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A lei 13.966/19 determina, em seu art. 2.º, inciso IV, que é obrigação legal do franqueador indicar, em sua COF – Circular de Oferta de Franquia, as ações judiciais relativas à franquia que questionem o sistema ou que possam comprometer a operação da franquia no país, nas quais sejam partes o franqueador, as empresas controladoras, o subfranqueador e os titulares de marcas e demais direitos de propriedade intelectual.
A leitura apressada do dispositivo legal leva à crença de que o franqueador está dispensado de indicar as ações que envolvam discussões a princípio individuais, sobretudo aquelas nas quais os seus ex-franqueados gozam da qualidade de parte e questionam a higidez da relação jurídica estabelecida entre as partes.
O TJ/MG, neste ponto, ao se debruçar sobre o assunto, expediu compreensão de que “a conclusão hermenêutica é que só devem constar na COF aqueles processos com alto grau de suscetibilidade de afetar os eventuais franqueados, sistemicamente, por conter discussão relevante a ponto de desvalorizar a franquia como um todo, sendo insuficiente, a contrario sensu, conflitos individuais e que não repercutam na operação da atividade empresarial”1.
Quanto ao ponto, é indispensável que se reflita, porém, acerca da pretensão do legislador, que, na lei de franquias, reconhece a existência de uma disparidade informacional entre o franqueador, detentor do propagado know-how, e o franqueado, que pretende ingressar em um sistema de franquia por ele, franqueador, operado.
Com esse propósito, a lei de franquias reforça um dos pilares da relação contratual contemporânea, disposta no art. 422 do CC, no sentido de que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé.
Substantiva, pois, compromisso legal do franqueador potencializar, em todos os aspectos, a transparência no âmbito de sua relação com o seu franqueado ou candidato a franqueado, devendo dispensar a este todas as informações que impactem, direta ou indiretamente, na tomada de decisão pela adesão ao modelo de negócio proposto.
O dever de probidade, no ambiente de franquias, consolida-se, em toda a sua extensão, no grau de acuidade que imprime o franqueador ao confeccionar a sua COF – Circular de Oferta de Franquia, documento elevado à pedra de toque do sistema e cuja ambiguidade ou incompletude de seu conteúdo possui consequências deletérias.
Bem por isso é que a própria lei de franquias dispõe que a falha nesse dever de probidade tem por consequência o nascimento de um direito subjetivo em favor do franqueado/candidato a franqueado, qual seja, o de arguir anulabilidade ou nulidade dos instrumentos contratuais firmados, conforme o caso, e exigir a devolução de todas e quaisquer quantias já pagas ao franqueador, ou a terceiros por este indicados, a título de filiação ou de royalties, corrigidas monetariamente (art. 2.º, § 2.º).
É certo, neste sentido, que o franqueador probo, honesto e idôneo não terá maiores problemas em satisfazer a exigência legal.
Bastará, em reforço ao seu dever de informação e transparência, que informe todas as ações judiciais (e procedimentos arbitrais, se o caso) em curso, declinando, sumariamente, as questões discutidas e esclarecendo ao seu pretenso franqueado as razões pelas quais entende que aquele determinado processo não questiona o sistema ou não compromete a sua operação de franquia.
A dúvida quanto ao impacto de determinada ação judicial no sistema de franquia ofertado pelo franqueador deve ser solvida em favor do candidato a franqueado, credor da obrigação legal que, assim, deve ser alertado quanto à existência da ação judicial para, analisando-a, definir sobre a relevância de seu conteúdo para sua tomada final de decisão.
O TJ/MS, neste aspecto, já efetuou o registro que “a existência de ações judiciais efetivamente constitui razão para a não adesão ao contrato, mormente quando a parte franqueada logra comprovar que os processos discutem justamente a questionada atuação da empresa no apoio e suporte que se comprometeu a fornecer”2.
Um volume relevante de ações judiciais movidas por um conjunto de franqueados, pode, por exemplo, indicar um problema estrutural no ambiente de franquia, de modo que a omissão do franqueador quanto à sua indicação na COF – Circular de Oferta de Franquia tende a configurar intenção de influir, por omissão, na adesão de candidatos ao seu modelo de negócio reiteradamente questionado, ainda que no âmbito de conflitos em princípio individuais.
O franqueador, demais disso, que se furta ao dever de transparência e resolve, a seu critério, omitir, ainda que parcialmente, o volume de ações judiciais patrocinadas em seu desfavor, chama para si a responsabilidade, verdadeiro ônus processual, de comprovar a incapacidade de determinado procedimento impactar no seu sistema de franquia ou na coletividade de seus franqueados (art. 372, inciso II, CPC).
É de bom tom que se diga, a propósito, que são nas ações individuais que surgem, por excelência, questionamentos quanto ao sistema de franquia empresarial, estabelecendo-se conclusões acerca da falha muitas vezes estrutural do franqueador em transferir (ou, mesmo, possuir) o know-how definido em sua Circular de Oferta de Franquia.
Em outras palavras, no curso de ações de cunho individual são estabelecidas conclusões a respeito do “uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador”, a que se refere o art. 1.º da lei de franquias, muitas vezes corroborados por laudos de índole técnica que reforçam a repercussão “erga omnes” das deficiências identificadas, hábeis a afetar, portanto, toda a coletividade de franqueados, comprometendo, inclusive, a capacidade de manutenção do franqueador no mercado.
O dever de informar, com absoluta amplitude, acerca das ações judiciais relativas à franquia, ainda, é obrigação decorrente do disposto no inciso I, do art. 2.º da lei de franquias, que não dispensa o franqueador de apresentar histórico resumido do negócio franqueado.
O dispositivo alberga verdadeira cláusula geral e potencializa o dever de informação que é a razão de ser da lei.
Bem por isso é que, ao descrever o histórico resumido do negócio franqueado, não pode o franqueador se limitar a expor as informações que entende relevantes e, de certo modo, favoráveis aos seus interesses.
É igualmente obrigado a publicizar as informações que entende lhes serem desfavoráveis, justificando-as, se o caso.
Com estas digressões, conclui-se que a interpretação mais consentânea com o complexo normativo que impulsiona a relação de franquia empresarial dá conta de que é dever do franqueador indicar todas as ações judiciais relativas à franquia no âmbito de sua COF – Circular de Oferta de Franquia, se o caso, acompanhadas de explicações sumárias quanto às razões pelas quais ele, franqueador, entende que não há questionamento ao seu sistema, nem capacidade de comprometer a operação de franquia no país.
Assim, mune-se o candidato à franqueado com um conjunto de informações claras, objetivas e acessíveis, permitindo que a decisão pela adesão ao modelo de negócio do franqueador seja tomada com base em histórico relacional fidedigno e menos sujeito a questionamentos judiciais.
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1 TJ-MG – Agravo de Instrumento: 18394632220248130000, Relator.: Des.(a) Tiago Gomes de Carvalho Pinto, Data de Julgamento: 06/08/2024, Câmaras Especializadas Cíveis / 16ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 07/08/2024
2 TJ-MS – Apelação Cível: 0823211-29 .2017.8.12.0001 Campo Grande, Relator.: Des . Marcelo Câmara Rasslan, Data de Julgamento: 26/03/2024, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 01/04/2024.
David Maxsuel Lima Rodrigues
Advogado atuante no mercado de Franquias, pós-graduado em Direito Bancário, Direito Público e Direito e Processo Previdenciário. Advogado Público. Mestrando em Direito Privado (IDP).