por razões políticas, o que, por consequência, poderia enfraquecer a independência do Judiciário.
4. Consequências do caso
A independência do Poder Judiciário é um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Um magistrado deve, todavia, atuar com imparcialidade, garantindo que suas decisões sejam fundamentadas na lei e na CF, e não em suas preferências pessoais ou preferências políticas e/ou partidárias.
A história do impeachment do juiz Samuel Chase é um exemplo clássico que reforça o alerta sobre os riscos da politização da magistratura e dos Tribunais.
A imparcialidade é um dever fundamental que garante a credibilidade das decisões judiciais. Um magistrado deve decidir de forma isenta, sem qualquer influência de convicções políticas, religiosas ou ideológicas.
No Brasil, a CF/88 reforça esse dever ao estabelecer que os magistrados devem exercer suas funções com independência e obediência exclusiva à lei.
Nesse sentido, o CNJ vem atuando de maneira rigorosa, aplicando a lei orgânica da magistratura (LC 35/1979) e o Código de Ética da Magistratura que proíbem expressamente manifestações políticas e o envolvimento em atividades partidárias.
Quando um magistrado se envolve publicamente em debates políticos ou manifesta apoio a determinada ideologia ou partido, ele compromete a confiança da sociedade na imparcialidade do Judiciário e de suas decisões.
Quando magistrados se deixam guiar por interesses políticos ou pessoais, o Judiciário perde sua função essencial e passa a ser um instrumento de disputas ideológicas.
Nos tempos atuais, esse risco se torna ainda mais evidente com o avanço das redes sociais e da polarização política. É fundamental que os magistrados resistam à tentação de usar sua posição para influenciar debates políticos ou favorecer determinadas correntes de pensamento.
O compromisso com a imparcialidade deve ser absoluto, e qualquer desvio desse princípio compromete a segurança jurídica e a estabilidade institucional.
O impeachment de Samuel Chase, mesmo sem resultar na sua remoção, deixou um legado importante: Magistrados não podem ser perseguidos por suas opiniões políticas, mas também não podem usá-las para influenciar sua atuação jurisdicional.
O dever do juiz não é servir a um governo ou a um grupo específico, mas sim à Justiça e ao Estado de Direito.
Somente assim será possível preservar a integridade das instituições e assegurar que todos sejam julgados com base na lei, e não nas convicções pessoais de quem decide.
Sergio Antunes Lima Junior
Sérgio Antunes Lima Junior é advogado, Doutorando e Mestre em Direito (Brasil e França). Secretário-adjunto da OAB-RJ.