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Nesta quinta-feira, 13, o STF retomou o julgamento da ação que analisa as restrições impostas pela lei do planejamento familiar (lei 9.263/96) à esterilização voluntária.
Na última sessão, o relator, ministro Nunes Marques, havia votado pela manutenção da norma vigente, que exige idade mínima de 21 anos ou, alternativamente, a existência de pelo menos dois filhos vivos.
No entanto, nesta tarde, mudou de posição para acompanhar a divergência aberta pelo ministro Cristiano Zanin, que defendeu a capacidade civil plena – ou seja, 18 anos – como único critério para a realização do procedimento. O voto de Zanin também foi seguido pelos ministros Flávio Dino e Edson Fachin.
STF: Zanin vota para que maioridade seja único requisito de laqueadura
Em sentido oposto, os ministros André Mendonça, Luiz Fux e Alexandre de Moraes votaram pela manutenção das regras atuais.
O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
Confira o placar até o momento:
Caso
A ação foi proposta em 2019 pelo partido PSB e busca a declaração da invalidade do inciso I e § 5º do art. 10 da lei de planejamento familiar. Esses dispositivos tipificam como crime a realização de laqueadura sem o preenchimento dos requisitos.
Originalmente, a lei estabelecia que a mulher deveria ter, no mínimo, 25 anos ou dois filhos vivos, além de expressa autorização do cônjuge.
Com a promulgação da lei 14.443/22, que facilita o acesso à contracepção, a idade foi reduzida para 21 anos, autorizou a realização do procedimento logo após o parto e excluiu a necessidade de autorização do cônjuge ou companheiro.
“I – em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de 21 (vinte e um) anos de idade ou, pelo menos, com 2 (dois) filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de 60 (sessenta) dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, inclusive aconselhamento por equipe multidisciplinar, com vistas a desencorajar a esterilização precoce.”
18 anos
Ministro Cristiano Zanin votou pelo provimento da ação, defendendo que a autonomia individual e a liberdade de decisão no planejamento familiar são direitos fundamentais garantidos pela Constituição.
Afirmou que o Estado deve fornecer informações e garantir o acesso a métodos contraceptivos, sem impor restrições arbitrárias.
Zanin destacou que o direito ao planejamento reprodutivo não se limita à liberdade de ter filhos, mas inclui também a decisão de não procriar.
Criticando a legislação vigente, considerou que a exigência de idade mínima de 21 anos ou de dois filhos vivos para a esterilização voluntária restringe indevidamente a autodeterminação reprodutiva.
Para o ministro, a plena capacidade civil, prevista no Código Civil, deve ser o único critério necessário para a esterilização voluntária. Dessa forma, votou pela inconstitucionalidade parcial do inciso 1 do art. 10 da lei 9.263/96, propondo a exclusão dessas exigências.
S. Exa. foi acompanhada pelo ministro Edson Fachin.
Alteração de posicionamento
Inicialmente, o relator, ministro Nunes Marques, acompanhado pelo ministro Flávio Dino, havia votado pela validade da exigência de idade mínima de 21 anos para a realização da laqueadura.
Nesta quinta-feira, 13, os ministros alteraram o voto para aderir ao posicionamento divergente do ministro Cristiano Zanin.
Ademais, votaram pela invalidade do trecho da lei que menciona “maiores de 21 (vinte e um) anos de idade ou, pelo menos, com 2 (dois) filhos vivos” e, por arrastamento, o objetivo de “desencorajar a esterilização precoce”.
Veja o momento:
Manutenção dos requisitos
Ministro André Mendonça votou para manter a lei com as previsões atuais. Ele defendeu a constitucionalidade dos critérios etários previstos na legislação, argumentando que a norma protege a liberdade e a saúde de homens e mulheres ao exigir um mínimo de idade para a realização do procedimento.
Frisou que a responsabilidade pelo planejamento familiar não deve recair exclusivamente sobre as mulheres.
“Por vezes parece que estamos falando apenas das mulheres, mas também estamos falando dos homens, e acho que os homens até deveriam ter uma participação maior na busca desse planejamento familiar, e não deixar apenas como em regra acontece, sob a responsabilidade das mulheres.”
Para S. Exa., a fixação de uma idade mínima e a exigência de aconselhamento por equipe multidisciplinar visam garantir que a decisão seja tomada de forma consciente e informada.
“O estabelecimento de uma idade mínima e de outros critérios, junto com o aconselhamento por equipe multidisciplinar, são ações que têm por finalidade a proteção da saúde do homem e da mulher, e procuram evitar que decisões mais drásticas, como é o caso da esterilização, sejam tomadas sem que se tenha a plena consciência de alternativas menos invasivas e seguramente reversíveis no futuro.”
Mendonça também ressaltou que o legislador tem prerrogativa para fixar requisitos etários para diversos direitos e responsabilidades. Citou exemplos constitucionais e infraconstitucionais, como a proibição do trabalho noturno para menores de 18 anos, a obrigatoriedade do alistamento eleitoral a partir dos 18 anos e a exigência de idade mínima para o exercício de determinados cargos, incluindo o de ministro do STF e a aquisição de armas de fogo.
Ao concluir o voto, Mendonça defendeu a improcedência da ação, reforçando que os critérios estabelecidos pela legislação são legítimos, razoáveis e constitucionais.
“A previsão de hipóteses específicas e restrições para a utilização da esterilização como método contraceptivo foi uma conquista contra o uso desenfreado do procedimento, que antes da edição da lei de planejamento familiar perseguia outros interesses, que não o da proteção de direitos fundamentais.”
S. Exa. foi acompanhada pelo ministro Luiz Fux.
Veja trecho do voto:
Ministro Alexandre de Moraes votou no mesmo sentido de Mendonça, argumentando que o legislador tem prerrogativa para fixar critérios razoáveis e proporcionais, levando em consideração a irreversibilidade do procedimento.
Destacou que a análise da questão não deve se concentrar em discutir se os requisitos estipulados pela lei são os melhores ou piores, mas sim se o legislador, ao fixá-los, extrapolou sua função ou incorreu em inconstitucionalidade. Para o ministro, o legislador não apenas poderia estabelecer esses critérios como o fez de maneira legítima e sem incorrer em irrazoabilidade.
Apontou que a exigência de uma idade mínima para procedimentos de grande impacto na vida das pessoas não é uma novidade no ordenamento jurídico. Moraes citou, como exemplo, o Estatuto do Desarmamento, que fixa a idade mínima de 25 anos para a aquisição de armas de fogo, apesar de a capacidade civil plena ser adquirida aos 18 anos.
Ressaltou que a maturidade exigida para determinados atos varia segundo a sua relevância e impacto social, e que essa diferenciação é legítima.
“Se há necessidade de uma maior maturidade para ter porte de arma, uma decisão definitiva de esterilização, será que não há também?”, concluiu.
Ministro Cristiano Zanin rebateu Moraes afirmando que a questão da esterilização se relaciona exclusivamente à autodeterminação do indivíduo sobre o próprio corpo, diferentemente de casos em que terceiros podem ser afetados.
Veja o momento:
- Processo: ADIn 5.911