Contratos de concessão e PPPs para reequilíbrio econômico financeiro   Migalhas
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Contratos de concessão e PPPs para reequilíbrio econômico-financeiro – Migalhas

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As leis 8.987/1995 e 11.079/04 estabelecem como cláusula essencial dos contratos de concessão e PPP as condições de prorrogação do prazo, aceitando a prorrogação como instituto do direito contratual, desde que tal possibilidade seja considerada já no respectivo edital: trata-se de prorrogação do prazo contratual em sentido estrito; aquela cuja opção pela prorrogação constitui decisão discricionária da Administração Pública e considera fatores relacionados ao juízo de conveniência e oportunidade.

Diante do princípio da vinculação ao instrumento convocatório (art. 14, Lei 8.987/1995 ), a doutrina majoritária considera que a ausência de previsão editalícia para a prorrogação significa sua vedação. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que seria inviável qualquer dilatação do contrato a menos que referida no edital1.

A prorrogação de prazo em sentido estrito, porém, não deve ser confundida com a prorrogação do prazo como forma de reequilíbrio econômico-financeiro das avenças – que denominaremos aqui de “extensão” unicamente para fins de diferenciação.

Trata-se de estratégia comum em concessões e PPPs, em razão de sua longa duração e maior sujeição a superveniência de inúmeras variáveis sociais, políticas e econômicas. A extensão apresenta-se geralmente como o instrumento mais adequado para garantir o reequilíbrio econômico em contraponto a eventuais desembolsos do poder concedente ou majoração na tarifa cobrada junto aos usuários.

Como exemplo, o 10º Termo Aditivo ao Contrato da concessão de esgotamento sanitário em Salto/SP utilizou a extensão do prazo contratual como um dos mecanismos para reequilibrar a avença, evitando impactos patrimoniais excessivos à Administração.

De mesmo modo ocorreu no âmbito do Contrato de Concessão 011/CR/00, relativo à exploração do sistema rodoviário constituído pelo Lote 6 do Estado de São Paulo.  Em 2006, o termo aditivo 14/06 reequilibrou o contrato com uma extensão de 95 meses, e em 2023, novo aditivo foi firmado com soluções semelhantes.

Ou seja, é inegável que a extensão de prazo é um mecanismo legítimo para a promoção da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. O que se apresenta para discussão é justamente aceitar a interpretação que essa prorrogação para fins expressos de manutenção do equilíbrio econômico não seria possível caso não prevista no edital.

O princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos públicos é consagrado na Constituição Federal, que determina a necessidade de manutenção das “condições efetivas da proposta” (inc. XXI, art. 37). Assim, evidenciando-se evento ao longo da execução contratual que provoque desequilíbrio à equação econômico-financeira pactuada, deve-se buscar a recomposição2.

Desse modo, existiria um aparente conflito entre a vedação à prorrogação se não prevista no edital ou contrato (mesmo no caso de sua aplicação para reequilíbrio) e o dever de preservação do equilíbrio econômico-financeiro.

A doutrina não é uníssona acerca da matéria. Há quem defenda que, mesmo para fins de reequilíbrio contratual, deve haver previsão editalícia quanto à possibilidade de extensão do prazo3.

Por outro lado, há quem entenda que a extensão contratual, por decorrer de eventos imprevisíveis, independe de previsão explícita no edital. Nessa linha de pensamento, Fernando Vernalha Guimarães4 entende ser legítima a prorrogação de concessão em decorrência da superveniência de situações imprevisíveis, independendo, nesses casos, de previsão em contrato.

A jurisprudência do TCU parece acompanhar a porção da doutrina contrária à extensão do prazo sem previsão editalícia. O acórdão 738/17 é o mais emblemático nesse sentido. À ocasião, o Tribunal determinou que a ANTT, a respeito da 1ª Etapa do Programa de Concessões Rodoviárias Federais, abstivesse-se de “prorrogar concessões de serviços públicos, ainda que em razão de reequilíbrio econômico-financeiro, sem expressa autorização no instrumento convocatório e no contrato de concessão original”.

A nosso ver, a possibilidade de extensão do prazo para fins de correção de eventual desequilíbrio não pode ser afastada pela mera ausência de previsão no edital.

Primeiramente, decorre do princípio da motivação no direito administrativo a obrigação de a Administração Pública expor os fundamentos de fato e de direito que embasam suas decisões, evidenciando a relação lógica entre o ocorrido e as medidas adotadas, após exame das alternativas disponíveis.

A lei de introdução às normas brasileiras (art. 20) exige que decisões administrativas considerem suas consequências práticas, garantindo solução adequada ao interesse público. Não basta a motivação teórica da decisão tomada, sendo necessário que diferentes cenários sejam comparados e consequências sopesadas.

Ademais, a extensão é diferente da prorrogação pura e simples, porque não se refere à dilação do prazo no curso normal da avença, por discricionariedade administrativa, mas à intercorrência de eventos supervenientes que geram prejuízos às partes e impactam a sustentabilidade dos projetos ou mesmo diante de novos fatores postos ao longo da execução contratual.

A extensão contratual é, portanto, hipótese extraordinária, na qual se vislumbrou mudanças fáticas nas condições estabelecidas na celebração do contrato. Havendo mudanças nas regras previamente estipuladas, é certo que as soluções aplicáveis não serão as mesmas impostas ao curso normal do contrato.

Não é possível admitir que a vedação à prorrogação contratual signifique, também, a abdicação de um instrumento de reequilíbrio contratual que, a depender do caso concreto, pode se mostrar mais vantajoso. A extensão é uma forma de instrumentalização do equilíbrio econômico-financeiro, garantido constitucionalmente, não havendo relação com a disciplina da prorrogação contratual pura e simples e tampouco sendo necessária permissão expressa para a sua utilização.

Não está a se defender a aplicação irrestrita da extensão como forma de reequilíbrio contratual, mas de inclusão da hipótese dentre o rol de soluções disponíveis à Administração, sem necessidade de permissão editalícia, o que, na verdade, é mitigado diante da natural revisão esperada em contratos de concessão, a qual geralmente é prevista no edital e contrato. Qualquer modalidade de reequilíbrio contratual importa benefícios e prejuízos. Posto que a equação econômico-financeira dos contratos é protegida constitucionalmente, espera-se que a Administração possa dispor de todos os meios necessários para solucionar impasses na execução contratual.

______

1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 752.

2 JUSTEN FILHO, Marçal. Considerações sobre a equação econômico-financeira das concessões de serviço público: a questão da TIR. In: MOREIRA, Egon Bockmann (coord.). Contratos Administrativos, equilíbrio econômico-financeiro e a taxa interna de retorno. A lógica das concessões e parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p.418/419.

3 Dentre os defensores de tal corrente, destaca-se: “Entendemos que a prorrogação do prazo das concessões, conquanto seja possível para reestabelecimento da equação econômico-financeira da concessão, jamais poderá ser arbitrariamente decidida, mesmo que não se tenham legalmente estabelecidos os critérios necessários para tanto, devendo restar prevista no edital e no contrato, porque se assim não for não se coaduna com o ordenamento jurídico, resultando em ofensa à Constituição da República, seja pela eternização de uma concessão, seja por burlar a impessoalidade, com a exclusão, por um tempo, dos demais interessados em prestá-la” (HARB, Karina Houat. A revisão na concessão comum de serviço público. Malheiros. São Paulo: 2012. p. 113.)

4 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Concessão de serviço público. 2ª edição. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 307.

Daniel Stein

Daniel Stein

Advogado do escritório Giamundo Neto Advogados.

Giamundo Neto Advogados Giamundo Neto Advogados Juliana Santos Pinto Coelho

Juliana Santos Pinto Coelho

Advogada do Giamundo Neto Advogados.

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