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Nesta quarta-feira, 12, Maria Elizabeth Rocha tomou posse como presidente do STM – Superior Tribunal Militar, tornando-se a primeira mulher a liderar a Corte em 216 anos de história. Ela também é a única mulher entre os 346 ministros que já passaram pelo tribunal.
A nova presidente do STM assumiu o cargo com discurso firme e carregado de simbolismo. Declarou-se feminista e reforçou a necessidade de ressignificar o papel das mulheres nas estruturas sociais e institucionais.
“Sou feminista e me orgulho de ser mulher! Peço licença poética a Milton Nascimento e Lô Borges para dizer: ‘porque se chamavam mulheres, também se chamavam sonhos, e sonhos não envelhecem!'”, afirmou.
A ministra destacou os avanços da Constituição de 1988 na consolidação dos direitos femininos, mas apontou que a desigualdade de gênero ainda é uma realidade alarmante no Brasil.
Citando o Índice Global de Disparidade de Gênero de 2024, lembrou que o país ocupa a 70ª posição no ranking, reflexo de um “Estado que ainda se esbate contra discriminações e preconceitos, herdados de uma estrutura patrimonialista-patriarcal”.
Apesar dos avanços legais, ela alertou que ainda há um longo caminho para a equidade de gênero.
“Conviver em uma sociedade na qual sejam superadas todas as formas de discriminação e opressão é um ideal civilizatório.”
A nova presidente do STM também abordou a baixa representatividade feminina nos tribunais superiores. Segundo ela, se a deusa Têmis desvendasse os olhos, “encontraria poucas de seu gênero na Judicatura Pátria”.
No cenário atual, ressaltou, as mulheres precisam superar dificuldades adicionais e resistir ao isolamento imposto por um sistema ainda patriarcal.
Diante desse panorama, defendeu a adoção de “programas de gestão fundados no reconhecimento e na ampliação dos direitos civis que privilegiem modos de ser e de viver distintos dos padrões androcêntricos”.
Para ela, o feminismo contemporâneo se entrelaça ao humanismo, pois ambos “buscam edificar um mundo sem constrangimentos”.
A ministra também enfatizou a necessidade de um olhar crítico sobre as condições das minorias e dos grupos historicamente vulnerabilizados. “Os segmentos minoritários esbatem-se, desde sempre, em um ambiente permeado por hostilidades e intolerâncias”, afirmou, destacando que a igualdade efetiva exige romper com estruturas discriminatórias.
A nova presidente do STM anunciou que sua gestão se baseará em três pilares: transparência, reconhecimento identitário e defesa do Estado Democrático de Direito. Para concretizá-los, ressaltou a importância do papel da imprensa na transmissão de informações corretas e verdadeiras.
O discurso também trouxe um tom de homenagem à sua trajetória, marcada pela advocacia e pela ligação com Minas Gerais. Lembrou as influências que moldaram sua caminhada, incluindo o apoio de familiares e amigos.
“Nasci nas Minas Gerais, e nós mineiros formamos uma espécie de confraria de sonhadores, herdeiros dos conjurados.”
Ao final, destacou a importância das mulheres em cargos de liderança e fez um tributo àquelas que vieram antes dela. Citando Claudia Sheinbaum, presidente do México, concluiu:
“Não cheguei sozinha, chegamos juntas. Porque quando sonhamos sós, só sonhamos; mas quando sonhamos juntas fazemos História! E hoje, nós mulheres, estamos fazendo! Vamos sorrir!”
Veja a íntegra do discurso:
Biografia
Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, natural de Belo Horizonte, tem 65 anos e possui trajetória acadêmica e profissional consolidada. Formada em Direito pela PUC/MG – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, é mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Católica Portuguesa e doutora em Direito Constitucional pela UFMG.
A ministra ingressou no STM em 2007, indicada pelo presidente Lula, para uma vaga destinada à advocacia. Antes disso, atuou como procuradora Federal, com passagens pelo Congresso Nacional, pelo TSE e pela subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República.
Entre 2013 e 2015, exerceu a vice-presidência do STM e, com a aposentadoria do então presidente, ministro Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, assumiu a presidência interinamente de julho de 2014 a março de 2015.
Autoridades presentes
A solenidade contou com a presença de diversas autoridades.
Compuseram a mesa o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; o presidente do STF, Luís Roberto Barroso; o presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta.
Autoridades do Legislativo, Executivo e Judiciário prestigiaram a posse da ministra Maria Elizabeth Rocha.(Imagem: José Cruz/Agência Brasil)
Entre os convidados, marcaram presença o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin; a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia; o procurador-geral da República, Paulo Gonet; o presidente do TST, ministro Aloysio Corrêa da Veiga; o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski; o advogado-geral da União, Jorge Messias; o ministro da Defesa, José Múcio; e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Marcos Antonio Amaro Dos Santos.
Também prestigiaram o evento o ex-presidente José Sarney e os ministros do STF Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Dias Toffoli, além do ministro aposentado do STF Marco Aurélio Mello.
Mulheres em peso
Reforçando a representatividade feminina no meio jurídico, diversos grupos de advogadas estiveram no evento representando entidades. Entre elas, causídicas dos grupos “Elas Pedem Vista”, “Amigas da Corte”, “Carf com Elas”, “Instituto de Juristas Brasileiras” e “Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário”.
Tentativa de golpe
Após tomar posse como presidente do STM, a ministra declarou que Jair Bolsonaro e outros militares podem ser responsabilizados por eventuais crimes militares cometidos na tentativa de golpe de 2022.
Caso seja condenado na Justiça Militar, o ex-presidente poderá perder sua patente de capitão do Exército. No entanto, essa possibilidade depende, antes de tudo, de denúncia formal do MPM – Ministério Público Militar.
Maria Elizabeth Rocha não afastou a chance de que infrações militares sejam identificadas no decorrer do processo penal sobre a tentativa de golpe. Nessa hipótese, caberia à Justiça Militar analisar a questão.
Além disso, a ministra reafirmou que o STF tem competência para julgar militares envolvidos nos eventos de 2022.