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Se tem algo que todo consumidor espera ao entrar em contato com uma empresa é um atendimento rápido, eficiente e, acima de tudo, resolutivo. Mas, com a ascensão da IA – inteligência artificial nos SAC – Serviços de Atendimento ao Consumidor, surge um dilema: até que ponto a automação melhora a experiência do cliente e quando ela se torna um obstáculo?
O decreto 11.304/22, que regulamenta o SAC – Serviço de Atendimento ao Consumidor, estabelece que as empresas devem fornecer um “atendimento adequado” aos clientes.
Embora o decreto não defina explicitamente o que constitui “atendimento adequado”, entende-se que isso implica na eficiência, eficácia e qualidade do serviço prestado, visando a resolução das demandas dos consumidores de maneira satisfatória e no menor tempo possível.
Com o avanço das tecnologias de IA – inteligência artificial, muitas empresas adotaram sistemas automatizados para o atendimento ao cliente. No entanto, o mercado tem apontado para a necessidade da obrigatoriedade de disponibilizar atendimento humano permanente, especialmente para garantir que questões mais complexas ou que não possam ser resolvidas por sistemas automatizados sejam tratadas de forma adequada.
Uma pesquisa da MindMiners revelou que apenas 12% dos consumidores brasileiros preferem ser atendidos por robôs, indicando uma forte preferência pelo contato humano no atendimento1.
Por outro lado, estudos demonstram que a integração de tecnologias de IA no SAC pode melhorar a eficiência do atendimento.
Por exemplo, empresas que implementaram bots de IA conseguiram reduzir o volume de tickets em 46%, permitindo que as equipes de atendimento se concentrassem em problemas mais complexos. Isso resultou em um aumento de 57% na velocidade de resolução dos tickets, com o tempo médio de resolução caindo de 26 horas para 11 horas2.
Porém, essa eficiência precisa ser equilibrada com a necessidade de um atendimento humanizado. Para as empresas, a mensagem é clara: tecnologia é uma grande aliada, mas jamais pode substituir o essencial, que é o relacionamento com o cliente.
Preferências dos consumidores:
Uma pesquisa realizada pela consultoria Gartner em dezembro de 2023, com 5.700 participantes, revelou que 64% dos consumidores preferem que as empresas não utilizem ferramentas de IA em seus SACs. As principais preocupações incluem:
- Dificuldade em contatar um atendente humano (60%);
- Possíveis impactos no emprego (46%);
- Respostas incorretas fornecidas pela IA (42%);
- Questões relacionadas à segurança de dados (34%);
- Tratamento discriminatório entre diferentes consumidores (25%).
Além disso, 53% dos entrevistados considerariam mudar para uma empresa concorrente caso descobrissem que a atual utiliza IA no atendimento ao cliente3.
Tipos de consumidores e abordagens personalizadas
Um outro ponto importante é entender que os diferentes perfis de consumidores precisam de tratamento e atendimento diferenciado e eficaz. A segmentação de mercado é uma estratégia que identifica grupos de indivíduos com características e comportamentos semelhantes, permitindo que as empresas adaptem suas abordagens para atender às necessidades específicas de cada segmento e assim minimizar passivos consumeristas.
Principais critérios de segmentação:
- Geográfica: Localização do público-alvo, como país, Estado, cidade ou região.
- Demográfica: Características como idade, gênero, renda, educação e ocupação.
- Psicográfica: Estilo de vida, personalidade e valores.
- Comportamental: Padrões de compra, benefícios procurados e lealdade à marca.
Exemplos de perfis de consumidores:
- Consumidor econômico: Prioriza preço e busca ofertas. Requer informações claras sobre promoções e descontos.
- Consumidor tecnológico: Aprecia inovação e tecnologia. Valoriza atendimentos que utilizam ferramentas modernas e eficientes.
- Consumidor tradicional: Prefere interações pessoais e atendimento humano. Necessita de um contato mais próximo e personalizado.
- Consumidor impulsivo: Toma decisões rápidas de compra. Beneficia-se de um atendimento ágil e sugestões de produtos complementares, mas na hora que possuem um problema, querem, do mesmo modo, agilidade.
A resposta do mercado e da legislação
Em 2024, a Senacon – Secretaria Nacional do Consumidor realizou um levantamento para revisar o decreto 11.034/22, conhecido como decreto do SAC, resultando na apresentação de uma nova minuta.
O SAC – Serviço de Atendimento ao Consumidor desempenha um papel fundamental na garantia dos direitos dos consumidores no Brasil. Desde sua criação, tem sido aprimorado para acompanhar as mudanças sociais e tecnológicas. O decreto 11.034/22 trouxe atualizações significativas, e a nova proposta busca dar continuidade a esse processo, adaptando-se às melhores práticas e às exigências atuais.
Um dos pontos de mudança versa exatamente sobre o atendimento humano, deixando claro que os fornecedores devem garantir o atendimento humano por pelo menos 8 horas diárias, visando humanizar e modernizar o atendimento ao consumidor, promovendo maior eficiência e confiança no relacionamento entre empresas e clientes.
Sendo que se solicitado o atendimento humano, este deverá ser disponibilizado em até 60 segundos, após a solicitação.
Em resposta também a essas preocupações, tramita na Câmara dos Deputados o PL 2241/24, de autoria do deputado Chico Alencar (Psol-RJ). A proposta determina que, em qualquer serviço de atendimento remoto ao consumidor, a primeira opção disponibilizada deve ser o atendimento humano. O projeto prevê penalidades para o descumprimento, incluindo advertência e multa de até R$ 1 milhão em casos de reincidência4.
O dilema da automação: Quem nunca passou por isso?
Especialistas apontam que, embora a IA possa aumentar a eficiência operacional, ela nem sempre atende às necessidades específicas dos consumidores.
Juliana Cândido Custódio, coordenadora do curso de Estratégia e Gestão de Experiência do Cliente da PUC-Rio, observa que, após a pandemia, há uma demanda por atendimentos mais humanizados. Ela destaca que a automatização não consegue abranger todas as particularidades dos consumidores, já que cada um possui expectativas e emoções distintas5.
Por outro lado, empresas como a Vivo têm implementado projetos que utilizam IA para auxiliar seus atendentes humanos. A iniciativa “I.Ajuda”, desenvolvida em parceria com a Microsoft, busca fornecer soluções rápidas para as queixas mais frequentes dos clientes, melhorando a eficiência do atendimento sem substituir o contato humano.
Mas, na prática, quem nunca passou pela frustração de tentar resolver um problema e ficar preso em um looping de respostas automáticas que não levam a lugar nenhum?
Imagine que sua conta de energia veio com um valor absurdo e você precisa entender o motivo. Ao ligar para o SAC, um assistente virtual diz: “Se deseja segunda via, digite 1. Para religar seu serviço, digite 2. Para outras opções, digite 3.” Como seu problema não está ali, você escolhe 3. O bot responde: “Verifique seu histórico no nosso app!” Mas o app também não resolve. Após diversas tentativas frustradas, a única solução é buscar um órgão de defesa do consumidor.
Agora imagine que seu voo foi cancelado e você precisa de uma solução urgente. O assistente virtual insiste em te oferecer um voucher para outro dia, mas você quer resolver seu problema agora. Sem contato humano imediato, você se sente desamparado.
Esse é o tipo de situação que mostra como a automação pode ajudar, mas também tem seus limites. Esse tipo de experiência afasta clientes e gera passivos consumeristas para as empresas.
Posicionamento dos tribunais
Até o momento, não foram encontradas decisões judiciais específicas sobre a obrigatoriedade de atendimento humano nos SACs.
No entanto, com a nova minuta elaborada pelo Senacon e a movimentação legislativa, bem como as pesquisas de opinião pública, tudo indica que a tendência é em direção à garantia desse tipo de atendimento, refletindo a importância de equilibrar inovação tecnológica com a satisfação e confiança dos consumidores.
Em suma, embora a IA possa trazer benefícios significativos para o atendimento ao cliente, a preferência dos consumidores por interações humanas e as iniciativas legislativas em andamento sugerem que as empresas devem considerar cuidadosamente a implementação dessas tecnologias, garantindo sempre a opção de atendimento humano para atender às diversas necessidades e expectativas de seus clientes.
O que os fornecedores podem fazer?
Para as empresas, a mensagem é clara: um SAC eficiente não se trata apenas de tecnologia de ponta, mas de experiência do cliente. Inteligência artificial pode ser uma grande aliada, mas desde que seja usada com critério.
Se o consumidor precisa falar com um atendente humano, ele não pode encontrar barreiras. A opção de atendimento real deve ser de fácil acesso, sem exigir que a pessoa passe por um verdadeiro labirinto digital antes de conseguir uma resposta.
Além disso, o sucesso de um SAC depende de profissionais bem treinados. Atendentes precisam ter autonomia para resolver problemas, conhecimento técnico sobre os produtos e serviços da empresa e, principalmente, empatia, dentre outras soft skills. De nada adianta um atendimento humano se o atendente apenas repetir roteiros sem realmente escutar o consumidor.
Empresas que querem se destacar podem ir além das regras mínimas e investir na experiência do cliente. Algumas boas práticas incluem:
- Mapear os principais problemas dos consumidores e criar soluções mais diretas, sem burocracia desnecessária.
- Oferecer múltiplos canais de atendimento, garantindo que o consumidor possa escolher o que melhor se adapta à sua necessidade.
- Monitorar a qualidade do atendimento com pesquisas de satisfação e ajustes contínuos.
- Capacitar os atendentes para irem além das respostas-padrão, incentivando a escuta ativa e a personalização do atendimento.
- Integrar tecnologia e atendimento humano, garantindo que a IA resolva o que pode, mas sem impedir o contato com um profissional quando necessário, que deve estar sempre disponível.
No final do dia, um bom SAC não é apenas uma obrigação legal – é um diferencial competitivo. Empresas que realmente se preocupam com seus clientes colhem os frutos de um relacionamento de confiança e fidelização. Porque, no fim das contas, todo mundo quer ser ouvido e ter seu problema resolvido.
Importância do atendimento personalizado:
Reconhecer e adaptar-se aos diferentes tipos de consumidores permite que os atendentes ofereçam um serviço mais eficaz e satisfatório, quase que personalizado. Por exemplo, enquanto um consumidor tecnológico pode apreciar a eficiência de um chatbot, um consumidor tradicional pode sentir-se frustrado e desvalorizado sem o contato humano.
Conclusão
Embora a tecnologia, especialmente a IA, tenha o potencial de aprimorar a eficiência dos Serviços de Atendimento ao Consumidor, é crucial que as empresas reconheçam e respeitem as preferências individuais de seus clientes.
Oferecer opções de atendimento que atendam às diversas necessidades e perfis dos consumidores não é apenas uma obrigação legal, mas também uma estratégia inteligente para promover a satisfação e a lealdade do cliente, o que por certo, tem como consequência, a redução e/ou mitigação de passivos.
Porque, no fim das contas, todo mundo quer ser ouvido e ter seu problema resolvido.
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1 https://cidadaoconsumidor.com.br/novo-sac-obriga-atendimento-humano-e-ataca-problemas-recorrentes-na-justica/?utm_source=chatgpt.com Acessado em 07/03/2025.
2 Idem.
3 https://tecnoblog.net/noticias/64-das-pessoas-nao-querem-inteligencia-artificial-no-sac/?utm_source=chatgpt.com Acessado em 07/03/2025.
4 https://www.camara.leg.br/noticias/1090945-projeto-exige-atendimento-humano-nos-servicos-para-o-consumidor/?utm_source=chatgpt.com. Acessado em 05/03/2025.
5 https://procon.niteroi.rj.gov.br/2023/11/03/o-que-fazer-quando-a-inteligencia-artificial-atende-mas-nao-entende-o-consumidor/?utm_source=chatgpt.com Acessado em 05/03/2025.
Rhuana Rodrigues César
Sócia do Chenut.