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O Brasil ocupa a quarta posição no ranking global de alertas sobre possíveis crimes financeiros cometidos por empresas de fachada, com mais de 1,36 milhão de notificações registradas apenas em 2023. Na América Latina, o país também se destaca pelo alto número de alertas de lavagem de dinheiro, com quase três mil casos no último ano, ficando atrás apenas dos EUA no continente. Os dados são da Moody’s, que analisou mais de 472 milhões de empresas em países como Brasil, EUA, China, Alemanha e Reino Unido, com base em sete critérios, incluindo diretoria atípica, registros em massa e anomalias financeiras.
Entre as irregularidades encontradas, chamaram a atenção a presença de diretores com mais de 100 anos e executivos registrados com apenas 5 anos de idade, evidenciando falhas nos processos de registro e compliance. O setor de serviços lidera com folga em número de empresas envolvidas e alertas acionados, ultrapassando 3,6 milhões de notificações. Já os segmentos de atacado, varejo, turismo e imobiliário aparecem na sequência, com mais de 1 milhão de alertas, segundo o levantamento da Moody’s.
Outro levantamento, dessa vez feito pela FECAP – Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado no final de 2024, revela que a lavagem de dinheiro representa um sério desafio para a economia brasileira, impactando diretamente a arrecadação tributária e os investimentos públicos. Na prática, essa atividade consiste em disfarçar a origem de recursos obtidos de forma ilícita, como tráfico de drogas e corrupção, integrando-os ao sistema financeiro como se fossem legais. O impacto financeiro é alarmante: estima-se que a lavagem de dinheiro cause uma perda anual de aproximadamente R$ 200 bilhões em arrecadação de impostos. O cenário reforça a necessidade de medidas mais eficazes de fiscalização e combate a práticas ilícitas.
Para aumentar a transparência e combater esse crime e outros a ele relacionados, como o financiamento de atividades ilícitas e a evasão fiscal, a fiscalização das operações financeiras no Brasil vem passando por diversas atualizações ao longo dos anos, incorporando novas tecnologias no enfrentamento desse desafio. Em 2003, por exemplo, a Receita Federal passou a receber informações detalhadas sobre as movimentações financeiras dos contribuintes, começando com as operações de cartão de crédito e evoluindo para um conjunto de arquivos digitais que reúne informações sobre as operações financeiras realizadas por pessoas físicas e jurídicas chamado de e-Financeira.
A partir da sua implementação em 2015, os bancos foram obrigados a informar mensalmente ao Fisco os valores movimentados por seus clientes quando esses superassem determinados limites. Para pessoas físicas, o teto é de R$ 2 mil mensais, enquanto para empresas, o valor é de R$ 6 mil. Inicialmente restritos às operações bancárias tradicionais, esses dados passaram a incluir transações via Pix, aplicações financeiras, seguros, planos de previdência e investimentos em ações. A ampliação do monitoramento permitiu uma visão mais detalhada do vai e vem do dinheiro, fortalecendo o combate à sonegação fiscal.
Outro avanço que merece destaque ocorreu em 2020, com a publicação da Circular 3.978 do Banco Central, que aprimorou a fiscalização sobre depósitos em espécie. A norma determina que as instituições financeiras registrem o nome e o CPF do depositante sempre que o valor do depósito ultrapassar R$ 2 mil. Esse controle se tornou essencial para evitar que grandes quantias circulassem sem rastreamento, dificultando práticas como a lavagem de dinheiro.
No entanto, um dos temas mais debatidos recentemente foi a revogação da Instrução Normativa RFB 2219/24, conhecida como “norma do Pix”. A regra, que entrou em vigor no início de janeiro de 2025, previa a obrigatoriedade de operadoras de cartões de crédito, carteiras digitais e instituições de pagamento, como maquininhas de cartões, reportarem transações superiores a R$ 5 mil mensais para pessoas físicas e R$ 15 mil para empresas. Ainda que bem-intencionada, a medida mostrou-se inócua, visto que outros mecanismos vigentes já fazem esse mesmo controle. Devido às inúmeras dúvidas e interpretações equivocadas que suscitou, a norma acabou sendo revogada depois de apenas duas semanas em vigor.
O cenário atual da fiscalização financeira no Brasil reflete um esforço contínuo para equilibrar a transparência e o combate aos crimes financeiros com a necessidade de preservar a privacidade dos cidadãos. Se, por um lado, a Receita Federal obteve mais informações sobre as transações financeiras ao longo dos anos, por outro, há um desafio constante em adaptar as regulamentações aos novos tempos, a fim de acompanhar a evolução dos meios de pagamento e da economia digital.
Esse é um trabalho contínuo e estratégico que não deve estar calcado apenas no impacto momentâneo, mas na real necessidade das mudanças regulatórias. Apoiam essa intenção a constante exploração de novas formas de monitoramento das tecnologias de pagamento, sem abrir mão da segurança financeira e tampouco da justiça tributária. A fiscalização das operações financeiras é peça-chave para assegurar que o sistema tributário brasileiro não apenas acompanhe a evolução de um mercado cada vez mais digital e descentralizado, mas se mantenha ágil, eficiente e preparado para as diversas mudanças que ainda estão por vir.
André Coura
Graduado e Mestre em Direito pela Universidade FUMEC (MG). Lecionou as disciplinas de Direito Penal, Processo Penal e prática jurídico-penal em diversos cursos de graduação e pós-graduação em Direito. Advogado com intensa atuação em investigações e processos criminais de alta complexidade, especialmente, perante os Tribunais Superiores e em grandes operações criminais envolvendo a matéria penal econômica, financeira e empresarial.
Coura e Silvério Neto Advogados
Antônio Silvério Neto
Advogado criminalista, fundador e CEO do Coura e Silvério Neto Advogados.